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terça-feira, 11 de agosto de 2009

1276) Ex-ministro do STF Paulo Brossard sobre o Tratado de Itaipu

...e o acordo (ainda não totalmente desvendado) com o Paraguai.

A cartola mágica
Paulo Brossard - * Jurista, ministro aposentado do STF*
02.08.2009

Semana passada foi fartamente divulgado que "O Brasil cede em Itaipu para beneficiar Lugo". Ficou-se sabendo que seu presidente permitirá que o Paraguai venda livremente sua cota de energia de Itaipu no mercado brasileiro, quando pelo Tratado estava estipulado que a sobra não utilizada seria vendida à Eletrobrás.

É de notar-se, outrossim, que os consumidores brasileiros, em suas tarifas de luz, pagam ao Paraguai cerca de US$ 200 milhões a título de royalties. A proposta do presidente da República foi entregue ao governo paraguaio pelo nosso embaixador em Assunção e, segundo o governo, dispensaria ser submetida a exame do Congresso.

Ocorre que o presidente se permitiu alterar cláusula do Tratado, quando este, entrando em vigor, se incorporou ao acervo legislativo do país.É lei. De certa forma a iniciativa era suspeitada, depois da sujeição aos abusos de Chávez da Venezuela, de Morales da Bolívia e de Correa do Equador.

Ninguém ignora que o presidente tem sido generoso com seus hermanos e entre eles é cortejado. Mas, no caso, há uma particularidade extremamente grave. Ao oferecer o que ofereceu a D. Lugo, o presidente Luiz Inácio pretendeu doar o que lhe não pertence, mas ao Brasil, e pretendeu dispor de cláusulas de um Tratado que, ratificado e promulgado, passou a fazer parte do direito positivo nacional, que o presidente não pode revogar a seu arbítrio; configura o que se chama "crime de responsabilidade".

O fato em sua seca objetividade estampa que o presidente da República se permitiu, para mimosear o país vizinho, alterar unilateralmente o Tratado de Itaipu, em pontos maiores ou menores, pouco importa; o valor pago pela cessão de energia aumentará de US$ 120,3 milhões para US$ 360 milhões, e o Estado que custeou fartamente a construção da Usina se obriga a criar um fundo binacional e ao financiamento de uma linha de transmissão de Itaipu a Assunção, orçada em US$ 450 milhões.

O presidente não pode fazer o que fez. Assim procedendo igualou o Brasil a países em que a ordem legal não tem qualquer valor.
Ainda mais! D. Lugo se contentará com o presente ou, digerido o regalo, voltará a reclamar o que lhe foi indeferido? Pode ser que sim, pode ser que não. Contudo, a posição do Brasil ficou debilitada. E o que é mais escabroso, porque quebrou a fé de um contrato. É um mau passo.

Há mais, foi dito sem meias palavras que, se não atendido, D. Lugo não terminaria o mandato. É exato "Não é exato" Não posso responder. O que me parece indúbio é que o presidente não beneficia o Brasil, com sua generosa complacência.

Amigos do governo apressaram-se em acentuar que as inovações com que o Paraguai foi aquinhoado não alteraram o Tratado! Se os presentes oferecidos e aceitos não saíram do Tratado, teriam saído da cartola do Mágico?

O presidente da República continua a distribuir presentes a seus confrades à custa de valores nacionais. O último ato de munificência é expressivo. O presidente pode fazer isso? Ele pode revogar dispositivo de lei federal? Ninguém o diria. Desenganadamente, não pode.

Faz mais de 80 anos Assis Brasil encerrou sua existência na placidez de Pedras Altas. Como sói acontecer, foi caindo uma cortina de silêncio em relação à sua figura de múltiplas faces. Faz algum tempo, foi ressuscitando. O Senado publicou suas obras principais. O Itamaraty divulgou sua correspondência diplomática.

Nesta semana será lançado, no Memorial do Rio Grande do Sul, um livro diferente a seu respeito, O Senhor do Castelo - Sonhos e Memórias do Pampa. Um livro de fotografias selecionadas por Carmen Aita e Tonico Alvares, com a colaboração de Sylvia Bojunga e Omar de Barros Filho, que lembram a figura do polígrafo e político eminente.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
(Manuel Alegre)

8 comentários:

Glaucia disse...

Professor,

Sugiro os textos do Demétrio Magnoli no Estadão sobre o assunto.

Ele, que não pode ser acusado de petista, tem feito bons relatos do que está em jogo, bem mais razoáveis do que aquilo que histericamente tem sido propagado por juízes aposentados e quetais.

É claro que há o que discutir no acordo (e é por isso que, ao contrário do que diz nosso aposentado, o Congresso é que vai dar a última palavra sobre essas alterações) mas a miopia geopolítica dessa gente, pronta a não ver um palmo além da diplomacia companheira - que existe -, é assustadora.

Às vezes parece que a decisão de construir Itaipu como uma binacional foi um engano, um erro, um ops dos militares...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Conheço os textos do Magnoli e acho os seus argumentos contundentes, se me permito usar uma expressão redundante no caso dele. Um exemplo de um personagem que adquire maior estatura do que o original, seja lá o que isso queira dizer.

Ainda prefiro juizes aposentados, que pelo menos tem a obrigação de escreverem de forma compreensível (embora nem sempre seja o caso). O Congresso atual não possui condições mínimas (aliás, elas estão abaixo do mínimo requerido) para fazer uma avaliação, uma discussão e apresentar alguma visão objetiva, serena e equilibrada sobre esse acordo (aliás, sobre outros também, como seria o caso do ingresso da Venezuela no Mercosul). O Congresso já se desqualificou totalmente, uma parte por excesso de sabujice e sujeição ao poder executivo (com "e" minúsculo), a outra parte por excesso de incompetência (a oposição).
O Congresso não existe: existe um ajuntamento de representantes eleitos (alguns eleitos pelo dinheiro, outros por corporações setoriais) que não representam coisa alguma, a não ser seus próprios interesses.
Assim, não se deve esperar nada, absolutamente nada, do debate no Congresso em torno do acordo que não modifica um acordo com o Paraguai. Insondável mistério esse dos arranjos feitos com o Paraguai em torno do Tratado de Itaipu.
Não foi um cochilo dos militares, mas uma solução diplomática, aceita por Médici e o CSN, a um problema de fronteira.
A intenção era afogar o problema. Deu no que deu...

Vinícius Portella disse...

Paulo,
Qual a avaliação que fazes sobre essa solução diplomática que resultou em Itaipu? Já que deu no que deu, ao menos de alguma coisa valeu?

Abraços,

Paulo Roberto de Almeida disse...

Vinicius,
Nao tenho condicoes de avaliar de forma ponderada o que você chama de "solução diplomática" porque simplesmente eu a desconheço, até o momento. O que temos são simples anúncios e entrevistas que, pela imprensa, dizem que foi tudo bem feito, mas seria preciso ver a letra dos acordos para avaliar.
Vamos examinar.

Vinícius Portella disse...

"Não foi um cochilo dos militares, mas uma solução diplomática, aceita por Médici e o CSN, a um problema de fronteira.
A intenção era afogar o problema. Deu no que deu..."

Paulo, desculpa-me, mas eu me referia a estas tuas palavras ao mencionar "solução diplomática" - tal como ocorre nas tuas. O que gostaria de saber é se já no tratado de Itaipu já havia brechas para que problemas futuros surgissem - não se mostrando, portanto, uma "solução diplomática" tão sólida para aquele problema fronteiriço - ou se o problema presente está, propriamente, nas atitudes tomadas pelo atual governo brasileiro quanto a esta matéria.

Abraços,

Vinícius Portella disse...

Quanto ao tangente ao Congresso Nacional em teu comentário, estou de pleno acordo. Eu me abismei, fiquei abobado, ao assistir a certo discurso relativo ao dia do advogado - penso que era isso que se comemorou quinta-feira passada, salvo engano - no plenário do Senado. Não me recordo do nome do Senador que ocupava a tribuna, nem do que elogiou seu discurso. Mas é impressionante como tais exercícios meramente retóricos e de pouca profundidade têm espaço lá, coisa para inglês ver. É a burrice, entre tantas coisas, institucionalizada. Uma antiga tradição.
...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Nenhum tratado internacional é sólido o suficiente para resistir à passagem do tempo e sobretudo à mudança de condições materiais que presidiram ao seu nascimento. As economias mudam, os sistemas políticos também, e os homens mais ainda, nem sempre para melhor. Podemos acreditar que involuções e deterioração das condições do jogo político são sempre possíveis, como está ocorrendo agora nos países bolivarianos. Os povos aprendem da pior maneira: por ensaio e erro, não por exame detido e ponderado da realidade e adoção de uma decisão racional que crie um estado perfeito...
Temos problemas enormes na região, e as lideranças políticas brasileiras, sobretudo no Congresso, não estão preparadas para enfrentar os desafios...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Esse Congresso que está aí não existe, num sentido metafórico. Ele já se deixou comprar, e aprovaria qualquer coisa, com muito pouca discussão racional. Oposição e maioria governamental são lamentáveis, e bota lamentável nisso...