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quinta-feira, 3 de setembro de 2009

1349) Minha homenagem ao Francenildo: um dia você será justiçado

Eu não tinha nenhuma ilusão de que outro resultado fosse possível, tanto que deixei aqui um registro, antecipadamente, dessa minha certeza: o STF e sua maioria de tíranetes togados absolveriam o ex-ministro Antonio Palocci das acusações em torno do chamado processo Francenildo.
Os interessados em saber o que eu escrevi, quase um mês atrás, podem ler este post no seguinte link:
Terça-feira, 11 de Agosto de 2009
1274) Uma previsao imprevidente: a nao-punicao como norma

Minha aposta era a seguinte:
"Posso apostar com todos vocês como o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, atualmente deputado federal pelo PT-SP será devidamente absolvido pelo STF da acusação mais grave -- dentre pelo menos 25 outras -- que o alcançou em sua vida adulta e de político a serviço de uma causa (não me perguntem qual...), isto é, a de que ele foi principal beneficiário da quebra de sigilo bancário do humilde caseiro Francenildo.
(...) Tenho apenas um feeling, e meu feeling me diz que bandidos de alto coturno sempre escapam pela tangente...
É apenas uma percepção, e por isso marco encontro neste mesmo bat-lugar assim que terminar o julgamento..."

Bem, não tive tempo ainda de comentar o julgamento, mas acho que não precisa, não é mesmo? Os cultores do formalismo jurídico cometeram um crime contra um simples caseiro. Era isso que eu pretendia escrever.
Sem tempo para elaborar mais a respeito, limito-me a transcrever um artigo de um colega sociólogo, que fica como uma homenagem ao caseiro Francenildo.
Paulo Roberto de Almeida (3.09.2009)

Esse crime chamado justiça
Demétrio Magnoli
O Estado de São Paulo, Quinta-Feira, 03 de Setembro de 2009

A jornalista Helena Chagas, diretora de O Globo em Brasília (hoje na TV Brasil), soube por seu jardineiro de um depósito de vulto na conta do caseiro Francenildo Costa e passou a informação ao senador Tião Viana (PT-AC), que a transmitiu ao ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Então, Palocci convocou ao Planalto Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica Federal (CEF). Naquele dia, Mattoso tirou um extrato da conta de Francenildo. À noite, 23 horas, reuniu-se com Palocci na casa do ministro, num encontro a três, no qual estava Marcelo Netto, assessor de imprensa do Ministério. No dia seguinte, o mesmo extrato que circulou na reunião foi publicado no site da revista Época.

O enredo acima não é uma tese, mas uma narrativa factual, comprovada materialmente pelas investigações da Polícia Federal, que está nos autos da denúncia apresentada ao STF. A defesa alegou não existirem indícios robustos sobre a autoria da transmissão do extrato à revista e argumentou que o crime de quebra de sigilo bancário só ficou caracterizado no momento da publicação do extrato. O STF derrubou o argumento central da defesa, identificando indício de crime na transferência do extrato de Mattoso para Palocci. Mas só admitiu a denúncia contra Mattoso, que responderá a processo em instância inferior. Uma frágil maioria, de cinco contra quatro juízes, alinhou o Judiciário com o paradigma do Executivo, expresso por Lula: no Brasil, o Estado distingue os "homens incomuns" dos "homens comuns".

A maioria que livrou de processo o "homem incomum" se orientou pelo relatório de Gilmar Mendes, o presidente do STF. Mendes é um defensor incansável de que a Justiça não se pode submeter ao "clamor das ruas" e do princípio do Estado de Direito de que ninguém deve ser punido sem a existência de provas capazes de arrostar a presunção de inocência. Não há nos autos prova acima de dúvida razoável de que Palocci tenha ordenado a quebra de sigilo. O STF, contudo, não julgava a culpa ou inocência do ministro. Julgava apenas o acolhimento da denúncia, ou seja, a deflagração de um processo. Para isso bastam indícios convincentes de participação em ato criminoso. Os cinco juízes que negaram tal estatuto ao relato comprovado nos autos condenam a Nação a conviver com a impunidade legal dos poderosos. Eles cometem um crime contra a justiça.

Nunca, desde o encerramento da ditadura militar, o Estado brasileiro violou tão profundamente a ordem democrática quanto na hora em que Mattoso selecionou, entre os milhões de correntistas da CEF, o nome de Francenildo, uma testemunha da CPI que investigava o poderoso ministro. No mesmo dia em que o presidente da CEF acessava o extrato "suspeito", mas não o transmitia ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), guardando-o para Palocci, Tião Viana prometia aos jornalistas "uma grande surpresa". O poder que faz isso não conhece limites. Seu horizonte utópico é o Estado policial: a administração pública convertida em aparelho de intimidação permanente dos cidadãos, por meio da invasão da privacidade e da chantagem pessoal.

"A corda acabou estourando do lado mais fraco, como sempre", diagnosticou o juiz Marco Aurélio Mello, referindo-se ao voto da maioria de seus colegas. Os cinco juízes decidiram que o crime inominável só pode ser reconhecido com a condição de que a responsabilidade por ele recaia apenas no agente direto da operação ilegal. O paralelo é inevitável: esses juízes abririam processo contra um rato dos porões da tortura, mas absolveriam de antemão os altos oficiais que comandavam a máquina de interrogar e torturar da ditadura militar.

O relatório de Gilmar Mendes pendeu sobre o abismo por algum tempo, até ser resgatado da derrota por um inacreditável Cezar Peluso. O juiz destroçou a tese da defesa, mas, antes da conclusão lógica, imaginou a hipótese de que Mattoso não seguia uma instrução do ministro ao quebrar o sigilo de Francenildo. A sua hipótese altamente improvável talvez pudesse sustentar uma absolvição de Palocci ao final de um processo. Mas bastou-lhe para rejeitar a abertura do próprio processo que a escrutinaria. Peluso sucederá a Mendes à frente do STF, no ano que vem. A minha hipótese é de que ele decidiu contra seus próprios argumentos, sacrificando a justiça para estabelecer uma jurisprudência informal de submissão dos juízes ao voto do presidente do tribunal nos casos de valor político estratégico. A ordem tradicional que organiza o mundo não pode ser violada - eis a mensagem inscrita no voto de Peluso.

A maioria configurada na defesa dessa ordem tradicional relegou Francenildo ao papel de espectador silencioso da solenidade de consagração de uma impunidade tão absoluta que impede a própria instauração de processo. Essa maioria assistiu, talvez levemente constrangida, ao espetáculo ignóbil proporcionado pelo advogado de Palocci, José Roberto Batochio, que assomou à varanda de sua Casa-Grande ideológica para apontar o caseiro como um "singelo quase indigente". Quando proferiram seus votos, os cinco juízes enxergaram um semelhante não em Francenildo, mas em Palocci. Eles votaram na sua casta, deixando as impressões digitais do persistente patrimonialismo brasileiro nos registros da Corte constitucional.

Francenildo sou eu, somos nós todos, potenciais testemunhas de desvios de conduta das altas autoridades políticas. A decisão proferida por um STF diminuído equivale a uma mensagem destinada aos cidadãos comuns. Eles estão dizendo que o silêncio vale ouro: o privilégio a uma privacidade que não figura como um direito forte aos olhos da Corte devotada a interpretar a Lei das Leis. Estão condenando a Nação a calar quando se trata dos homens de poder. Como nem todos calarão por todo o tempo, estão condenando o País a ter novos Francenildos. É o preço que cobram pela absolvição do cidadão mais que comum.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP. E-mail.

2 comentários:

Unknown disse...

Tadinho do Francenildo

O governo Lula é uma fábrica de mártires republicanos.
O famigerado Roberto Jefferson, réu confesso, pego com a mão na cumbuca, teve sua biografia reformulada depois de derrubar José Dirceu. Lina Vieira, burocrata de competência discutível, comprometida politicamente, salivou um palpite insignificante sobre evento que não conseguiu provar e se transformou na Garganta Profunda do Dilmagate. Francenildo, o caseiro honesto do lupanar, sublimou as suspeitas de receber propina e cometer falsidade ideológica, entrando no panteão da moralidade.
O que une esses heróis é a cumplicidade inicial com algum tipo de ilicitude, depois renegada e expurgada publicamente. Os escândalos resultam de uma soma de conveniências: forneça-me uma vítima e eu livrarei a sua cara. Esse tráfico de interesses fica mais evidente quando verificamos que episódios muito semelhantes já tiveram desfechos quase opostos, dependendo dos personagens envolvidos.
Vazamentos para a imprensa das capivaras petistas possuem “interesse público”, são demonstrações de jornalismo investigativo. Mas divulgar tucanagens comprometedoras viola sigilo bancário, é antiético, autoritário, stalinista. Os irmãos Vedoin tentaram desmascarar o esquema dos Sanguessugas com os mesmos instrumentos usados por Jefferson, só que mexeram no ninho de José Serra, e ali ninguém bole. A lista das jujubas do casal FHC virou peça de “clara motivação política”, porque, oras bolas, onde já se viu um troço desses? – e o “dossiê” falsificado de Dilma Rousseff na Folha foi, tipo assim, um erro técnico.
Como se sabe, entretanto, este mundinho azul dá uma volta por dia. Gargalho às escâncaras diante das mudanças de humor jornalístico provocadas pela imprevisível condição humana. Até mesmo o egrégio STF, que parecia tão justo e implacável no julgamento do Mensalão, já não parece tão justo ou implacável depois de inocentar Antônio Palocci. Repetindo a previsão sobre Marina Silva, será impagável assistir seu martírio em brasa assim que começar a atrapalhar os planos de José Serra.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Guilherme,
O seu comentário é obviamente tendencioso, distorcido e eu até diria indigno de uma personagem tão humilde e desprotegida como o caseiro Francenildo.
Este meu post destinava-se, apenas e tão somente, a confirmar um post prévio meu, que afirmava que o STF, utilizando-se dos mesmos procedimentos formalísticos que permite a bandidos de alto coturno escapar da justa punição, iria desculpar o ex-ministro Palocci de qualquer responsabilidade num dos casos mais escandalosos de crime política da máfia que nos governa atualmente. Sublinho, se voce quiser, o termo "máfia", que designa um bando de violadores da lei que se protegem mutuamente, compram autoridades e violam impunemente a lei num regime de "omertà" (ou seja, silêncio em favor dos membros da gangue).
Apenas isto eu pretendia provar, e acho que fui confirmado em minhas piores expectativas.
Compare, por exemplo, com o caso do mega-fraudador Bernard Madoff, que foi condenado a 150 anos de prisão seis meses depois de revelados os seus crimes: a justiça americana não precisou esperar que todos os documentos de todos os casos de fraude fossem examinados, comprovados, recomprados, certificados, atestados, etc, etc, et, que é o que aconteceria no Brasil se um caso desses caisse -- como aliás vários já cairam -- nas mãos da "justiça" brasileira: demoraria provavelmente dez anos, e o sujeito sairia lampeiro, com todo o seu dinheiro roubado preservado, como ocorre de fato no Brasil, e você sabe disso.
Eu considero o seu comentário indigno por que ele pretende politizar uma questão, argumentando com um embate entre tucanos e petistas, quando o que estava em causa aqui era apenas um julgamento no STF.
Eu coloquei o seu comentário, mas repito que o considero indigno deste Blog, e indigno de qualquer cidadão que pretende viver num Estado de direito.
Eu acho que você merece um tratamento psiquiátrico, por não conseguir manter o foco do problema e por ter alguma obsessão anti-tucana, supostamente em favor do bando de bandidos que nos governa.
Volte ao blog, mas mantenha o foco e seja um pouco mais digno da próxima vez.
Paulo Roberto de Almeida
5.09.2009