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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

1353) Relacoes Brasil-EUA: enterrando alguns mitos academicos

O artigo abaixo, muito bem vindo, começa o processo de desmantelamento de vários mitos acadêmicos, neste caso as teses do conhecido historiador Moniz Bandeira, que têm sido propagadas à exaustão nas academias e na própria diplomacia brasileira.
Observe-se, en passant, que os arquivos e os documentos são geralmente os mesmos, mudando apenas o grau de acesso, mas isso não altera o contorno geral das atitudes americanas em relação ao Brasil.
O que muda, claramente, é a percepção da leitura desses documentos, e por aí concluímos que uma leitura ideológica, politicamente motivada, orientada para a teoria da conspiração e o confrontacionismo retórico é uma marca distintiva de certas concepções acadêmicas que ainda vicejam (e como!) no ambiente brasileiro.
Pode-se colocar no mesmo balaio as teses absurdas do Ha-Joon Chang sobre os obstáculos ao desenvolvimento de países emergentes, a chamada tese do "chutando a escada".
Tenho tratado desses mitos acadêmicos -- que também têm consequencias práticas na diplomacia -- em minha série de ensaios "Falácias ACadêmicas! (vejam em meu site).

O ocaso da “rivalidade emergente”
Matias Spektor
Mundorama.net, 3 de Setembro de 2009

A “rivalidade emergente” é uma das teses mais arraigadas da mitologia brasileira em política externa. Ela prega que o processo de modernização econômica do Brasil levou os Estados Unidos a enxergarem no país um desafio real ou potencial. O resultado dessa leitura teria sido uma estratégia americana desenhada para tolher, embotar e mitigar o desenvolvimento nacional brasileiro. Forças estruturais empurrariam os Estados Unidos a fazer o possível para manter o Brasil enquistado na periferia do sistema internacional. Ecoando a teoria da dependência, essa perspectiva sustenta que a industrialização num país periférico gera reação adversa por parte dos países centrais.

A “rivalidade emergente” não é a única leitura existente das relações brasileiro-americanas. Mas representa a principal tentativa de interpretar o vínculo entre os dois países em uma perspectiva de longo prazo. Ela tem grande apelo entre as elites brasileiras, predomina nas salas de aula das principais universidades do país e dá o tom do concurso de ingresso ao Instituto Rio Branco, a academia diplomática. Tendo em vista o histórico de dominação estrangeira na América Latina, talvez seja natural que uma tese dessa natureza seja abraçada como paradigma.

Entretanto, diante da verdadeira enxurrada de documentos recém-abertos para a pesquisa em arquivos diplomáticos do Brasil, Estados Unidos, América Latina e Europa, a “rivalidade emergente” não resiste ao escrutínio de um olhar inquisitivo.

As novas fontes de arquivos multinacionais são primorosas porque permitem estudar a nuance e ambigüidade que marcaram o vínculo do Brasil com a maior potência do sistema internacional. Sem dúvida, os documentos mostram a extensão e profundidade da hegemonia americana. Mas revelam também o grau em que essa hegemonia foi essencial para criar um ambiente no qual o Brasil pôde viver seu fabuloso processo de modernização conservadora. As fontes ainda iluminam as recorrentes, mas fracassadas tentativas americanas de fortalecer o Brasil. E comprovam a rica variação das respostas brasileiras ao desafio de viver nas bordas do ocidente liberal.

A nossa ignorância sobre o principal vínculo internacional do país ainda é vasta. O exame cuidadoso da história agora é possível graças a condições ímpares de acesso à informação. Esta é a hora de arregaçar as mangas, visitar os arquivos e oferecer uma narrativa sofisticada, atenta aos detalhes, e alerta para os tons de cinza. Somente assim será possível corrigir crenças equivocadas e chegar a uma avaliação mais sóbria das escolhas realizadas.

À medida que se multiplicam os desafios de política externa, construir as melhores interpretações possíveis sobre os porquês da relação com Washington é uma das tarefas mais urgentes de nossa geração.

Matias Spektor é Coordenador do Centro de Estudos Internacionais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

2 comentários:

Glaucia disse...

Estou lendo o livro. Excelente, não? O tipo de trabalho cuidadoso e objetivo de que sinto falta no Brasil! Bom saber ao menos que temos cacife no país para segurar um pesquisador desse nível.

E bem melhor que ler mentiras sobre o Super Hornet...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Você diz que está lendo o livro, mas não diz qual. A matéria refere-se à tese da "rivalidade emergente" que é um livro já antigo do Moniz Bandeira.
Mas suponho que você se refira ao livro do Matias Spektor, Kissinger e o Brasil (talvez com z)...
Ainda nao conheço o livro, mas já conheço artigos desse autor.
Um pesquisador sério, sem alguns dos vieses acadêmicos que afetam tantos pesquisadores universitarios, neste país anti-imperialista por vocação...