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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

1407) Petroleo do pre-sal: uma analise sobria e fundamentada

Pré-sal e suas ameaças: imaginárias e reais
Gunther Rudzit & Otto Nogami
Mundorama, 2 de Outubro de 2009

Nos últimos dois anos a mídia brasileira deu muito destaque às descobertas das novas reservas petrolíferas nas Bacias de Santos e Campos, mais conhecidos como a área do pré-sal. Muito também tem sido falado sobre os interesses estrangeiros, mais especificamente o norte-americano, por esta gigantesca reserva, que até o momento não se sabe ao certo qual o tamanho e conseqüente potencial de produção.

Sem dúvida alguma, esta descoberta terá a capacidade de modificar a percepção acerca do Brasil no sistema internacional, tanto do ponto de vista político, quanto econômico. Contudo, a fim de se elaborar uma análise mais próxima da realidade e não de meras especulações, faz-se necessário examinar as análises do próprio governo americano, para se poder determinar se as nossas análises estão corretas ou não.

A economia capitalista é movida a energia, e, sem dúvida alguma, a americana é baseada no petróleo. Por isso mesmo este tema faz parte das agendas econômica, diplomática e de segurança nacional de Washington. Contudo, partir deste princípio e aludir que os norte-americanos vêem as novas descobertas com a ganância suficiente para tomá-la, é temerário, principalmente quando estas afirmações são dadas por representantes do Estado brasileiro. Em um espaço de tempo de três dias duas afirmações neste sentido se destacaram, como o diretor de exploração e produção da Petrobrás, Guilherme Estrela, diz que a volta da quarta frota pode ser considerado uma ameaça (TEREZA, PAMPLONA e LIMA: 2009), ou então o próprio Presidente da República, que o País tem grandes patrimônios como a Amazônia e o pré-sal e precisa defendê-los.[2]

Diante de tantas insinuações acerca das intenções do governo norte-americano em relação à nova descoberta petrolífera em nossa zona econômica exclusiva (ZEE), há uma forma mais fácil e direta. Para saber se o governo americano realmente percebe as reservas petrolíferas brasileiras como uma fonte de energia estratégica para manter sua economia funcionando, o primeiro órgão que se deve pesquisar é a Energy Information Administration (EIA). [3] Este órgão tem como responsabilidade oferecer dados primários, estatísticas e análises sobre o setor de energia como um todo para o governo americano, tanto para o executivo quanto para o legislativo. Sem dúvida alguma, o setor de petróleo é um dos mais importantes, e representa a grande preocupação da administração do governo norte-americano.

A primeira constatação deste órgão é que o consumo mundial de petróleo deverá passar de 85 milhões de barris/dia para 107 milhões/dia em 2030. [4] Deste crescimento, 80% serão dos países não-membros da OCDE (sigla em inglês da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na Ásia, principalmente China e Índia. O setor de transportes será o maior responsável por este aumento.

A partir destes dados, a EIA apresenta três cenários prospectivos. O primeiro deles é com o preço do barril chegando ao ano de 2030 com o preço de U$ 200 o barril, o segundo cenário, que é o referencial, chegando à mesma data com preço em US$ 130, e o último cenário com o valor de U$ 50. Seguindo o cenário referencial, a previsão é de que a partir de 2013 o preço mantenha-se sempre acima dos US$ 100 o barril.

Para manter o mercado abastecido, é previsto que tanto os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) quanto os não-membros devem aumentar suas produções. Contudo, dois países membros devem, segundo a EIA, ter problemas para manter este aumento a partir de 2015. São eles o México e a Venezuela, que, devido às políticas setoriais adotadas até agora, não se vislumbram os incentivos necessários para que empresas privadas invistam no aumento de suas produções.

As principais bacias petrolíferas que apresentam condições de aumentar suas produções são as do Mar Cáspio e da América do Sul, sendo que os países não-membros da OPEP que devem ter aumento na sua produção são representados pelo Brasil, Cazaquistão e Rússia. Além disso, os próprios Estados Unidos devem aumentar também sua produção doméstica, principalmente nas águas ultra profundas do Golfo do México. O Canadá também será um grande exportador, mas de petróleo extraído de rochas betuminosas.[5]

Dentro deste contexto, atenção especial é dada ao Brasil, definido como o país que apresentará o segundo maior aumento na produção até 2030, devendo ficar atrás somente dos Estados Unidos. O relatório anual da EIA destaca as recente descobertas no pré-sal, referindo-se diretamente aos campos gigantes de Tupi, Guara e Iara, mas também faz menção às mudanças regulatórias que começam a ser estudadas pelo governo brasileiro.

Assim, a agência americana faz duas projeções em relação ao caso brasileiro. O primeiro tem como premissa o alto preço do barril e grande restrição ao capital privado, o que faria a produção crescer 3% ao ano e chegar em 2030 com 2,1 milhões de barris/dia a mais do que produção atual. Já o segundo cenário tem como premissas preços baixos e a manutenção da abertura ao capital privado, o que faria a produção crescer 5% ao ano e chegar em 2030 com produção adicional de 4,1 milhões de barris/dia.

Além do petróleo, a produção de etanol também é analisada. Para este combustível há o destaque de que o etanol brasileiro é o mais produtivo e competitivo hoje em dia, e que a produção deverá continuar a crescer mais do que o consumo interno, fazendo com que as perspectivas para as exportações cresçam. Mas, novamente, dois cenários são apresentados, o de alto preço do petróleo beneficiaria a produção de etanol, que chegaria em 2030 a 1,3 milhão de barril/dia, enquanto que no cenário de preço do petróleo baixo, a produção chegaria no mesmo ano a somente 0,8 milhão/dia. E para o Brasil há um fato muito importante, nenhuma menção é feita em relação a possíveis exportações para os Estados Unidos.

Outro relatório muito interessante desta mesma agência é a lista dos maiores exportadores de petróleo para os Estados Unidos no mês de agosto de 2009.[6] As importações são cotadas em milhões barris/dia, e em ordem decrescente, são: Canadá com 2.001; Venezuela com 1.119; México com 1.099; Arábia Saudita com 902; Nigéria com 769.

Um fato interessante nesta lista, é que o Iraque só aparece em sétimo lugar, com importações de 374 mil barris/dia. Por outro lado, fica claro também que, mesmo se colocando com o inimigo dos Estados Unidos, a Venezuela é segunda fonte de petróleo dos Estados Unidos, sendo que só o presidente Hugo Chávez é vê ameaça nessa relação. Ainda mais que as exportações de petróleo e refinados ao mercado americano equivalem a 60% do total, além de que, a estatal petrolífera venezuelana a PDVSA (Petróleos de Venezuela, S.A.) é proprietária de quatro refinarias e participação acionária em outras quatro (ALVAREZ e HANSON: 2009).

Portanto, em uma relação econômica tão forte e importante como é a de Estados Unidos e Venezuela, com grande interdependência econômica, é muito pouco provável que um presidente americano tente usar a força a fim de ter acesso ao petróleo venezuelano. Esta ação causaria mais prejuízos econômicos do que qualquer ganho relativo, o que torna tal hipótese muito fraca.

Com a possibilidade de acesso a outra fonte de petróleo de boa qualidade e de um fornecedor estável política e economicamente como o Brasil é, pode-se extrapolar duas hipóteses. Primeira, que haveria o interesse te trocar a dependência parcial em relação à Venezuela pelo petróleo brasileiro; e a segunda, de que a mesma impossibilidade de uso da força seria aplicada à nova relação. E esta não poderá ser ameaçada pela tão propalada quarta frota.

Esta estrutura militar existe somente no organograma do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Ela não tem nenhum navio designado e nem forças expedicionárias permanentemente e muito menos nenhum porta-aviões, como os outros comandos militares têm. Desde que foi relançada, teve aumento de staff de quarenta pessoas, passando a contar com cento e vinte militares. O que mais chama a atenção é que no seu quartel general a quarta frota tem oficiais de ligação do Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru, além de representantes de Argentina, México e Uruguai na Naval Telecomunications Network (IANTN), o sistema de tráfico de mensagem compartilhado entre todas as marinhas da América latina.[7] Portanto, tendo a presença de militares sul-americanos, e em especial um brasileiro, na sua sede, seria de se supor que estes possam perceber qualquer motivação estratégica no Comando Sul, o que até agora não foi noticiado.

Portanto, se existe uma ameaça, ela está na esfera econômica. Quando toda a gigantesca infra-estruturar de exploração comercial estiver pronta, o que deverá acontecer em dez ou quinze anos, o grande mercado americano poderá estar caminhando para a substituição do petróleo como fonte de energia de transporte.

O presidente Barack Obama tem planos para buscar a independência americana do petróleo, com três ênfases, desenvolvimento de novas formas de energia, estabelecer padrões de eficiência de combustível e regular emissões de fases de efeito estufa (WASHINGTON POST: 2009). E esta nova política já começou, com a discussão sobre a efetividade do plano e, principalmente, pelo aumento de um novo ingrediente, a preocupação com o aquecimento global (MUFSON: 2009). Tanto que, dia quinze de setembro o presidente assinou a nova lei que determina o aumento da economia de combustível em 5% ao ano até 2016 (FAHRENTHOLD & EIPLERIN, 2009).

Estas decisões vão de encontro com uma parte das propostas feitas pela RAND Corporation (RAND:2009, 19). Dentre as políticas propostas destacam-se a de incentivar o surgimento de novas formas de energia a fim dos Estados Unidos aumentarem sua segurança nacional, reduzir o consumo de petróleo e apoiar o bom funcionamento do mercado global de petróleo.

Se existe alguma ameaça ao pré-sal, ela não virá de estruturas militares, ela virá das lógicas política e econômica. A busca pela independência de fornecedores externos de petróleo e seus derivados tem sido um objetivo de várias administrações americanas, mas hoje as alternativas tecnológicas existem ou estão muito próximas, o que fará com que as reservas do pré-sal descobertas na Zona Econômica Exclusiva do Brasil não seja ameaçadas militarmente, mas sim por esta nova realidade. Principalmente levando-se em conta que empresas americanas, através de contratos de risco, tem prospectado a existência de petróleo na camada pré-sal nas costas africanas, a profundidades bem menores que a do Brasil.

Bibliografia

* ALVAREZ, Cesar J. and HANSON, Stephanie. (2009). Venezuela’s Oil Based Economy. New York: Council on Foreign Relations. Disponível em: [http://www.cfr.org/publication/12089/]. Acesso em 20/09/09.
* FAHRENTHOLD, David A. & EIPLERIN, Juliet. (2009). White House Is Prepared to Set First National Limits on Greenhouse Gases. Washington, DC: The Washington Post. Disponível em: [http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/09/15/AR2009091503146.html?wpisrc=newsletter&wpisrc=newsletter&wpisrc=newsletter]. Acesso em 16/09/09.
* MUFSON, Steven. (2009). Will Obama’s Revolution Deliver Energy Independence? Washington, DC: The Washington Post, 2009. Disponível em: [http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/04/03/AR2009040302794.html]. Acesso em: 05/04/09.
* RAND, Corporation. (2009). Imported Oil and U.S. National Security. California: Rand Corporation, 2009.
* TEREZA, Irany, PAMPLONA, Nicola e LIMA, Kelly. (2009). Fornecedor dita ritmo de exploração do pré-sal. São Paulo: Agência Estado, Caderno Economia, 09/09/09, p. B 6.
* ASHINGTON POST, The. (2009). Obama Announces Plans to Achieve Energy Independence. Disponível em: http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/01/26/AR2009012601147.html]. Acesso em: 26/09/09.

Gunther Rudzit é Doutor em Ciência Política pela USP. Coordenador do curso de Relações Internacionais da FAAP- SP, Professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco e do MBA do IBMEC-SP (grudzit@yahoo.com).

Otto Nogami é Mestre em Economia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutorando em Engenharia pela Universidade de São Paulo – USP. Professor do IBMEC-SP (OttoN@isp.edu.br).

[2] http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/09/18/lula-defende-que-brasil-aumente-seu-poder-de-defesa-767669637.asp
[3] www.eia.doe.gov
[4] www.eia.doe.gov/oiaf/ieo/pdf/liquid_fuels.pdf
[5] Este processo se dá quando o xisto betuminoso, que é uma rocha sedimentar e tem de 5% a 10% de petróleo na sua composição, é aquecido fazendo com que o óleo se separe e possa ser refinado, fazendo com que seu custo seja muito mais alto do que o petróleo extraído normalmente.
[6]www.eia.doe.gov/pub/oil_gas/petroleum/data_publications/company_level_imports/current/import.html
[7] http://www.southcom.mil/AppsSC/factfiles.php?id=55

from → 1. Boletim Mundorama, Brasil, Política Externa

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