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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

1436) O ministro volatil e a especulacao nacional

O Ministro Mantega e o IOF sobre os capitais especulativos estrangeiros (oh, que horror!)
(eu comento a nota que segue mais abaixo, PRA)

O ministro Mantega me parece alguém bizarro, como uma pessoa que acaba de desembarcar de Vênus, de Marte, ou quem sabe até de Plutão, e ainda não percebeu que vivemos todos num único planeta, com regras que são basicamente globais, ou que pelo menos deveriam ser (salvo decreto divino).
Mas, o Brasil, parece, continua a ser o país da jabuticaba, do peru à brasileira, das coisas, enfim, feitas do nosso jeito (ou do jeito dele), sem que se perceba que as regras devem valer para todos, sem distinção.
O ministro Mantega decretou que quem faz especulação no Brasil é estrangeiro. Pior? capitalistas perversos, desembarcados de alguma nave alienígena, que vêm sugar os nossos recursos, drenar os nossos capitais, fazendo, oh, que horror!, especulações em bolsa das mais desenfreadas, entrando e saindo dos mercados de capitais com a desenvoltura de bailarinas numa peça de Tchaikowski.
Ele quer reservar a capacidade de fazer especulações apenas aos brasileiros, aos bondosos capitalistas brasileiros, que aqui residem, e que podem assim entrar e sair das bolsas, sem precisar desembarcar de naves alienígenas, com toda essa sofreguidão especulativa de que apenas os capitalistas estrangeiros são capazes.
O ministro Mantega ainda não percebeu que quem faz especulação é o próprio governo, ao mudar as regras do dia para a noite, depois voltar atrás, hesitar mais um pouco, mudar de idéia, enfim, especular com a nossa infinita paciência de ficar assistindo ao governo fazer uma bobagem atrás da outra e dizer, oh céus, quanta bondade!, que ele está protegendo o Brasil da sanha especulativa dos capitalistas estrangeiros.
O ministro Mantega ainda não percebeu que quem é volátil é especialmente o governo, e seu bando de tecnocratas amestrados nas artes de um keynesianismo vulgar, que ficam babando de raiva ao ver tanto capital estrangeiro entrar impunemente no nosso augusto país, e que ficam esperando a melhor oportunidade para se vingar desses capitalistas manhosos, de fala estrangeira, e zás, lhes aplicar um bom IOF, para que eles aprendam, de uma vez, que especulação é um jogo reservado unicamente aos brasileiros, de preferência ao próprio governo brasileiro.
O ministro Mantega e seus meninos amestrados ainda não aprenderam que existe um princípio básico nas relações econômicas internacionais que se chama tratamento nacional, que recomenda -- mas isso é apenas para os mais crentes, claro -- que se trate de igual forma os estrangeiros e os nacionais, na suposição de que ambos sabem especular por igual, em todo caso, bem menos e com menor competência do que o próprio governo.
O ministro Mantega e seus meninos amestrados ainda não aprenderam que a especulação e a volatilidade são oferecidas assim, de graça, aos capitalistas estrangeiros e brasileiros pelo próprio governo, asi no más, pelo simples fato de que é o governo quem fixa as taxas de juros, quem determina as demais condições dos mercados de crédito (dominados em mais de 60% por entidades públicas, aliás, usando os nossos recursos, FAT e tudo o mais), que é o governo quem fixa as regras das aplicações financeiras que podem e não podem ser feitas, enfim, o governo pode tudo, inclusive especular com o seu, o meu, o nosso dinheiro (como no pré-sal, como nas "mamonas assassinas" do biodiesel, como na bolha imobiliária que ele está construindo agora mesmo com o seu magnifico programa "Minha Casa Minha Vida", tão eficiente quanto o PAC), o governo é quem faz as melhores e as piores especulações privadas, públicas e outras menos conhecidas (sobretudo no orçamento congressual).
O ministro Mantega, por fim, quer proteger os capitalistas especuladores (não os nacionais, apenas os estrangeiros) de todos os riscos que eles poderiam incorrer, apostando o seu (deles) dinheiro na nossa bolsa. Vejam como ele é magnânimo: ele quer evitar que eles ganhem muito dinheiro às nossas custas, esquecendo que eles também podem perder, especulando na bolsa. Mas isso ele quer evitar, quanta bondade.
Ele quer que apenas brasileiros especulem contra o Brasil, o que, convenhamos, é uma nova espécie de reserva de mercado, digna de alguma teoria da jabuticaba (como estou elaborando uma, vou incorporar essa contribuição genial do ministro Mantega).
Enfim, o ministro Mantega é também previdente: ele quer taxar logo na entrada, e mesmo que o capitalista estrangeiro especule mal, e perca dinheiro, ele ainda assim terá de deixar 2% por cento por aqui, apenas pela permissão magnânima que lhe é dada de especular. Quanta sapiência...

Sim, quase esqueço de dizer. Tudo isso é para evitar que o real se valorize demais e o dólar deprecie. Se posso fazer uma aposta com (ou uma especulação contra) o Ministro Mantega, eu diria que isso não vai acontecer. Posso apostar um dólar furado como o real vai continuar se valorizando, mesmo com 2, 3 ou 5% de taxação.
Enfim, se me permito fazer uma sugestão para contrarrestar essa tendência: que tal se o BC deixasse de acumular absurdas reservas, notoriamente exageradas (a um custo fiscal inaceitavel, posto que se trata de dívida pública e de custo-oportunidade) e que tal se a Fazenda liberalizasse um pouco mais o comércio exterior (especialmente o de importação), para que o mercado enxugasse naturalmente os dólares em excesso?
Trata-se apenas de uma sugestão especulativa, claro...
Paulo Roberto de Almeida
22.10.209


(Ver este editorial do Estado de S. Paulo, de 23.10.2209, neste link)

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Mantega: IOF na entrada barra capital especulativo
Boletim da Liderança do PT na Câmara dos Deputados, 22.10.2009

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou ontem na Câmara que a cobrança de 2% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas aplicações estrangeiras em ações e renda fixa não irá reduzir investimentos para as empresas, mas cumprirá o objetivo de barrar a entrada do capital especulativo no país. Mantega destacou que o governo está disposto a discutir a tributação com os setores interessados e disse acreditar numa repercussão positiva da medida.

“Nós acabamos de lançar a medida e temos de observar sua repercussão. Acredito que será positiva, mas isso não impede que a gente possa pensar em medidas complementares, adicionais. Estamos abertos a todas as propostas. Eu não podia dialogar com os setores porque não podia revelar essa medida com antecedência. Agora irei discutir com todos os setores que quiserem fazer isso”, afirmou.

Mantega disse ainda que não acredita que haja uma diminuição da abertura de capital por conta do novo IOF. “Quando se faz uma subscrição numa ação de uma empresa, a preocupação não é com o ganho financeiro, mas com a rentabilidade da empresa, o dividendo que a ação vai render. Ou seja, está-se apostando na produção e isso não foi afetado pela medida”.

O ministro disse ainda que a taxação de 2% na entrada e não na saída do capital é mais favorável. “É mais fácil tributar na entrada, porque o governo tem esse dado preciso, porque quando entra o capital de fora ele tem de fazer o câmbio, tem de traduzir de dólar ou de euros em reais, e é nesse momento em que se faz a tributação, na saída é mais complicado”, disse.

9 comentários:

Pedro P. Palazzo disse...

A mamona do biodiesel nunca foi especulação.

A cultura da mamona é economicamente ineficiente se comparada a outras formas de obtenção do biodiesel.

Ora, quem especula, só especula por definição em algo que se espera dê resultados econômicos muito positivos. Já a agricultura familiar (como a que está produzindo mamona para o biodiesel) tem como principal qualidade produzir alimento para consumo local, e não lucro.

Logo, investir na mamona não é especular. É jogar dinheiro fora mesmo.

Jacopo Belbo disse...

PRA, subscrevo a tudo, mas infelizmente, da mesma forma que o Mantega, muitos, mas muitos brasileiros pensam.

Se existe uma praga no Brasil, depois da Política e do PT, esta praga se chama Ufanismo. Achamos que o brasil é o melhor país do mundo (e possivelmente o seja) e simplesmente somos incapazes de fazer uma mínima autocrítica que seja.

Eu moro fora do Brasil e frequentemente critico tanto a política como o país e um caminhão de pessoas se sente ofendida pessoalmente, porque o Brasil é perfeito. Um copo pela metade para alguns sempre está meio cheio, e ai daquele que diga que está meio-vazio.

A proposta de liberalizar as importações esbarra no seguinte tabu: No Brasil os importadores são considerados lesa-pátria. Há mais de 10 anos que trabalho com comércio exterior, particularmente importação e confesso que às vezes me farto de ser tratado como delinquente pela Receita Federal e seus prepostos. No Brasil se você é importador, até calado está errado. Gostaria de ver o que seria de nós se os países para onde exportamos tratassem os seus importadores e as nossas exportações como aqui tratamos os nossos importadores e as suas exportações. Seria engraçado se não fosse a ruína do Brasil.

É que os nossos políticos querem a solução perfeita, uma espécie de Máquina de Carnot da Economia. Superavits Comerciais gigantes e moeda depreciada, apesar de que muitos flertam com o Real Moeda Forte (e tome ufanismo!). Infelizmente os objetivos dos Governos (deste e de outros) são fisicamente e economicamente inconciliáveis. Queremos ser líderes regionais, queremos ter assento permanente no CS da ONU, mas nunca queremos o ônus, apenas o Bônus.

O Brasil e os brasileiros, em termos de civilização ainda tem muuiiito que amadurecer e evoluir.

Frederico F. disse...

Essa "teoria da Jabuticaba" sairá logo?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Frederico,
Já escrevi dois textos sobre isso, com a metodologia e os estudos de caso. Procure em meu site, colocando jabuticaba como palavra de busca e os links vao aparecer. Se nao achar, depois escreva para mim (tem formulario para contato no site) que eu mando os textos.
PRA.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Palazzo,
De fato, a mamona do biodiesel não foi especulação: foi burrice, mesmo.
A vontade irracional de misturar matriz energética com problemas sociais redundou nessa estúpida definição de um produto essencialmente nobre -- posto que o óleo de mamona, castor oil, é caro, e utilizado em cosméticos ou para lubrificar foguetes, senso o produto menos adequado para queimar num motor a diesel -- para uma utilização que não lhe convinha.
Eu JAMAIS vi, ao longo de todo o processo decisório que redundou na determinação compulsória de 3% e depois 5% de adição de biodiesel ao diesel de origem fóssil, QUALQUER estudo técnico, que fundamentasse, com base em números claros e valores expressamente quantificados, o custo dessa mamona assassina para alimentar os motores a diesel.
Trata-se da primeira política de governo que se baseia na intuição do presidente, e na vontade inexplicável de fazer camponeses analfabetos produzirem uma matéria nobre para um produto energético.
Só podia dar errado, como deu.
Foi de fato dinheiro jogado fora, como tantas outras coisas de um governo incapaz de fazer uma análise de custo-benefício.
Tudo isso nós estamos pagando...
Paulo Roberto de Almeida

Frederico F. disse...

Paulo Roberto, obrigado, de fato achei em seu blog sua teoria, mas me questiono se a mesma, como foi exposta, somente se apresente no Brasil, como fruto de pensamentos extremamente criativos, para não dizer outra coisa, das nossas raras e bilhantes mentes políticas, creio que se olharmos a fundo acharemos a nivel de mundo medidas tão equivocadas que poderiam se enquadrar muito bem em sua teoria.
Mais uma vez obrigado pela atenção e vamos esperar pois mais ações que se enquadram em sua teoria virão (Obs: isso não é uma premonição é uma certeza!).

Paulo Roberto de Almeida disse...

O Brasil é um pais totalmente preparado para ser uma imensa jabuticaba, mesmo se a fruta nao existisse aqui, alguma forma de espirito e praticas sui generis e exclusivas certamente seriam inventadas aqui.
Especialmente neste governo, e com os personagens que nos governam, nao h[a nenhuma hipotese, eu diria mesmo nao existe nenhum risco de NAO TER mais jabuticabas de todos os tipos "neztepaiz".
Nem precisa apostar: é uma CERTEZA...
Paulo Roberto de Almeida

Rodrigo disse...

Deixemos esta discussão sobre xenofobia de lado e anlisemos friamente a questão.

A medida foi correta e ao meu ver demorou um pouco a ser tomada. É consenso entre os economistas (me refiro aos acadêmicos, pois os "financeiristas" certamente ficaram tristes com esta atitude do governo)que esta medida será benéfica pra economia brasileira. A especulação tem que ser evitada, mas não que seja fruto exclusivo dos investidores estrangeiros mas estes são os únicos capitais desse tipo possiveis de serem evitados. Neste caso podemos minar a formação de uma nova bolha no mercado de ações brasileiro (que ja alcança quase os 70 mil pontos, patamar anterior ao da crise). Mas enfim, esta é a minha opinião

Paulo Roberto de Almeida disse...

De fato, Rodrigo, a medida foi tecnicamente correta e foi o que era preciso ser feito. Mas não existe nenhuma novidade nisso, do ponto de vista da esterilizaçnao de um afluxo muito grande de divisas.
Quando o Brasil crescia mais de 10pc no inicio dos anos 70, o ministro da Fazenda da epoca, Delfim Neto, impos uma quarentena de 25pc aos capitais entrantes puramente financeiros. Ou seja, parado, sem rendimento, nos cofres do BC. Muito mais radical do que os 2pc atuais, que nao vao servir para grande coisa.
Todos os bancos centrais precisam ter politicas para esterilizar um rapido influxo de divisas, sob risco de provocar inflacao interna: ou imposto, ou quarentena, ou qualquer outra medida para compensar os prejuizos do sucesso.
Não se pode, no entanto, ter a ilusão de que isso vai impedir a valorização do Real.
Que tal o governo liberalizar mais o comércio e, sobretudo, parar de comprar dólares para reservas?
O ministro Mantega se encantou com Fundos Soberanos e agora acha que as reservas devem subir a mais de 300 bilhões. Você já pensou no custo fiscal disso e no custo-oportunidade?
Já pensou que tudo isso é uma bobagem e que o que deve crescer mesmo são os fluxos de comércio, nos dois sentidos?
Até quanto vamos tolerar tanta incompetência com o nosso dinheiro?