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domingo, 20 de dezembro de 2009

1579) Caio Prado Junior, revisto e rejeitado...


Latifúndio
Um engenho de cana, retratado pelo pintor alemão Rugendas: nem toda a economia era voltada para a exportação

Livros
O elo perdido
Jorge Caldeira:
História do Brasil com Empreendedores
(SP: Mameluco, 2009, 336 p.)

Para Jorge Caldeira, a história brasileira do período colonial precisa ser recontada, para dar conta da existência de um mercado interno pujante e dominado por um personagem até hoje negligenciado: o empreendedor

Opostos que se tocam
O conservador Oliveira Vianna e o comunista Caio Prado Jr.: nos livros do primeiro, e não em Marx, o autor de Evolução Política do Brasil teria encontrado ideias fundamentais de sua obra

O novo livro do historiador Jorge Caldeira, História do Brasil com Empreendedores (Mameluco; 336 páginas; 49 reais), tem vocação para pôr em rebuliço, como fazia tempo não se via, os intelectuais nativos. Ele assesta os seus canhões contra um dos monstros sagrados de nossas ciências sociais, Caio Prado Jr. (1907-1990), celebrado como pioneiro do uso do marxismo na interpretação do país. Não há motivação ideológica nessa crítica. Não se trata de lançar ao chão, pelo gosto de fazê-lo, um ícone da intelligentsia de esquerda. O que irrita Caldeira é a percepção de que a avassaladora influência de Caio Prado tornou impossível enxergar a importância que os empreendedores tiveram, desde a colônia, na formação da economia e da sociedade brasileiras (a palavra empreendedor, aqui, não aponta apenas para os casos de sucesso, mas, como diz o autor, para "todos aqueles que tentaram"). Se fizesse apenas isso – demonstrar, com firmeza, como um conjunto de textos clássicos impede a adequada interpretação do passado –, o livro já seria de valor. Mas a releitura que Caldeira faz desses textos produz uma surpresa. Ele mostra que a armação teórica de Caio Prado deve muito menos ao marxismo que à obra de Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951). Caio Prado ocupa um lugar diametralmente oposto ao do conservador Oliveira Vianna no espectro político. A ideia de que existe uma ligação umbilical entre esses dois nomes é verdadeiramente iconoclasta.

Caio Prado Jr. é um personagem intrigante: um militante do Partido Comunista Brasileiro que nasceu no seio de uma das mais ricas e poderosas famílias brasileiras do começo do século XX. Sua conversão ao comunismo se deu em algum momento nos primeiros anos da década de 30. Em 1933, ele publicou Evolução Política do Brasil, considerado o marco zero da abordagem marxista da história brasileira. Mostrar mais precisamente como o método marxista é empregado nessa obra, no entanto, sempre levou os especialistas a contorcionismos. Na verdade, diz Caldeira, qualquer tentativa nesse sentido só pode dar com os burros n’água. À época em que escreveu Evolução Política do Brasil, Caio Prado ainda tinha um conhecimento rudimentar do marxismo. Caldeira documenta isso consultando, inclusive, os arquivos pessoais de Caio Prado, hoje depositados na Universidade de São Paulo. A tese de que Oliveira Vianna serviu de inspiração ao jovem historiador, por outro lado, não se ampara somente no fato de que ambos circulavam na mesma roda nessa época. Ela ganha incrível consistência quando o livro de Caio Prado é lido em paralelo com Evolução do Povo Brasileiro, de Oliveira Vianna. Caldeira contrapõe dez trechos dos dois livros. Não apenas as semelhanças de raciocínio são espantosas, como também aparece ali, em toda a sua glória, o conceito de latifúndio, fundamental para a argumentação de Caio Prado.

O marxismo prega que as relações sociais devem ser explicadas a partir de suas bases materiais. Foi para cumprir essa tarefa que Caio Prado lançou mão do conceito de latifúndio agroexportador. Em torno dele se organizariam a economia e a sociedade brasileiras. A lógica de funcionamento do latifúndio, durante o período colonial, seria tão somente transferir riqueza para a metrópole. Por causa dessa orientação para fora, o latifúndio teria abortado o desenvolvimento de um mercado interno pujante no Brasil. Quanto aos homens que não desempenhavam um papel crucial em seu ciclo de vida – ou seja, todos aqueles que não eram nem senhores nem escravos –, eles não constituiriam mais que uma massa amorfa e desorientada.

Caldeira afirma que esses dois corolários da teoria de Caio Prado simplesmente não condizem com a realidade. Para isso, aponta os resultados de uma série de estudos recentes que provam que o mercado interno brasileiro não era apenas pujante: ele era maior e mais dinâmico do que o setor voltado para a exportação; por volta de 1800, representava algo em torno de 84% do total da economia. Mas, para que se possa começar a entender a existência e o funcionamento desse mercado, é preciso aceitar a existência de um novo personagem na história – o empreendedor, disposto a buscar a fortuna nas trocas com outros homens. A segunda parte do livro de Caldeira é toda dedicada a explorar a miríade de relações contratuais em que os homens livres do Brasil colônia se engajavam cotidianamente, e eram capazes de produzir meios não apenas de subsistência, mas também de acumulação de riqueza. É assim que se fecha o raciocínio deste livro vigoroso e desassombrado – que terá, para muitos, um sabor de heresia.

Um comentário:

Vinícius Portella disse...

Paulo,
Muito grato pela sugestão de leitura. Estou ávido por comprá-lo tão logo me seja possível. Fico me perguntando como o autor sustenta suas asserções, como sustenta a existência de um mercado interno vigoroso, quando sabemos que o transporte terrestre anterior à ferrovia era muito mais lento e caro, o mesmo ocorrendo com a navegação anterior ao vapor, demasiado sujeita ao regime de ventos e de correntezas marítimas. Ou seja, havia consideráveis obstáculos ao comércio face ao nível técnico encontrado na colônia. É claro que não me presto a refutá-lo a priori, todavia, quero muito saber como contorna tais obstáculos.

P.S: Além de tudo, já é um grande feito atentar contra uma vaca sagrada!


Abraços!