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sexta-feira, 12 de março de 2010

1879) Cotas racistas (eu disse bem, racistas) e espaço a um injustiçado - Senador Demostenes Torres

Creio que nem preciso comentar...

Escolha de Sofia
Demóstenes Torres (senador DEM-GO)
O Globo, 12.03.2010

Durante a audiência pública realizada no STF para discutir as cotas raciais tive a oportunidade de expor durante 40 minutos o meu entendimento sobre um assunto ao qual me dedico a estudar mais profundamente há três anos. Quem assistiu viu que defendi especialmente a adoção do tempo integral em todas as escolas públicas que ministrem ensino fundamental, para mim verdadeiro marco da transformação social no país. Mostrei que se tratava de uma escolha difícil entre propor uma ação afirmativa que socorreria todos os brasileiros em posição de inferioridade, independentemente da cor da pele, ou atender parcela minoritária, igualmente sofrida, classificada como afrodescendente. Verdadeira escolha de Sofia.

Muitos dos debatedores, inclusive do Movimento Negro, entenderam minhas ponderações sobre as cotas sociais como lógicas e acertadas. Logo depois se valeram da maledicência preparada para desfazer reputações, promover a fraude estatística, deturpar números e principalmente se utilizar de espertalhões, que recheiam os bolsos a serviço de ONGs ambientalistas e racialistas, para caluniar em nome de duvidosa historiografia.

Os jornalistas Elio Gaspari e Miriam Leitão, contaminados pelo narcótico da ira, decidiram por pincelar trechos do meu depoimento para me classificar de forma leviana como negacionista da escravidão. Não sou eu quem está na posição de julgar a história como se ela fosse objeto de especulação ideológica em favor das cotas raciais. Apenas utilizei argumentos de um dos maiores pesquisadores da escravidão africana, Paul. E. Lovejoy, para rebater o comentário de um estudante secundarista, numa audiência no Senado, para quem os brasileiros haviam praticamente sequestrado os negros na África. Afirmação que mereceu repulsa do historiador José Roberto Pinto de Goés, que entendeu o dito como retrato profundamente desregrado da qualidade educacional brasileira, o que estamparia o nível da história que se ensina nas nossas escolas públicas. Lovejoy mostra em números detalhados que a ignominiosa prática estava institucionalizada naquele continente pelo menos 850 anos antes de Vasco da Gama atravessar o Cabo da Boa Esperança.

Demonstra, ainda, que a escravidão ocorreu na região Transaariana entre os anos 650 e 1600, prosperou, paralelamente, em direção do Mar Vermelho por outros 800 anos, ganhou vigor a partir de meados de 1400 com o tráfico pelo Atlântico e se manteve fundamental para a economia do continente até o século passado. Seria consolo moral aceitar a tese de que foram africanos os escravizados, quando na verdade os africanos escravizavam os seus iguais por razões econômicas, de beligerância e de manipulação religiosa. Devemos condenar o Brasil escravagista, mas não temos direito de culpar as atuais gerações.

O propósito foi de retrucar a falácia do sequestro e de sustentar que a escravidão não foi inventada no Brasil, e que as cotas raciais, além de não resolverem ou minimizarem o problema, não podem ser consideradas uma ordem de pagamento para quitação de uma suposta dívida que os brasileiros de hoje teriam de honrar com 87% de descendentes que têm acima de 10% da ancestralidade africana no seu DNA. O grande problema dos racialistas é o de abastardar a miscigenação, pois temos também mais de 90% de brasileiros com ancestralidade europeia e mais de 60% com ancestralidade indígena. Ao negar a mistura de raças e manter a ideia do estupro ancestral, criam a figura de um africano puro, sem o qual não podem sustentar o libelo dantesco. Como é que uma ancestralidade tão misturada pode ter se originado unicamente ou majoritariamente a partir da violência sexual? Por que não contestaram Ali Kamel, quando ele aqui (19/9/ 2006), fez a mesma afirmação?

Neste ponto vale o entendimento de Gilberto Freyre para quem somos uma “sociedade que se desenvolveria menos pela consciência de raça, quase nenhuma no português cosmopolita e plástico, do que pelo exclusivismo religioso desdobrado em sistema de profilaxia social e política”. Ou a opinião de Sérgio Buarque de Holanda, que ao tratar do negro na sociedade colonial escreveu que “sua influência penetrava sinuosamente o recesso doméstico, agindo como dissolvente de qualquer ideia de separação de castas ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal separação”. Feliz do Brasil que tem um Joaquim Nabuco. Ele fez da sua vida e obra meios para desmontar a escravidão justamente por entender que a prática estava aberta a todos. E é isso o que defendo: cota temporária nas universidades públicas para negros, brancos, índios, pardos, cafuzos, caboclos ou quaisquer outras denominações que venham a ter os descendentes do que Kamel chama de beleza da miscigenação brasileira, desde que sejam pobres, estes sim os verdadeiros espoliados do Brasil.

3 comentários:

Gabriela disse...

Olá, me desculpe por esse comentário não ser precisamente sobre este post, mas sim sobre um bem antigo que eu encontrei nesse blog especificamente sobre o curso de Relações Internacionais. Logo, eu terei que escolher um curso para vestibular, e o trabalho de um internacionalista me atrai muito, mas sei que o currículo do curso tem muita história e política, que não são minhas matérias favoritas. Você acha que isso é extremamente relevante na minha decisão? Também gostaria de saber se você poderia me dar uma ideia do salário de um recém formado. Desde já, obrigada
e-mail: gabrielacruzsusin@hotmail.com

Renata Prado disse...

Concordo totalmente com o Senador. E tenho ascendência negra pelo lado de meu pai. Essas cotas são humilhantes e injustas, pois não são apenas os negros os excluídos na sociedade brasileira. Agora, reformar o ensino de base não é assunto considerado com seriedade. Querem o caminho mais "fácil", que é enfiar gente despreparada nas universidades.

Tatiana François Motta disse...

Caro Professor,
Obrigada por publicar este excelente texto em seu blog.
Na minha opinião está claro que a questão de cotas, e de outras medidas "afirmativas", está voltada para a obtenção de vantagens eleitorais, angariando votos de toda uma suposta "comunidade negra" no país. E é difícil colocar-se "contra" estas propostas sem ser taxado de rascista, etc. Infelizmente deixamos de nos ocupar dos verdadeiros excluídos, os milhares de estudantes que frequentam más escolas públicas e não têm recursos para complementar sua educação. Este sim é um problema grave, que mantém uma massa de brasileiros à margem da sociedade, por deficiência na sua formação, independentemente da cor da pele.