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sexta-feira, 14 de maio de 2010

Agora, espaço para a mão invisível lusitana...

Agora, espaço para a mão invisível lusitana...
(um pouco chinesa, também, que os chineses também são capitalistas escoceses)
Paulo Roberto de Almeida

Hoje testei a mão invisível do lado em que ela não deveria funcionar, ou seja, nos famosos domínios ibéricos, tão refratários à liberdade econômica e tão adeptos do dirigismo econômico. Estivemos, Carmen Licia e eu, em Macau, para uma visita de um dia inteiro, a partir de Hong Kong, para onde viajamos, para uma curta estada de quatro dias.
Depois de ter-me informado pela internet de todas as ligações entre os dois lados da baia do rio das Pérolas, peguei um ferry, melhor dito um Jetfoil, primeira classe, para escapar um pouco da horda – sem nenhuma intenção de ofender – de chineses e turistas de havaianas que pululam entre os dois lados da baia num volume inacreditável para um dia normal: sexta-feira. Não me pareceu que o pessoal embarcando na classe econômica do jetfoil estivesse indo jogar nos famosos cassinos de Macau, pois vários carregavam pacotes, alguns malas ou mochilas, ou seja, eram pessoas a trabalho ou em turismo econômico. Os ricos, ou os jogadores, chegam de helicóptero, de avião, ou também de turbojets de primeira classe a partir da noite de sexta-feira quando lotam os cassinos estilo Las Vegas para jogar até o domingo. Tem até um cassino facsimilar (se me permitem a expressão) de um famoso em Las Vegas: The Venitian, com direito a ponte do Rialto, canais e gôndolas e tudo o que você quiser para não se sentir dépaysé em Macau...
Passei ao largo disso tudo, como devem ter passado ao largo vários dos que embarcaram comigo e Carmen Lícia no deck superior do Jetfoil: chineses de Hong Kong, de terno e gravata, mulheres com ar de executivas, turistas bem vestidos, enfim, gente mais bem situada na vida do que a massa de viajantes, todos bem vestidos, aliás, que lotavam a classe econômica, muitas famílias chinesas com crianças, e vários turistas de mochila.
A mão invisível também funciona direitinho na travessia: impossível fazer qualquer previsão de viagem, pois quando você chega para comprar um bilhete para certa hora, descobre que tem um barco outro saindo dali a dez minutos, prontinho para embarcar, não dá nem tempo de aproveitar o lounge de primeira classe, pois já estamos sendo chamados para o turbojet. De fato, Adam Smith ficaria novamente orgulhoso, talvez ainda não com os macauenses, mas com os hong-konguianos, pois existe praticamente um barco por minuto saindo de uma ponta a outra do cais. Na travessia, isso se confirma: passamos por alguns ferries mais lentos e somos ultrapassados por outros ainda mais velozes, e do outro lado há a sucessão de barcos rápidos e alguns saipans pelo meio do caminho, chineses fazendo o seu trabalho de alimentar dezenas de ilhas e todo um continente com todos os tipos de frutos do mar.
Poltronas confortáveis, lanche estilo avião, e leitura para todos os gostos. Leio dois jornais macauenses, no percurso de uma hora: O Clarim, jornal católico, me informa sobre a visita do papa em Fátima, no dia 13 de maio, dia da própria, mas também diz que o papa quer padres no ciberespaço. Outras matérias mais “sérias”, no interior do jornal não deixam de veicular críticas às autoridades chinesas de Macau e relatam que os portugueses – sim, os lusitanos que ainda tem algo a dizer – planejam mandar mais juízes a Macau, talvez por desconfiar da justiça a cargo de juízes chineses. Também fiquei sabendo que a Air Macau nunca deu lucro, provavelmente porque nunca funcionou segundo Adam Smith preconizaria. Aposto que nenhum dos ferries (e helicópteros) que fazem a travessia entre as duas ex-colônias (agora “colônias” chinesas) sabem o que significa déficits, perdas, resultados negativos, e a concorrência é brutal, posso assegurar...
Mas Adam Smith também ficaria orgulhoso dos macauenses: a despeito de terem sido colônia portuguesa (um pouco de araque) por quinhentos anos, eles se renderam à evidência: adotaram métodos e procedimentos britânicos, para atender sua maior clientela: trânsito na “contra-mão” (todos os carros e ônibus com direção “inglesa”) e tudo escrito em chinês, português e inglês, nessa ordem ou em outra ordem, segundo as conveniências. Eles também transacionam sem problemas com o dólar de HK, a despeito de terem sua própria moeda, a pataca, que tem um inevitável sabor colonial, pois era uma moeda que circulou no Brasil três séculos atrás.
Assim é que, recém desembarcados (de volta a China, de alguma forma, ainda que também seja, como HK, uma região administrativa especial, mas com controle sino-macauense de passaportes), somos bombardeados com milhares de ofertas de tours, visitas guiadas, trajetos especiais, recomendações de hotéis, restaurantes, cassinos, alfaiantes, wathever... Adam Smith ficaria, de fato, contente, ao ver o funcionamento de sua mão invisível: milhares de ofertantes disputando as escolhas dos turistas. Dispensamos tudo isso e pegamos um taxi para ir direto onde pretendíamos visitar em primeiro lugar: a Fortaleza do Monte, e o Museu de Macau. O taxista não fala português, obviamente, sequer o patuá local (que só os mais velhos, atualmente, devem conhecer), e mal se expressa em inglês: deve ser, como milhares de seus colegas, um chinês emigrado do continente, que só fala cantonês ou algum outro dialeto chinês. Não importa: com o mapa e a sinalização verbal convincente, ele sabe onde queremos ir, e nos leva rapidamente por vielas que parecem com o Chiado lisboeta. Pagamos em dólares HK e desembarcamos exatamente ao lado das ruínas da Igreja de S.Paulo e ao lado da Fortaleza do Monte, onde está o Museu de Macau.
As ruínas, na verdade não exatamente ruínas, mas apenas a fachada, bem preservada, à falta de todo o resto. A Fortaleza, de gloriosa memória, pois vem do tempo em que os holandeses também tentaram tomar Macau aos portugueses (em 1622), está muito bem preservada, mas apenas sua parte murada, pois o interior foi totalmente reformado para abrigar um moderníssimo museu, com as modernas técnicas da museologia e da história. Passamos quase duas horas aprendendo sobre a gloriosa história de Macau, uma verdadeira aula de “imperialismo português”, que na verdade não aparece como tal, e sim como um encontro de culturas muitas vezes benéfico a todos os povos que aqui se encontraram, não apenas chineses e portugueses. Recomendo a visita, a quem quer que seja, pois faz parte de nossa história, também, essa projeção colonial de Portugal, com alguns personagens que também ficaram em nossa história, como é obviamente o caso.
Vamos andando até o Largo do Senado, parte pedestre de Macau, sempre assaltados pelos vendedores de qualquer coisa, comida em profusão, Rolex verdadeiros e falsos, enfim todo tipo de bugiganga e de mercadorias de luxo, numa profusão que certamente encantaria Adam Smith, pois é a própria mão invisível em ação. De fato, Macau é uma HK multicolorida e ainda mais diversificada, sem aquela ordem inglesa, quase asséptica, com certa bagunça mais ao gosto brasileiro (talvez baiano, para ser mais exato, sem qualquer intenção de ofender os baianos, mas eles sabem o que eu quero dizer). Depois de percorrer a cidade, vamos ao que interessa: comida portuguesa, que é para isso que viemos aqui.
Escolhemos o Vela Latina, perto do Largo do Senado, na verdade, um restaurante chinês que serve comida portuguesa e tailandesa. Nosso menu começa com sardinhas assadas de aperitivo, já regadas a um Casal Garcia verde, bem gelado, e depois Bacalhau com alho (que eu escolhi, para minha completa satisfação) e um Bacalhau à Braz, escolhido pela Carmen Licia, que do Braz só tinha o nome. Talvez perdido em quatro séculos, ou nos últimos anos de administração chinesa (não adianta, os chineses tomaram quase tudo), veio um bacalhau em tiras, com ovos mexidos (sic) e batatas fritas misturadas (resic). Estava gostoso, mas nunca vi um Braz desse jeito... Em todo caso, liquidamos quase tudo, inclusive sobremesa de frutas e um expresso para terminar...
Depois fomos à Fundação Oriente, supostamente para comprar livros, e para nossa decepção nenhum havia para vender: só uma exposição com cartazes políticos da revolução dos cravos em Portugal, com coisas do arco da velha, se me permitem a expressão (quanto o Partido Socialista Português ainda era anti-capitalista, se é que me compreendem...). Cumprido o ritual, fomos direto à Livraria Portuguesa, perto do Largo do Senado. Compramos dez quilos de livros (bem uma maneira de dizer), mas para meu desgosto, descobri, já no jetfoil de volta a HK, que esqueci meu Moleskine de notas na Livraria, depois de ter anotado dois volumes das obras completas de Charles Boxer, o grande historiador do império marítimo português dos séculos 15 a 19. Uma pena: espero que o dono da livraria, condoído com a minha perda, me mande um e-mail para tentar devolver meu caderninho de notas, onde estavam várias anotações de viagem, gastronômicas, resumos de livros, artigos e ensaios começados em viagem, enfim, todo tipo de coisa que eu vou rabiscando nos meus vários Moleskines. Tenho sempre dois comigo, em qualquer circunstância, mas esse de bolso de camisa é sempre o preferido para anotações rápidas. Para escritos mais consistentes, escolho o de tamanho médio, mais reflexivo. Nada que a mão invisível não resolva, pois em qualquer livraria do mundo (OK, nas de boa qualidade) se podem achar Moleskines de todos os tipos, tamanhos e cores...
Na volta, novamente a mão invisível: estávamos chegando para o ferry de 18h15, como anunciado no folheto da companhia, e descobrimos que podíamos embarcar rapidamente no das 17h15, que estava ali mesmo, nos esperando, como guiado pela terrena providência smithniana... Serviço impecável, rapidez garantida: tendo lido os jornais de Macau na ida, fiquei ouvindo Diana Krall no meu iPhone que havia comprado um dia antes em HK: Live in Paris, que já ouvi dezenas de vezes, e me parece o melhor CD da pianista-cantora-jazzista. Metro em duas linhas, chegamos cansados, mas satisfeitos com a jornada altamente enriquecedora. Melhor solução é banho restaurador no hotel, abandonamos planos de jantar fora e ficamos sem sair, mas plenamente abastecidos: queijos franceses, pão sueco, uvas e vinho chilenos no próprio quarto, comprados no supermercado, no shopping ao lado do Hotel.
Novamente, thanks Mr. Adam Smith, tudo funcionou perfeitamente nesse mundo em que ninguém, de fato, controla a oferta de bens: produtos do mundo inteiro, em qualquer quantidade e da melhor qualidade, por preços absolutamente razoáveis. Camembert, queijo de cabra, Caprice de Dieux, pão com alho, que delícia. Eu me pergunto como é que as pessoas não se dão conta que esse é o sistema que funciona, sem que uma autoridade governamental venha dizer como os mercados devem ser controlados para impedir crises e desigualdades.
Por acaso, no mesmo dia, leio esta notícia na internet (rapidíssima) no hotel: “Chávez ameaça fechar as bolsas da Venezuela” (está em meu blog, podem ler: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/05/una-aulita-mas-de-deseconomia-gracias.html). Eu me pergunto como é que as pessoas podem ser além de autoritárias, estúpidas. Não precisaria ser assim, talvez só uma das coisas por vez...

Paulo Roberto de Almeida
Hong Kong, 14-15 de maio de 2010

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