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domingo, 30 de maio de 2010

Banco Central e inflacao: esquentando os tambores do debate eleitoral

Curiosa situação esta em que nos encontramos. A candidata oficial do governo à sua própria sucessão tornou-se uma acérrima defensora do Banco Central e de sua política de defesa do real e de combate à inflação. Parece que ela é uma economista ortodoxa desde criancinha, não fazendo outra coisa senão repetir o mantra dos mercados financeiros: o Banco Central deve ser operacionalmente independente e ele sabe o que faz...
Já o candidato da oposição ataca o BC e diz que ele não é a Santa Sé.
Bem, isso já alimenta um belo debate.
Permito-me postar aqui dois artigos ligeiramente diferentes quanto à ênfase no combate à inflação...
Paulo Roberto de Almeida

A Santa Sé também erra
José Márcio Camargo
O ESTADO DE S. PAULO, Sábado, Maio 29, 2010

A discussão em torno da autonomia operacional do Banco Central (BC) ganhou as manchetes dos jornais nas últimas semanas. Essa é uma questão importante para a estabilidade da economia e é muito positivo que, apesar de técnico e árido, o tema esteja no centro do debate neste início da campanha eleitoral.

Desde o início do governo Fernando Henrique o BC tem autonomia de fato. Suas decisões são tomadas por seus diretores, supostamente com base em análises técnicas sobre a trajetória da inflação, sem interferência direta do presidente da República. Nos primeiros anos após a estabilização em 1994, que tinha como principal suporte a âncora cambial, as discussões se concentravam na manutenção de uma taxa de câmbio constante. Após a flexibilização da taxa de câmbio e a adoção do regime de metas para inflação em 1999, o debate se deslocou para o valor da taxa de juros real. Apenas uma vez, nessa transição da âncora cambial para o regime de câmbio flutuante, o presidente da República interferiu diretamente na atuação do BC.

A ideia de que os bancos centrais devem tomar suas decisões de política monetária de forma autônoma, sem interferências, não se baseia em uma suposta infalibilidade de seus diretores. Afinal, os bancos centrais erram e seus erros podem ser bastante custosos para a sociedade. A origem da atual crise, por exemplo, foi a decisão do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), de manter taxas de juros reais negativas, por um longo período de tempo, no início dos anos 2000. Como resultado, os bancos passaram a tomar risco excessivo para manter seus lucros, os consumidores se endividaram além do que podiam suportar e se desenvolveu uma bolha no mercado imobiliário americano que, quando furou, levou ao aumento da inadimplência, falências bancárias e ao colapso do mercado de crédito, que gerou a recessão do final de 2008 e início de 2009.

Apesar da falibilidade dos BCs, existe alguma evidência empírica mostrando que países que têm bancos centrais realmente autônomos (que tomam suas decisões de política monetária com base em análises técnicas, sem interferência política) tendem a ter taxas de inflação menores do que os que não os têm. Isso porque a autonomia do banco central gera uma estrutura de incentivos mais propícia à estabilidade monetária do que uma situação na qual as decisões do BC são dependentes de aprovação do presidente da República.

A razão é simples. O Poder Executivo, com aprovação do Congresso, define o Orçamento da União, ou seja, a carga tributária e o total dos gastos do governo. Como consequência, o presidente da República tem uma enorme influência sobre a decisão de o governo adotar ou não uma política fiscal que mantenha os gastos em níveis compatíveis com as receitas governamentais. Se os gastos forem maiores que as receitas, o governo terá déficit fiscal, e vice-versa. Déficits fiscais podem ser financiados de duas formas: pela emissão de moeda, que somente o BC pode fazer, ou pela venda de títulos públicos.

O custo de financiar os déficits fiscais com a venda de títulos da dívida é a taxa de juros que o governo paga para vender esses títulos aos poupadores. E, em linhas gerais, a taxa de juros aumenta com o tamanho da dívida pública e, portanto, com o déficit fiscal, o que reduz o crescimento. Por outro lado, o custo de financiar os déficits públicos via emissão de moeda é um aumento da inflação no futuro. Nesse caso, o aumento do gasto público tende a gerar mais crescimento no presente ao custo de maior inflação no futuro.

Um presidente que consiga controlar a política fiscal e a política monetária terá todo o incentivo para financiar os aumentos de gastos via emissão de moeda, principalmente nos períodos imediatamente anteriores às eleições. Por outro lado, no caso em que o banco central toma suas decisões de forma autônoma, pelo menos teoricamente, seus diretores terão o incentivo a fazê-lo levando em consideração suas análises das condições dos mercados de bens e serviços e das expectativas para a inflação.

Incentivos corretos não garantem decisões corretas, mas aumentam a probabilidade de que isso aconteça. Se o presidente do BC é hierarquicamente dependente do presidente da República e suas decisões têm que ser submetidas e aprovadas por ele, a probabilidade de que os interesses políticos se sobreponham às necessidades técnicas de manter a inflação baixa se torna muito elevada. O resultado é mais inflação. Afinal, ninguém é infalível, nem mesmo o presidente da República, apesar de alguns acreditarem no contrário. Aliás, até mesmo a Santa Sé erra, como poderiam testemunhar as vítimas da inquisição.

É professor do Departamento de Economia da PUC/RIO e economista da OPUS gestão de recursos

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O Banco Central erra, mas...
Maílson da Nóbrega
Revista Veja, edição 2167 / 2 de junho de 2010

"É assim que funciona. O BC mira o ‘balanço de riscos’. Quando o risco é de inflação, aumenta a taxa de juros; se é de crescimento, diminui"

Compostos de seres humanos, os bancos centrais erram. O americano Federal Reserve cometeu equívocos famosos. Errou após o colapso da bolsa em 1929, contribuindo para a Grande Depressão. Errou durante a Guerra do Vietnã, provocando forte inflação. Diz-se que causou a crise de 2007-2008 ao manter a taxa de juros baixa por muito tempo.

É difícil antecipar com segurança esse tipo de erro, mesmo porque os acertos dos bancos centrais são muito maiores. Por exemplo, antes da crise muitos apontavam o suposto erro do Fed, mas isso nunca foi pacífico. Economistas de renome sustentam que outras causas seriam as responsáveis maiores pelo desastre.

Recentemente, o ex-governador José Serra fez duras críticas ao Banco Central. "Não baixar os juros num contexto em que não tinha inflação simplesmente foi um erro." Assim, o presidente da República "tem de fazer sentir sua posição" se houver "erros calamitosos". A autonomia do BC deveria ser exercida "dentro de certos parâmetros".

Ora, é assim que funciona. O BC mira o "balanço de riscos". Quando o risco é de inflação, aumenta a taxa de juros; se é de crescimento, diminui. O Fed deve, por lei, promover a estabilidade de preços e o crescimento, mas não busca um objetivo em detrimento do outro. Também adota o princípio do "balanço de riscos".

A autonomia operacional de um banco central se funda na ideia de que a estabilidade dos preços é um bem público essencial para o crescimento, para os avanços sociais e para a estabilidade política. Isso implica recrutar gente altamente qualificada, capaz de acertar ao máximo a identificação daqueles riscos.

A autonomia do BC ainda é uma criança se comparada à do Fed (1913). Esse status começou a ser construído nos anos 1980, com medidas que incluíram o fim de suas funções de desenvolvimento, incompatíveis com as de autoridade monetária. A autonomia se firmou com a criação do Comitê de Política Monetária, o Copom (1996).

O BC dispõe de amplas informações e experiência para evitar erros. O acervo de boas decisões já é vasto. Técnicos bem treinados se dedicam à tarefa de assessorar os membros do Copom. O bom nível de transparência e previsibilidade é reconhecido aqui e no exterior. Claro, o BC não é uma unanimidade, nem isso é desejável.

O controle político do BC, sugerido por Serra, não existe em outros países. Nas democracias, o chefe do governo está limitado por normas e práticas – as instituições – que inibem a ação voluntarista. O êxito da democracia e da economia de mercado deriva da criação de inibidores institucionais à ação discricionária e imprevisível dos governantes.

Se o presidente pode "fazer sentir sua posição", a autonomia do BC inexiste. E se for ele o equivocado? O potencial de erros diminui com o nível de qualificação profissional da diretoria. Se o BC puder receber ordens, somente os pouco qualificados aceitarão o convite. Os agentes de mercado se sentirão inseguros. O BC perderá a capacidade de coordenar expectativas. O custo de combater a inflação será mais alto.

Serra disse que os diretores do BC não são eleitos. Esse é um velho ponto. Quem não foi escolhido pelo povo tem legitimidade para decidir sobre a taxa de juros? Onde a autonomia do banco central é legal, a legitimidade deriva da delegação de autoridade, concedida pelos que foram eleitos. O objetivo é manter o banco à margem de interesses políticos imediatos, preservando um bem valorizado pela sociedade.

Em geral, a contrapartida da delegação de poder é a prestação de contas ao Parlamento. No Brasil, a autonomia do BC costuma ser questionada, mas a instituição não tem obrigação de prestar contas ao Legislativo. Melhor seria colocar em lei a autonomia e o comparecimento regular ao Congresso. De quebra, isso lembraria aos nossos políticos o papel que lhes cabe na manutenção da estabilidade. Em vez de críticos, partícipes.

Serra é um grande líder político, culto e experiente. Parece imaginar que, na Presidência, consertaria um "erro calamitoso" do BC sem que isso significasse "virar a mesa". Creio que não cometeria a temeridade. Falariam mais alto o bom senso e o peso do cargo. Ele não confundiria ousadia com irresponsabilidade.

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