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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Politica Nuclear do Iran - o compromisso com Turquia e Brasil

Apenas para registrar o que tinha ficado acertado entre os três países. Esta é apenas uma etapa num processo longo, que vem se arrastando pelos últimos cinco anos, pelo menos, e que deve se estender, talvez de modo dramático, pelas próximas semanas ou meses.
Difícil prever o desenlace, mas ele não será feliz, é a única coisa que posso antecipar...
PRA (19.05.2010)

Declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil
17 de maio de 2010

Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração:

1. Reafirmamos nosso compromisso com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e, de acordo com os artigos relevantes do TNP, recordamos o direito de todos os Estados-Parte, inclusive a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear (assim como o ciclo do combustível nuclear, inclusive atividades de enriquecimento) para fins pacíficos, sem discriminação.

2. Expressamos nossa forte convicção de que temos agora a oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação.

3. Acreditamos que a troca de combustível nuclear é instrumental para iniciar a cooperação em diferentes áreas, especialmente no que diz respeito à cooperação nuclear pacífica, incluindo construção de usinas nucleares e de reatores de pesquisa.

4. Com base nesse ponto, a troca de combustível nuclear é um ponto de partida para o começo da cooperação e um passo positivo e construtivo entre as nações. Tal passo deve levar a uma interação positiva e cooperação no campo das atividades nucleares pacíficas, substituindo e evitando todo tipo de confrontação, abstendo-se de medidas, ações e declarações retóricas que possam prejudicar os direitos e obrigações do Irã sob o TNP.

5. Baseado no que precede, de forma a facilitar a cooperação nuclear mencionada acima, a República Islâmica do Irã concorda em depositar 1200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) na Turquia. Enquanto estiver na Turquia, esse urânio continuará a ser propriedade do Irã. O Irã e a AIEA poderão estacionar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia.

6. O Irã notificará a AIEA por escrito, por meio dos canais oficiais, a sua concordância com o exposto acima em até sete dias após a data desta Declaração. Quando da resposta positiva do Grupo de Viena (EUA, Rússia, França e AIEA), outros detalhes da troca serão elaborados por meio de um acordo escrito e dos arranjos apropriados entre o Irã e o Grupo de Viena, que se comprometera especificamente a entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator de Pesquisas de Teerã.

7. Quando o Grupo de Viena manifestar seu acordo com essa medida, ambas as partes implementarão o acordo previsto no parágrafo 6. A República Islâmica do Irã expressa estar pronta - em conformidade com o acordo - a depositar seu LEU dentro de um mês. Com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena deve entregar 120 quilos do combustível requerido para o Reator de Pesquisas de Teerã em não mais que um ano.

8. Caso as cláusulas desta Declaração não forem respeitadas, a Turquia, mediante solicitação iraniana, devolverá rápida e incondicionalmente o LEU ao Irã.

9. A Turquia e o Brasil saudaram a continuada disposição da República Islâmica do Irã de buscar as conversas com os países 5+1 em qualquer lugar, inclusive na Turquia e no Brasil, sobre as preocupações comuns com base em compromissos coletivos e de acordo com os pontos comuns de suas propostas.

10. A Turquia e o Brasil apreciaram o compromisso iraniano com o TNP e seu papel construtivo na busca da realização dos direitos na área nuclear dos Estados-Membros. A República Islâmica do Irã apreciou os esforços construtivos dos países amigos, a Turquia e o Brasil, na criação de um ambiente conducente à realização dos direitos do Irã na área nuclear.

Manucher Mottaki,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irã

Ahmet Davutoglu,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia

Celso Amorim,
Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil

3 comentários:

Mário Machado disse...

Professor,

Compartilho de seu pessimismo com esse "acordo". Venho escrevendo sobre isso em meu blog. Espero que o Brasil não tenha se colocado numa posição de "fiador" do Irã. Entre outros desfechos que vislumbro.

paulo araújo disse...

Caro

Esclareça-me, se possível, uma dúvida. Por que todos estão falando em Acordo se o que de fato foi gerado em Teerã é uma Declaração? Seria possível, em termos estritamente diplomáticos, que os três países assinassem um documento com a estrutura formal de um Acordo? Se era possível, por que assinaram uma Declaração?

A imprensa daqui e de fora continua chamando a Declaração de Acordo. Eu penso que é um erro grosseiro. Bastaria apenas ler com a devida atenção o documento. A Declaração assinada é uma carta de intenções.

No texto a palavra "declaração" aparece quatro vezes para não deixar dúvida sobre a espécie de documento.

Para efeito de classificação arquivística, as análises diplomática (o exame da estrutura formal do documento legal ou administrativo) e tipológica de documentos antigos e atuais distinguem em nível formal e hierárquico as espécies documentais Declaração e Acordo:

DECLARAÇÃO - documento diplomático ou não, segundo sua solenidade, enunciativo, descendente. Manifestação de opinião, conceito, resolução ou observação, passada por pessoa física ou por um colegiado.
Protocolo inicial: a palavra Declaração. Nome e titulação do declarante. A corroboração ou cláusulas de vigência.
Protocolo final: datas tópica e cronológica, assinaturas (da autoridade emitente e da precação que, no caso do decreto executivo, é dada pelo ministro ou secretário da pasta que tenha relação com o assunto do decreto).

ACORDO - documento diplomático normativo, pactual, horizontal. Ajuste ou pacto realizados por duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, em torno de um interesse comum, ou para resolver uma pendência, demanda ou conflito.
Protocolo inicial: “Pelo presente acordo de... celebrado entre...” Segue-se o nome das pessoas pactuantes e suas qualificações.
Texto: “fica estipulado...” Segue-se o motivo do acordo. “E como as partes estão de acordo firmam o presente acordo”.
Protocolo final: datas tópica e cronológica, assinaturas dos pactuantes e das testemunhas (conforme o caso, não obrigatórias). (Glossário de espécies documentais elaborado por Helena L. Belloto)

Isso não é frescura. Trata-se da estrutura formal do documento, que é escolhido em função do que e como os signatários querem enunciar. Eu pensava que não haveria o mínimo sentido os três países assinarem um Acordo, pois os termos somente seriam válidos (teriam caráter normativo) se o Acordo estiver assinado pelo governo do Irã e pela AIEA. Mas aqui todos falam em Acordo como se não houvesse a distinção.

Minha pergunta é bem objetiva. Não sei se estou certo, mas eu penso que a escolha pela estrutura formal da Declaração não foi aleatória por que na diplomacia nada é aleatório. A escolha pela forma da Declaração tem uma razão de ser nos diplomas (documentos oficiais) assinados por países.

Por que o ministro Celso Amorim, entre outros, fala tanto em Acordo se de fato o que foi assinado é uma Declaração? Isto é, é normal e esperado que o governo e seus apoiadores soltem foguetes e batam o bumbo. Porém, se pretendiam passar ao público a mensagem "um Acordo foi fechado pelos três países”, por que raios não assinaram um Acordo de fato e sim preferiram assinar uma Declaração? Claro que para efeito dos meios de comunicação de massa a palavra "acordo" é muito mais impactante.

No link abaixo a entrevista de Celso Amorim na qual ele repete várias vezes a palavra “acordo” e omite a palavra “declaração”:

http://blog.planalto.gov.br/entrevista-com-celso-amorim-persuasao-foi-mais-eficiente-do-que-a-pressao/

Abs.

José Marcos disse...

UM EXERCÍCIO MAQUIAVÉLICO DE POLÍTICA INTERNACIONAL

Não haverá um desenlace feliz para este imbróglio, se não houver boa vontade entre seus principais protagonistas. Em 1981, a aviação israelense destruiu o reator nuclear iraquiano Osirak , sob a alegação de que Saddam Hussein poderia desenvolver armas atômicas a partir dele. Israel, que possui armas atômicas, não tem o menor interesse de compartilhar a tecnologia nuclear com algum outro país do Oriente Médio. Questão de sobrevivência, numa região em que Israel se isolou no meio de vários países que apoiam o terrorismo. Tento imaginar por que motivo Netanyahu não atacou as instalações nucleares iranianas até agora e faço algumas conjecturas:

I) Israel não tem bombas com tecnologia suficiente para perfurar os bunkers onde estão as instalações nucleares iranianas. Jornais britânicos noticiaram que os Estados Unidos enviaram para a base aérea de Diego Garcia centenas de bombas antibunker. Se a notícia for verídica, é fácil deduzir que elas serão utilizadas num provável ataque às instalações nucleares iranianas.

II) Uma retaliação aérea do Irã seria facilmente repelida por Israel. A máquina de guerra iraniana não é páreo para Israel. O problema, contudo, reside na probabilidade do Irã dispor de vários mísseis balísticos com capacidade de atingir Israel. Nessa hipótese, Israel necessitaria de um bom sistema antimíssil para destruí-los. Supondo que alguns mísseis furem a defesa israelense, Israel iria procurar neutralizá-los atacando suas bases de lançamento em solo iraniano, fulminando a força aérea desse país. Se o Irã tiver uma defesa antiaérea eficaz, o custo do ataque seria expressivo.

III) Sairia muito caro para Israel arcar sozinho com um confronto com o Irã. O mais sensato seria contar com a participação americana no conflito. O presidente Obama parece inclinar-se a uma solução diplomática da crise, que dê à sociedade internacional a garantia de que o Irã não terá armas atômicas. O envio de bombas antibunker para a base de Diego Garcia prenuncia a possibilidade de que há outras alternativas em jogo, caso falhem as sanções diplomáticas.

IV) Não tenho bola de cristal, mas penso que o desfecho desse conflito é o seguinte:

- Os Estados Unidos lideram as sanções contra o Irã.

- As sanções não dão resultado, e o Irã continua a desenvolver seu programa nuclear.

- Israel ataca as instalações nucleares iranianas com apoio americano.

- Israel e Estados Unidos destroem a capacidade aérea de retaliação iraniana.

V) Uma invasão terrestre sairia muito caro, tanto para Israel, quanto para os Estados Unidos. Não acredito que os Estados Unidos tenham condições de arcar com a manutenção de tropas no Afeganistão, no Iraque e no Irã. Acabaria com a possibilidade de reeleição de Obama...

VI) Quando ocorreria isso? O momento ideal do ponto de vista americano seria nas proximidades do ano de eleições para a presidência, ou seja, no próximo ano. Quando o assunto é guerra, o eleitorado americano costuma votar maciçamente no presidente que a declara. Como os Estados Unidos - ao que tudo indica - deslocaram bombas para a base de Diego Garcia, é provável que o ataque ainda possa acontecer este ano.

VII) O acordo Irã-Brasil-Turquia é água no chope do Netanyahu. Israel não atacará enquanto houver estrangeiros – principalmente russos – nas instalações nucleares iranianas. As sanções são necessárias para afastar completamente o pessoal estrangeiro das usinas.

VIII) Espero estar redondamente enganado em minhas conjecturas. Ahmadinejad está fazendo uma aposta arriscada demais e sem necessidade. Infelizmente, quem arcará com as conseqüências dos desvarios de seus dirigentes será o povo iraniano...