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terça-feira, 1 de junho de 2010

30 Anos de CNN, with a little help of a big Big Brother...

Acabo de assistir o Estado orwelliano em ação, e os leitores deste blog poderão, ou não, confirmar minha suposição (por certo malévola e mal intencionada).

A CNN está comemorando 30 anos de atividades ininterruptas (não em todos os países, por certo), a partir de sua primeira transmissão a partir da Georgia, em 1980. Como parte da retrospectiva, a cadeia, que já foi depreciativamente chamada, quando começou, de Chicken Noodles Network, mostrou imagens dos seus 30 anos de reportagens, incluindo o desastre do Space Shuttle Columbia e a queda do muro do Berlim.
De repente, tudo fica cinza em meu aparelho Philips made in China (e como), com aqueles chuviscos tradicionais de interrupção de transmissão de imagem, durante quase 20 segundos, e depois tudo volta ao normal.
Minha hipótese, a ser confirmada pelos que eventualmente assistiram à mesma matéria em outros países (a ser repassada diversas vezes, suponho, nos próximos dias), é a de que as imagens suprimidas se referissem aos episódios da Praça (sem ironia) da Paz Celestial, ou Tian An Men, quando, em junho de 1989, tanques chineses afogaram no sangue os protestos dos estudantes por mais democracia. Aparentemente, cerca de 3 mil manifestantes desapareceram ou foram mortos (vocês escolhem) e China voltou ao seu regime político "normal" dos últimos 4 mil anos.

Aqui na China, diga-se de passagem, só tenho direito a assistir à versão asiática da CNN, à CNBC (uma rede de negócios) e à versão asiática da BBC News, além de uma versão pasteurizada (e horrível) de um canal francês (nem vale a pena mencionar o nome). Todo o resto é China, em vários molhos e apresentações, inclusive um canal da CCTV (a estatal local) em inglês, palatável em sua inocuidade bem comportada (ainda assim, muito melhor do que a porcaria que nos servem como TV estatal no Brasil).

Fico na espera da confirmação de minha hipótese, por parte de alguma alma caridosa e atenta à CNN. Confirmando-se, também imagino que fique confirmada a hipótese de transmissão diferida por alguns segundos, para dar tempos aos pequenos big brothers (devem existir milhares deles, sempre atentos em frente de todos os canais transmitidos do estrangeiro) de cortarem a transmissão. Se questionados, os responsáveis poderão sempre dizer que se tratou apenas de um "problema técnico".
Sorry, Dalai Lama, no chances for you...
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 1.06.2010)

4 comentários:

Sabine disse...

Professor, assisti a um vídeo no YouTube que parece ser o mesmo que o senhor viu. Depois que são mostradas imagens da queda do muro de Berlim, o vídeo mostra imagens de várias guerras, então da captura de Saddam Houssein e "deposição" de sua estátua, e aí sim, as imagens do jovem na frente dos tanques de guerra, na Praça da Paz Celestial. Se for o mesmo vídeo, e acho que é, o senhor supôs corretamente.

É claro que todos sabemos há tempos que tudo o que diz respeito a esse e a outros fatos é filtrado na China, mas constatar isso in loco deve ser de arrepiar. Sempre que puder, conte-nos mais sobre seus esbarros no Grande Filtro.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Sabine,
Muito grato por sua confirmação, do que era apenas uma suposição de minha parte, com base numa percepção de como age o Grande Irmão neste país milenar e milenarmente igual ao que ele sempre conheceu em toda a sua história em termos de regime político e de controle sobre informações, seu acesso e disponibilidade.
Conhecendo-se precedentes e história recente, não era muito difícil deduzir o que tinham suprimido.
A CNN fez uma salada da cronologia, pois a queda do muro ocorreu depois dos episodios de Tian An Men, e muito antes da queda do ditador Saddam Hussein, mas podemos perdoar essa confusão na linha da tempo.
Interessante que eu assisti aos episódios da Praça da Paz Celestial (uma ironia involuntária) pela CNN mas nos EUA, e lembro-me bem da cena dos tanques e seu isolado e patético passante com compras na sacola plástica, uma cena repassada dezenas de vezes.
Um dia ela vai passar na China, mas não sabemos exatamente quando...
Paulo Roberto de Almeida

Sabine disse...

Professor, se me permite, acredito que a intenção até não era ser fiel à cronologia dos fatos. Acho que as imagens foram ordenadas com outro critério em mente. Eu as descrevi na ordem para que o senhor pudesse identificar mais ou menos se era o mesmo vídeo, mas vejo agora que a minha descrição pode mesmo ter dado a impressão de que a intenção era a fidelidade à cronologia.

O senhor chama de patético o "tank man", como é conhecido. Acho que tenho muito a ler a respeito desses fatos, pois até agora não o tinha pensado como patético. Nem sei direito o que pensava até aqui, talvez que fosse um jovem tomado de sentimentos de opressão e injustiça? hehehe, provavelmente ingenuidade da minha parte. Em todo caso, confesso que não sei bem em que circunstâncias exatamente se deu aquele episódio específico. Acredito que haja motivos para que ele seja chamado assim. Pesquisá-los-ei. Agradeço suas respostas, cá e no outro post.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Sabine,
Eu chamei o anônimo cidadão em frente aos tanks de patético porque ele não era um manifestante, longe disso: era um simples cidadão, que voltava das compras e se deparou com a coluna de tanques que se dirigia a Tian An Men, na madrugada do dia 3 ou 4 de junho (não tenho bem presente agora o dia exato).
Voltando das compras, ele se deparou com aqueles tanques ameaçadores, sabia que eles iam esmagar os estudantes, e por alguns segundos, um minuto ou dois no máximo, ele se pôs no caminho dos tanques. O tanquista parou, porque não pretendia atropelar um simples passante, voltando das compras além do mais, e tentou contornar o cidadão, que continuou barrando o caminho dos tanques. Depois, talvez se lembrando da mulher que iria reclamar dele demorar muito para voltar das compras, seguiu seu caminho para casa, e os tanques foram completar a missão que lhes tinha sido delegada pelo próprio Deng Xiao Ping: acabar com a festa daquela meninada na praça, limpar o terreno, destruir a deusa da liberdade em isopor e voltar à normalidade.
O patético é isso: parar a roda da história por um pequeno momento, que depois retoma seu ritmo avassalador, como sempre ocorreu na história da China.
Os impérios, os mandarins do centro, demonstram horror à desordem, e sempre foi assim: antes eles mandavam a cavalaria contra camponeses que não pretendiam recolher tantos impostos, agora eles mandam tanques contra estudantes, e continuam a recolher impostos de camponeses...
A China não mudou muito desde a dinastia Tang...
Paulo R. Almeida