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quarta-feira, 16 de junho de 2010

De servos e de seres livres

Um Anônimo (sempre essas criaturas que têm medo, ou vergonha, de assumir a própria identidade), que se assina como "ex-servo do Olimpo" [no Brasil??!!], escreveu o que segue a propósito deste meu post:

"Por que o Brasil nao vai crescer?"


Anônimo disse...

Apenas se torna incompreensível que o autor do blog seja um funcionário de alto escalão do próprio Estado, que tanto critica, assim como é pago pelo povo que atribui ser o culpado e tolo. Incoerência ou bipolaridade filosófica ? Talvez pura e mera demagogia, pois se realmente fosse adepto de suas próprias convicções já teria saído do Itamaraty e defendido com mais afinco sua visão liberal de menos Estado na economia! Discurso é fácil, ações é que são difíceis de serem realizadas. A maior liderança é a do exemplo ou estou equivocado (a). Escreveu outrora, sobre a dificuldade de se ter empreendendores no Brasil, então, onde fica o exemplo ? Talvez fosse o caso de ler o Monge e o Executivo para tentar ser líder pelo exemplo e não pelo discurso, já basta o nosso presidente com a sua demagogia exacerbada.
Reflita senhor embaixador...assinado um anônimo facilmente identificável como ex-servo do Olimpo.


Então respondo:


Anônimo servo,

Eu acho incompreensível, da minha parte, que alguém se identifique, não como uma pessoa em sua plena capacidade, mas como um servo de qualquer coisa, seja essa coisa o Olimpo, o Nirvana, o Paraíso, um palácio presidencial ou seja lá o que for.
Prefiro ser um ser livre no pântano, no deserto, que seja numa prisão de algum désposta, do que ser servo de qualquer um ou de qualquer "coisa". Mesmo sendo prisioneiro de alguém, conservarei sempre meu espírito de liberdade, e minha vontade própria, de fazer apenas aquilo que a minha consciência me ditar, e não o que for ordenado por alguém.
Também acho incompreensível o fato de você achar incompreensível o fato de alguém que é temporariamente um servidor do Estado deixar a capacidade de pensar com sua própria cabeça e ter de prestar voto de obediência a quem quer que seja. Uma coisa é o desempenho de funções no Estado, algo que pode me ocupar algumas horas do dia. Outra coisa seria alugar a minha consciência e a minha capacidade de pensar com minha própria cabeça a quem quer que seja, ainda que seja o meu chefe imediato.
Saiba Anônimo Servo que jamais eu concordaria com o meu chefe apenas porque ele me disse para fazê-lo, se eu não estiver pessoalmente convencido daquela mesma coisa. Posso até obedecer uma ordem que não seja ilegal, e que não violente minha dignidade, se aquilo fizer parte de minhas funções, mas jamais submeterei minha capacidade cognitiva, minha disposição de pensar com minha própria cabeça apenas porque sou um funcionário do Estado, jamais o servo de um soberano qualquer. O tempo dos súditos já passou há muito tempo, e se fosse o caso, provavelmente eu nunca aceitaria ser súdito de alguém.

Apenas nas ditaduras, e nos regimes servis, somos obrigados a nos conformar com a vontade do soberano.
Em qualquer regime democrático digno desse nome um cidadão qualquer, em qualquer capacidade profissional, tem o direito de não apenas discordar de seus chefes, mas também de chamar o presidente de incompetente, mentiroso, vagabundo, fraudador, demagogo, populista e sem-vergonha (aplique a quem quiser). Nos EUA, pessoas e grupos políticos acusam o presidente Obama de ser um estrangeiro e até de ser um agente inimigo, e não me consta que, enquanto não atentarem contra a segurança física do presidente ou comprometerem a segurança nacional, qualquer um deles esteja sendo ameaçado pelo presidente ou pela presidência da República americana.
Democracias são assim: as pessoas têm o direito de criticar o Estado e de criticar as políticas públicas com as quais não concordam, as simple as that.
Você, que se intitula "servo do Olimpo" -- e que, portanto, deve ter usufruido de uma educação acima da média -- deveria saber disso, e se escolhe ser chamado de "servo" é apenas por um espírito servil que, repito, para mim é incompreensível.

Você me acusa de criticar o Estado que me paga e até o próprio povo, por ser tolo ou até estúpido, por preferir mais Estado, quando este o espolia de mais da metada da sua renda.
Se você, Anônimo servil, se contenta de servir a um Estado assim espoliador, saiba que eu não, e se como você, pretendo o melhor Estado possível para o Brasil e para os seus cidadãos -- mesmo para os mais tolos, que pagam como carneiros todos os seus impostos sem reclamar -- então, se você tivesse um pouquinho de consciência crítica, chegaria à mesma conclusão que eu cheguei: que o Brasil é uma anomalia no conjunto de economias em desenvolvimento: que o Brasil tem uma carga fiscal de país rico para serviços públicos de país miserável.
Saiba que eu nunca vou me conformar com isso, e estarei sempre disposto a criticar o Estado, o povo, o presidente, os anônimos que me escrevem que se conformam com isso.
Como pessoa que não abandona o cérebro em casa quando vai trabalhar, sempre farei o que sempre fiz: expressar exatamente o que penso, e lutar por ideais, princípios, valores e medidas que estimo, com base numa análise racional da realidade, melhores para o meu país e meu povo.

Saiba Anônimo servil, que isso não é demagogia, nem liberalismo, apenas a expressão da melhor política possível para o maior número. Isso se chama racionalidade e independência de pensamento, duela a quien duela, como diria um dos maiores presidentes fraudadores da história do Brasil. Aliás, o fraudador está em boa companhia atualmente.
Se você for sincero, não pode concordar com um Estado que lhe arranca metade da renda e ainda o obriga a comprar no setor privado os serviços -- de educação, de saúde, de transporte, e talvez até de aposentadoria (salvo se você for um privilegiado do setor público) -- que o Estado lhe deveria prover e que não dispensa, ou presta mal, porcamente.
Saiba que mesmo sendo um funcionário público, jamais concordarei com a estabilidade funcional para servidores públicos -- mesmo para diplomatas -- e jamais concordarei com os privilégios de aposentadoria de que somos beneficiários. Tudo isso é uma indignidade para com o povo brasileiro, que trabalha e paga esses privilégios injustificáveis em qualquer país normal.

Termino: não preciso sair do Itamaraty para dizer o que digo, pois nada do que digo tem a ver com a formulação e a execução da política externa e sim com a minha condição de cidadão pagador de impostos, e dono de um cérebro que ainda permanece livre, mesmo alugado por algumas horas para o serviço exterior brasileiro.

Da próxima vez que me escrever, pode até me criticar, mas, por favor, não se qualifique mais como "servo", pois isso o diminui terrivelmente. Continue anônimo, se de desejar, mas preserve a sua dignidade.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 16.06.2010)

5 comentários:

Pedro disse...

Nem sei como tratá-lo: mas vou arriscar...
Caro Professor (porque me considero eterno estudante)
achei demasiada exaustiva a resposta..., acho que nem era necessario (sob o risco de se dar tanta importancia a um assunto, quando nao merece tanto)

Espistemologicamente, costuma se dizer que para se fazer crítica o sujeito deve obedecer os seguintes momentos:
1. o sujeito está dentro de si (com as suas convicções, dogmas e até suas obrigações);
2. o sujeito sai de si (despir-se das capas e dos papeis sociais que desempenha e que o possam impedir de olhar pa si e para a realidade por dela também fazer parte);
3. o sujeito está fora de si (para permitir lhe analisar criticamente melhor)
e finalmente o sujeito volta a si...
Portanto, costuma-se resumidamente por isso (e ate aparantemente paradoxal) dizer-se que temos que ser outro para sermos melhor nós; na prática é o que custa a maioria das pessoas, principalmente quando no exercicio de funcoes com ligações políticas, e costuma custar ainda mais quando os academicos, nesses exercicio pretender fazer o excercicio da critica construtiva para melhor algo.....
Penso que o seu caso Professor, é este ultimo: faz reflexoes e das mais interessantes (com olhos de ver, como se costuma dizer...) e por causa disso, uma vez e outra poderá receber críticas...,
Pessoalmente, aprecio o exercicio que faz, e de certeza é mais util assim, do que nao fazendo...

Pedro Nhacota Junior

Anônimo disse...

Prezado Pedro,
tens boa índole,pessoas como você são necessária à Academia.
Cheio de sonhos e acreditando que todos respeitam seus sonhos. Continue assim, defenda seus posicionamentos, mas tenha certeza meu jovem, que um dia a hubris que cega que lhe afetará os sentidos e fará voce acordar para a realidade cruel da existência humana. E poderá sozinho ver que os Deuses do Olimpo não estão nem aí para a realidade universitária brasileira. Apenas querem expor suas vaidades e nada mais.
Certamente, você será um grande profissional do ensino no Brasil, por que a hubris que cega não lhe contaminou a alma.
De qualquer forma tens meu total respeito...

Paulo Roberto de Almeida disse...

Pedro,
Agradeço seus comentários, muito ricos, e creio que você tem razão. Dei importância demais a um assunto menor, transformando em problema pessoal o que era uma simples observação sobre meu estilo de comportamento, que envolve grande dose de crítica às autoridades -- a qualquer autoridade, consoante meu espírito anarquista do pensamento -- e muita independência pessoal.
Você é um bom observador.
Paulo R. Almeida

Paulo Roberto de Almeida disse...

Um EX-SERVO do Estado me escreveu um longo comentário, e depois reclamou que eu tinha limitado seu direito de expressão. Isso se deveu não a minha censura, como pretendeu afirmar o comentarista em questão, mas a uma limitação técnica do sistema.
Como aqui explicitado:
Seu HTML não pode ser aceito: Must be at most 4,096 characters

Vou transcrever no post o que esse comentarista escreveu, que agora sei quem é, mas não vem ao caso.
Considero que fica encerrada aqui a discussão aqui, pois não me interessa prolongar um debate esquizofrenico, cheio de equivocos e ressentimentos.
Paulo Roberto de Almeida

Glaucia disse...

Bem, Professor, sobre sua birra com o anonimato, só posso observar o óbvio - sem nenhum tom de crítica. O Professor tem uma história atrás de si, cargos conquistados e (inevitável dizer) uma aposentadoria garantida. Não é o caso de todos. Meu 'anonimato' (considero-me verdadeira no que sai do teclado) em particular se prende à necessidade de combinar opiniões sinceras com a garantia de, no futuro, não ser perseguida por uma delas.

Novamente, é tentador apontar a hipocrisia alheia quando se tem - como tem o Professor - todo o possível já conquistado. Mas, e tenho consciência da fragilidade dessa posição, com o mundo da internet sendo o que é, feito de googleadas e registros públicos permanentes, gostaria de preservar a possibilidade de dizer coisas que não agradam a todos, sem ser alvo de nenhuma militância no futuro por isso. E o professor sabe que as militâncias não estão ficando menos poderosas nem menos estridentes.