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terça-feira, 8 de junho de 2010

Demagogia educacional: universidades de encomenda...

Não tenho nenhuma dúvida de que nossas universidades públicas -- com muito poucas exceções, contadas em "meia mão", talvez -- caminham, no que se refere às ciências humanas, para o brejo da insensatez e para o pântano da mediocridade, passando pelo poço da ignorância.
Seria até crueldade desejar uma rápida decadência, para abreviar a recuperação que deverá vir, um dia, como essas promessas do Messias redentor que despontará em algum ponto de um futuro incerto. Talvez...
Enfim, sem querer ser muito pessimista, mas sendo, apenas transcrevo um editorial do "provecto" Estadão -- que esteve intimamente associado à criação da USP -- sobre os dois mais novos rebentos desse populismo universitário que continua gastando o nosso dinheiro com bobagens pedagógicas e besteirol acadêmico.
Paulo Roberto de Almeida

Demagogia no ensino superior
EDITORIAL
O Estado de S. Paulo, 06 de junho de 2010

Das 13 universidades federais criadas nos dois mandatos do presidente Lula -- o que lhe permite afirmar que é o governante que mais investiu na expansão do ensino superior público desde a descoberta do País -- 2 chamam a atenção por terem sido especialmente criadas com o objetivo de reforçar sua imagem externa e reafirmar as "novas responsabilidades" que o Brasil vai assumindo no cenário internacional.

Sediada em Foz do Iguaçu, na fronteira com a Argentina e o Paraguai, uma delas é a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), que está funcionando provisoriamente num prédio da Usina Binacional de Itaipu. A outra, que será erguida em Redenção, a 55 quilômetros de Fortaleza, é a Universidade Federal de Integração Luso-Afrobrasileira (Unilab). Com cerca de 27 mil habitantes, a cidade foi escolhida por ter sido a primeira a libertar todos os seus escravos antes da Lei Áurea, de 1888. Esse critério dá a medida das intenções do governo.

Como a criação das duas instituições decorreu mais de marketing político do que de critérios acadêmicos, as autoridades educacionais querem implantá-las o mais rapidamente possível, a fim de criar um fato consumado. Há o receio de que, se a oposição ganhar a eleição de outubro, o próximo governo possa cancelar essas iniciativas que, além de caras, primam pela demagogia. Ao justificar a criação da Unilab, assessores de Lula invocam a necessidade de resgatar uma "dívida histórica com a África" e reforçar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por meio de intercâmbio acadêmico e oferta de ensino superior gratuito a alunos vindos de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e até do Timor Leste e de Macau. No caso da Unila, que pretende valorizar a adaptação de novos conhecimentos à "realidade regional" e os "elementos centrais da problemática latino-americana", os assessores de Lula enfatizam a necessidade de um "projeto político-pedagó gico" destinado a aumentar a influência do País na região do Mercosul.

Das 5 mil vagas que a Unilab pretende oferecer em seus cursos de graduação, nas áreas de produção de alimentos, saúde pública, proteção ambiental, gestão de pequenos negócios e formação de docentes para educação básica, metade será para alunos brasileiros e metade para estrangeiros. O mesmo critério também será adotado na Unila, cujas aulas deverão começar no próximo semestre, com professores recrutados em toda a América Latina -- e não só no Brasil. Na Unila, cujos prédios começarão a ser construídos em setembro num terreno de 40 hectares, com base num projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer, o reitor será sempre brasileiro, enquanto o vice-reitor virá dos países da região, com a condição de que tenha o título de doutor. O primeiro reitor será o cientista político Hélgio Trindade, da UFRGS, e o vice-reitor será o sociólogo uruguaio Gerónimo Sierra.

Nas duas instituições não haverá cobrança de taxas e mensalidades e os alunos receberão bolsas para alimentação, alojamento e transporte. Na Unila eles serão selecionados com base numa prova que, além de não ser eliminatória, será realizada em seus respectivos países de origem. Na Unilab a ideia é conjugar políticas de "inclusão social" com "distribuição étnico-socioeconô mica dos países da CPLP", tomando-se por base as notas obtidas no Enem pelos estudantes da região do Maciço de Baturité, onde se situa a cidade de Redenção.

Além da Unilab e da Unila, o governo estuda a criação de mais uma instituição "temática" -- a Universidade Federal da Integração da Amazônia Continental. Em matéria de ensino superior, o governo continua atirando para todos os lados. Tentou promover uma reforma universitária, em 2004, e fracassou. Tentou usar o Enem para unificar os vestibulares das universidades federais, em 2008, e desmoralizou esse mecanismo de avaliação. E, enquanto a maioria das universidades federais enfrenta déficit de equipamentos e de professores motivados, desperdiçam-se recursos escassos com iniciativas demagógicas.

3 comentários:

Gustavo Machala disse...

PRA,
Já sou seu leitor há um tempo. Seus dois últimos posts me levaram a uma longa leitura hipermidiática (travessia) na net, lendo antigos textos seus já publicados (incluindo a resenha tão "bombardeada"). Ao final de leituras sobre a esquerda e os "marquissistas", fiquei com uma curiosidade e dúvida que tomo a liberdade de expor e te perguntar: Qual a sua opinião sobre o economista italiano Giovanni Arrighi, autor, entre outros, de "O longo século XX"?
Gustavo Machala

Paulo Roberto de Almeida disse...

Gustavo,
Grato pelos comentários. Não tenho tempo agora, ocupado que estou em Shanghai, de elaborar extensivamente sobre a obra de Giovanni Arrighi, a quem respeito como scholar.
Resumindo talvez muito injustamente, eu diria que se trata de um excelente sociólogo, de um historiador mediano e de um economista sofrível.
Como todos os intelectuais e acadêmicos "tingidos" de marxismo -- não tenho nenhum problema em dizer, pois eu fui super-impregnado de marxismo, e ainda acho que o velho barbudo tinha algumas coisas interessantes a dizer -- ele se sente na obrigação -- como Wallerstein, Hobsbawm e outros -- a apresentar uma visão sombria do capitalismo, fazendo julgamentos de natureza moral que demonstram apenas a incapacidade desses intelectuais a aceitar o mundo como ele é, e a preservarem, no fundo, aquela dose de filosofia ativista que os faz passar dos julgamentos morais sobre a iniquidade e a desigualdade intrínsecas ao capitalismo a algum esforço de engenharia social tendente a "melhorar" o mundo como ele é. Os resultados são sempre catastróficos, posto que empreendimentos humanos são sempre falhos e sujeitos a desvios de curso pela ação de velhas forças sociais e humanas que transcendem ao próprio capitalismo.
Fora isso, creio que ele é lisível, diferente desse bando de medíocres que pululam pelas nossas universidades.
Paulo R. Almeida

Rogério Marques disse...

Grande Paulo Roberto Almeida. Com relação às universidades federais, "nunca antes na história desse país" houve tantos recursos para construção de novos campi e realização de concursos públicos. Se você entrar nos sites de concursos públicos verá a quantidade de concursos abrindo a todo momento de norte a sul do país. Agora com relação ao aspecto midiático destas duas universidades citadas, concordo plenamente.