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domingo, 13 de junho de 2010

Os erros da politica externa - Editorial do Estadao

Não se pode contentar todo mundo, sobretudo um jornalão conservador -- alguns diriam reacionário e neoliberal, talvez burguês também, enfim, várias coisas ao mesmo tempo -- como o velho Estadão, muito exigente, talvez demais para os padrões de nossa atual política externa.
Se, e quando, houver uma resposta oficial às acusações do Estadão, terei prazer em publicar também...
Paulo Roberto de Almeida

Os erros da política externa
Editorial O Estado de São Paulo
Domingo, 13 de junho de 2010

O chanceler Celso Amorim usa o argumento da altaneria para explicar o voto brasileiro contra as sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU ao Irã. “Nossa posição foi independente, não foi quixotesca. Dizer não, em vez de se abster, era a única posição honrosa, honesta e justa. Se tivéssemos votado de outra maneira, teríamos perdido totalmente a credibilidade.” O problema é que dois erros não fazem um acerto. E o erro original foi o governo brasileiro, tomado por absurda soberba, ter julgado que poderia levar o Irã a abandonar pela via negociada o seu programa nuclear, e que a comunidade internacional, penhorada e agradecida, passaria a acreditar nos bons propósitos de Teerã. Resultou daí o acordo de troca de urânio levemente enriquecido, patrocinado pelo Brasil e pela Turquia - que só embarcou na aventura na undécima hora -, que o Itamaraty exaltou como o início de conversações de boa-fé entre as grandes potências mundiais e o Irã, e as ditas grandes potências, calejadas no trato com a república islâmica, consideraram ser apenas mais um expediente para ganhar tempo.

O fato é que o acordo de Teerã reproduziu uma oferta feita pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) um ano antes, e rejeitada pelo Irã - e o presidente Lula achou que essa seria a chave para a afirmação da influência do Brasil no Oriente Médio - melhor dizendo, no mundo muçulmano. Seus assessores deixaram que ele incorresse no erro, ao não alertar que a oferta da AIEA fazia sentido quando foi feita, mas não mais um ano depois, quando o Irã havia praticamente dobrado o seu estoque de urânio enriquecido. Além disso, não há no acordo uma única palavra que sugira que o Irã se submeterá de bom grado às inspeções da AIEA - e sem isso não se desfarão as suspeitas de que o objetivo do programa nuclear é a construção da bomba.

A diplomacia lulista cometeu mais um grave erro de avaliação quando tentou se imiscuir nos assuntos do Oriente Médio. Primeiro, Lula ofereceu seus bons serviços para obter a paz entre palestinos e israelenses - oferta que foi recusada com rascante ironia pelas duas partes. Depois, foi a vez do, digamos, equívoco iraniano.

Esses e outros fiascos se devem a uma interpretação enviesada da evolução e da tendência dos acontecimentos mundiais. Em seu antiamericanismo visceral, os assessores internacionais de Lula acreditam que a superpotência está em declínio, que o mundo experimenta uma fase de multipolaridade e que do diretório multipolar fazem parte os países emergentes, com grande destaque do Brasil. E que essas transformações já estão ocorrendo, e em velocidade vertiginosa. Ocorre que, se é verdade que as linhas gerais desse cenário são corretas, o ritmo das transformações é lento, como quase tudo na história.

O declínio dos Estados Unidos é lento e relativo - o país continua sendo, de longe, a maior potência militar e econômica do mundo - e o multilateralismo ainda cede às demandas e imposições da política de poder, como comprovam os fatos do dia a dia.

Não bastasse isso, o Brasil não tem condições objetivas de agir em regiões que estão fora de sua área de influência direta. Somente a reconhecida capacidade de articulação dos diplomatas do Itamaraty e o prestígio conferido ao presidente Lula por sua inegável popularidade no exterior não são suficientes para fazer do Brasil o interlocutor universal e o peacemaker à outrance que a propaganda oficial exalta.

Veja-se, a propósito, que o governo Lula nunca pretendeu - justamente por saber que não dispõe dos instrumentos para esse tipo de tarefa - resolver, por exemplo, o contencioso entre Argentina e Uruguai, a respeito das papeleras, ou consertar os desarranjos estruturais do Mercosul, ou buscar soluções para a virtual guerra civil colombiana. E tais contenciosos afetam diretamente os interesses brasileiros.

O presidente Lula e o Itamaraty, no entanto, sentiram-se à vontade para querer resolver problemas no outro lado do mundo, e justamente aqueles que, há anos ou décadas, tiram o sono das grandes potências, incapazes de promover a paz nessas regiões. A intromissão no caso palestino-israelense foi apenas patética. Já o envolvimento com o Irã é perigoso porque afeta graves questões de segurança internacional, que o Brasil não está preparado para enfrentar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezados,

A diplomacia "altaneira" do governo Lula, de viés "antiianqui", não teve a percepção de avaliar o "timing" da oferta feita pela AIEA, em outubro do ano passado, a qual já não serviria como base para um novo acordo com Teerã.

Reproduzimos excerto de estudo do Institute for Science and International Security(ISIS):
"As Iran enriches up to 19.75 percent in the PFEP, it is important to understand Iran's potential to enrich greater quantities of 19.75 percent enriched uranium by using more cascades. As the original agrreement to swap LEU for 19.75 percent LEU had an eye towards both removing most of Iran's stock of 3.5 percent LEU and preventing enrichment up to 19.75, a future renegotiated deal will also need to take into account the removal of Iran's growing stock of 19.75 percent LEU and verified commitments not to produce more. One of the serious weaknesses in the Iran, Brazil, and Turkey declaration on the removal of LEU from Iran is its silence on these critical points."
In:"Takink Stock of the Production of 19.75 Percent Uranium at the PFEP.";ISIS Report; by David Albright et alli; http://isis-online.org/isis-reports/detail/taking-stock-of-the-production-of-19.75-percent-uranium-at-the-pfep/ ).

Vale!