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domingo, 13 de junho de 2010

Thiago de Mello - Estatutos do Homem

Muito tempo atrás, Thiago de Mello era considerado um homem de esquerda. De fato, ele era: defensor do socialismo, crítico acirrado do capitalismo, tanto que se exilou no Chile, no golpe militar de 1964, onde foi escrito este belo poema, considerado uma ode à liberdade, justamente o que não havia nos regimes socialistas que ele defendia.
Ele, pelo menos, aprendeu, sendo hoje um homem bem diferente desses (e dessas) e que andam por aí, pretendendo que lutaram pelas liberdades democráticas, antes e depois de 1964, quando na verdade o que defendiam era uma bela ditadura do proletariado, no espírito e no modelo do que havia em Cuba (e que existe ainda hoje por lá, tristemente).
Felizmente, o Brasil mudou, e para melhor, com o retorno da democracia no que era apenas um regime autoritário militar, "biodegradável", como dizia Roberto Campos.
Thiago de Mello também mudou, e para melhor, pois hoje é um defensor da democracia, plena, sem adjetivos, apenas democrática.
Diferente de muita gente que anda por aí, enganando o povo e se auto-enganando.
Thiago de Mello, por isso mesmo, é muito crítico, hoje, daqueles que seriam, no passado, seus aliados. Ele os critica, fortemente, no que faz muito bem.
Minha homenagem a ele, um homem que soube atualizar-se, diferentemente de muitos que andam por aí, tentando enganar o povo...
Paulo Roberto de Almeida

Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

Thiago de Mello

Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Santiago do Chile, abril de 1964

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