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segunda-feira, 12 de julho de 2010

Custo Brasil, protecionismo impedem acordos comerciais

O reporter acha que o preconceito ideológico do governo contra acordos com países ricos não existe. Talvez, mas deve ser preconceito contra a abertura, então. Ele acha que o protecionismo argentino é um mito. Talvez, mas deve ser protecionismo brasileiro então.
Curioso que todos falam do famoso custo Brasil, mas ninguém cobra do nosso empresariado uma ação decisiva a esse respeito. Como tem o custo Brasil, então isso é desculpa para continuar protecionista, recusar acordos, etc.
Talvez o governo tenha um preconceito ideológico a favor de acordos com países pobres, o que não deixa de ser preconceito.
Qualquer preconceito é estúpido, inclusive o de pretender não ter preconceito.
Como alguém muito bem posicionado no assunto já disse: "todo mundo tem ideologia", o que é uma desculpa esfarrapada para continuar manifestando a sua...
Paulo Roberto de Almeida

Acordo comercial tem embaraço no Brasil
Sergio Leo
Valor Econômico, 12/07/2010

O possível acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia está de volta à lista de assuntos que nunca chegam ao fim que prometem. O retorno é boa oportunidade para desmistificar certos mitos, ideias que passam por verdades estabelecidas, mas não se sustentam ao se conhecer a realidade das negociações comerciais.
Dois mitos de fôlego são os de que: 1) preconceitos ideológicos do governo inviabilizam acordos comerciais com países ricos; e 2) a Argentina é o grande obstáculo às negociações para derrubada de barreiras de sócios comerciais do Brasil.
A Argentina exagera em seu viés protecionista, mas, em algumas negociações comerciais, age incentivada por associações empresariais brasileiras. A diplomacia brasileira, de fato, tem prevenção contra certos modelos de acordo dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) - nações como os EUA e as principais potências europeias.
São acordos que vão além de comércio, enrijecem regras de propriedade intelectual e impedem prioridade a fornecedores nacionais nas compras do governo, entre outros pontos - questões de política econômica, não de mera ideologia, que merecem debate.
Há freios mais fortes às negociações do Brasil no próprio setor privado brasileiro. As associações empresariais são o veículo preferencial para o acionamento desses freios, mas elas agem somente quando se aproxima do fim alguma negociação importante - como foi o caso, anos atrás, do acordo quase assinado entre Mercosul e Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). O acordo, que abriria mercado em uma das regiões de maior crescimento de
importações do mundo, era prioridade do governo, mas foi bloqueado por pressão da indústria química nacional, que teme os planos de produção petroquímica futura dos árabes.
Curiosamente, o acordo com o CCG é apontado entre as prioridades na agenda para os candidatos à Presidência formulada pela Confederação Nacional da Indústria (menosprezando o papel da Abiquim, a associação do setor químico, em bloquear a negociação). O documento da CNI cita, coerentemente, a necessidade de acordo com grandes mercados, como EUA e União Europeia.
Os EUA, porém, até hoje não aprovaram no próprio Congresso o acordo de comércio assinado com a Colômbia em 2006; não reúnem condições políticas para aceitar os pleitos do Brasil em agricultura e setores competitivos, como aço ou suco de laranja.
O caso dos europeus é ainda mais interessante. Embora entidades heterogêneas, como a CNI e a Fiesp, anunciem interesse no acordo com os europeus, uma variedade de associações empresariais batalha nos bastidores contra a negociação. Quem conversa com integrantes da Eletros, por exemplo, sabe que os fabricantes brasileiros de eletroeletrônicos querem mercado aberto com países na América do Sul e alguns emergentes, mas pedem distância dos europeus, americanos ou asiáticos. A Abiquim também se manifesta discretamente contra o acordo com a UE, assim como a Abinee, da indústria eletroeletrônica, e o Sindipeças, de peças e partes automotivas.
Até a Anfavea, do setor automotivo, está dividida na questão e, antes interessada no acordo, perdeu entusiasmo com as negociações. Os empresários sabem que são injustos quando atribuem apenas ao governo a timidez em acordos assinados recentemente com países como Índia e África do Sul. Os empresários do setor automotivo são os primeiros a apontar problemas em abrir o mercado brasileiro aos indianos e sul-africanos. O setor
têxtil endossa as prevenções contra a Índia.
As pressões que se manifestam quando o governo está prestes a concluir negociações não raramente incluem ameaça de bloquear o acordo no Congresso, se assinado. A última dessas manifestações foi feita pela Abit, do setor têxtil, que, em carta a vários ministérios, se recusa a fazer qualquer concessão para fazer andar a negociação em curso com o Egito, com países de menor desenvolvimento relativo como Camboja, com os países da chamada rodada São Paulo da Unctad, como Coreia do Sul ou Índia. Com a UE, pede firmeza na exigência de regras de origem, demanda legítima.
Submetidos a juros recordistas, ao câmbio valorizado em relação ao dólar, a concorrentes com preços artificialmente baixos, a tributos escorchantes e infraestrutura deficiente, não é por tara protecionista que empresários nacionais rejeitam os acordos (ainda que alguns busquem nas barreiras comerciais a solução para problemas de eficiência). A CNI cita estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), segundo o qual a melhoria da infraestrutura nacional garantiria vantagens maiores que um acordo de comércio com grandes parceiros. Uma queda de 10% no custo de transportes aumentaria em 30% as vendas aos EUA; uma queda de 10% nas tarifas elevaria
as exportações para lá em apenas 1,9%.
O necessário debate sobre o empenho comercial brasileiro exige que sejam deixados de lado os mitos, relevantes apenas para uso em palanque, e se discutam as verdadeiras questões que bloqueiam as negociações de comércio do Brasil com o mundo.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

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Addendum para tornar transparente o comentário do referido repórter à minha nota inicial, e os meus comentários em retorno:

2 Comentários

Sergio Leo disse...

Não, meu caríssimo diplomata e professor, o repórter, eu, não acha nem escreveu que o governo não tem preconceitos contra acordos nem que o protecionismo argentino seja um mito. Releia a coluna do repórter com menos preconceito, e verá que ele diz coisa distinta: não é a Argentina o único nem o principal obstáculo a acordos comerciais e não são os preconceitos do governo o que inviabiliza acordos com países ricos.

Segunda-feira, Julho 12, 2010 8:52:00 PM

Blogger Paulo R. de Almeida disse...

Então ficamos assim combinados:
1) O reporter não tem preconceito a favor do governo;
2) O governo não tem preconceitos contra países ricos e não tem preconceitos contra acordos comerciais em geral, com países ricos em particular;
3) Os empresários brasileiros, tão ativos e preparados, não tem preconceitos contra a competição em geral, a da China e dos países ricos em particular;
4) Os mesmos empresários tampouco tem preconceitos contra receber dinheiro favorecido do governo e sobretudo receber proteção especial do governo contra concorrência desleal, sobretudo quando ela é apenas concorrência;
5) Este escrevinhador não tem preconceitos contra preconceitos, e não tem restrições a governos e acordos comerciais em geral, com países ricos ou pobres em especial, sobrando só os do mesmo bloco, que são excepcionais, e podem praticar protecionismo a vontade;
6) O Brasil é um país sem preconceitos. Por isso mesmo, ele pode criar cotas para empresários, para negros, e outras minorias desfavorecidas, os empresários sendo apenas uma minoria favorecida, mas que não deixa de ser minoria...
Paulo Roberto de Almeida

Segunda-feira, Julho 12, 2010 11:14:00 PM

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Se ouso acrescentar mais uma pequena nota, seria esta:

O governo não tinha preconceitos contra a Alca: ele apenas desejava implodi-la, e conseguiu, vangloriando-se do fato depois em diversas ocasiões, pela boca de suas autoridades mais consagradas, a partir do presidente.
Não se tratava de preconceito, apenas oposição a um acordo que seria catastrófico para o Brasil, segundo o diagnóstico antecipado de seus ideólogos mais respeitáveis. Eles já sabiam que a Alca representaria o fim da soberania e da autonomia do Brasil para estabelecer, definir e implementar políticas públicas em geral e setoriais de comércio e indústria em particular.
Mas, isso não era preconcento. Apenas antevisão, premonição, certez de que a Alca seria um desastre para o Brasil.
Não era preconceito, era um pré-conceito, ou seja, um conceito formado antes.
O governo é um visionário, e encontra repórteres para justificar e explicar essas coisas pouco ideológicas.

Como disse uma vez o presidente do Bank of England a um economista:
"You are not here to tell us what to do, but to explain to us why we have done it."
Norman Montagu, cited by Liaquat Ahmad, Lords of Finance, p. 233.

All is said.
Paulo Roberto de Almeida

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Novo Addendum em torno de um debate essencial, para o jornalismo e a diplomacia

Transcrevo primeiro, for sake of transparency, novo comentário do jornalista ao meu comentário acima alinhado:

Sergio Leo disse...

Podemos combinar outra coisa, embaixador:
1) o diplomata tem preconceito já expressado neste blogue contra o repórter, que considera "linha auxiliar do governo". O repórter não concorda com essa avaliação e acredita que ela impede ao diplomata ler com isenção suas colunas e discutir o verdadeiro ponto expressado nelas.
O repórter tem preconceito, sim, contra explicações simplistas e definitivas, como a de que são os preconceitos do governo que impedem acordos com os países ricos. Já no governo FHC, sem preconceito, aparentemente, o governo brasileiro se insurgia contra propostas essenciais da Alca, como os dispositivos em propriedade intelectual, as determinações em compras governamentais e as disposições sobre solução de controvérsias, que, diziam as autoridades anteriores a Lula, não eram aceitáveis pelo Brasil. (Dispostitivos aceitos pela Colômbia, por exemplo, mas que não ajudam a tirar do limbo no Congresso americano o acordo de livre comércio assinado com os colombianos e até hoje não aprovado em Washington _ certamente não por causa do sabido preconceito acima do rio Grande contra cucarachos).

Dizer que o que impede um acordo Mercosul-União Europeia seriam os preconceitos do governo petista não faz jus à reconhecida inteligência do diplomata e professor, respeitada pelo repórter, que entende e encoraja seu papel no debate político e partidário nacional _ ainda que nesse papel revele preconceitos insultuosos contra o jornalista.

A coluna crítica o protecionismo do empresariado nacional, embora manifeste respeito as posições do setor privado e admita que o Custo Brasil desequilibra as condições de competição com a concorrencia estrangeira. Mas o preconceito do diplomata e professor contra o repórter não o deixa reconhecer isso, a ponto de atribuir ao jornalista a afirmação de que não haveria protecionismo entre empresários _ enquanto a coluna diz explícitamente que empresarios pedem barreiras para proteger suas ineficiencias.

O repórter, sem preconceitos, aplaude a vocação democrática do diplomata e professor, que publica o contraditório nestes comentários. E aceita combinação num ponto: compartilha as restrições a políticas de cotas e endossa suas observações sobre o protecionismo no setor privado, que deveria trocar suas reivindicações de facilidades oficiais por pressão mais efetiva contra o Custo Brasil.
Terça-feira, Julho 13, 2010 11:08:00 AM

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Agora, o diplomata-professor (talvez o inverso) vem novamente dizer que:

1) Credibilidade de informações e honestidade intelectual são duas qualidades essenciais aos jornalistas, aos professores, aos diplomatas. Nenhum deles conseguiria manter sua boa reputação dispensando qualquer grama de credibilidade e honestidade.
2) O professor-diplomata apresenta suas humildes desculpas se algo próximo da desconfiança e da subserviência pareceu transparecer de suas avaliações sobre as matérias do jornalista em questão. Não era essa a intenção, apenas a de exercer sua dose de ceticismo e de exame crítico sobre cada linha escrita sobre um governo que não preza muito essas qualidades, como revelado em inúmeros casos internos e externos.
3) Todos tem direito a exercer sua dose de anarquismo intelectual, o que é, aliás, uma atitude recomendável sobretudo para jornalismo, pois o Estado tem meios poderosos para construir sua verdade e defender suas razões (que muitas vezes não são nem de Estado, mas de pessoas).
4) O governo FHC nunca gostou da Alca, isso é público e notório, inclusive porque isso corresponde a um sentimento unânimo no Brasil, desde sempre: falou em livre comércio, somos contra, qualquer que seja a razão, só aceitável desde que seja a nosso favor...
5) Empresários estão submissos ao Estado, e pretendem continuar assim, e este por outro lado atende seus reclamos protecionistas.
6) A retirada dos APPIs do Congresso foi feita em dezembro de 2002, para atender aos reclamos do governo eleito, não necessariamente como iniciativa do governo FHC, causando assim desconforto e uma descortesia diplomática brutais entre os países parceiros nesses acordos, que não entenderam as razões do Brasil, senão como submissão a uma ideologia canhestra.
7) O principal fator de oposição aos acordos de investimento sempre foi essa ideologia difusa que faz com que o Brasil adore capitais estrangeiros, mas deteste capitalistas estrangeiros, se apoiando mais em empréstimos e financiamentos do que em investimentos diretos em toda a sua história, numa das demonstrações mais idiotas de nacionalismo econômico em vários continentes.
8) No caso da contraposicao Alca-UE, mais do que preconceito, existe ingenuidade, e uma inacreditável crença nas virtudes do modelo europeu, aliás manifestado até na constituição de um bizarro mecanismo redutor de assimetrias, como se o Brasil fosse a Alemanha do processo do Cone Sul.

AO fim e ao cabo, todas essas questões nos revelam apenas como o Brasil é um país de mentalidade atrasada e pouco preparado para crescer. OK, vamos continuar nos arrastando em direção da modernidade, que o progresso também é um fatalidade...

Paulo Roberto de Almeida (13.07.2010)

3 comentários:

Sergio Leo disse...

Não, meu caríssimo diplomata e professor, o repórter, eu, não acha nem escreveu que o governo não tem preconceitos contra acordos nem que o protecionismo argentino seja um mito. Releia a coluna do repórter com menos preconceito, e verá que ele diz coisa distinta: não é a Argentina o único nem o principal obstáculo a acordos comerciais e não são os preconceitos do governo o que inviabiliza acordos com países ricos.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Então ficamos assim combinados:
1) O reporter não tem preconceito a favor do governo;
2) O governo não tem preconceitos contra países ricos e não tem preconceitos contra acordos comerciais em geral, com países ricos em particular;
3) Os empresários brasileiros, tão ativos e preparados, não tem preconceitos contra a competição em geral, a da China e dos países ricos em particular;
4) Os mesmos empresários tampouco tem preconceitos contra receber dinheiro favorecido do governo e sobretudo receber proteção especial do governo contra concorrência desleal, sobretudo quando ela é apenas concorrência;
5) Este escrevinhador não tem preconceitos contra preconceitos, e não tem restrições a governos e acordos comerciais em geral, com países ricos ou pobres em especial, sobrando só os do mesmo bloco, que são excepcionais, e podem praticar protecionismo a vontade;
6) O Brasil é um país sem preconceitos. Por isso mesmo, ele pode criar cotas para empresários, para negros, e outras minorias desfavorecidas, os empresários sendo apenas uma minoria favorecida, mas que não deixa de ser minoria...
Paulo Roberto de Almeida

Sergio Leo disse...

Podemos combinar outra coisa, embaixador:
1) o diplomata tem preconceito já expressado neste blogue contra o repórter, que considera "linha auxiliar do governo". O repórter não concorda com essa avaliação e acredita que ela impede ao diplomata ler com isenção suas colunas e discutir o verdadeiro ponto expressado nelas.
O repórter tem preconceito, sim, contra explicações simplistas e definitivas, como a de que são os preconceitos do governo que impedem acordos com os países ricos. Já no governo FHC, sem preconceito, aparentemtne, o governo brasileiro se insurgia contra propostas essenciais da Alca, como os dispositivos em propriedade intelectual, as determinações em compras governamentais e as disposições sobre solução de controvérsias, que, diziam as autoridades anteriores a Lula, não eram aceitáveis pelo Brasil. (Dispostitivos aceitos pela Colômbia, por exemplo, mas que não ajudam a tirar do limbo no Congresso americano o acordo de livre comércio assinado com os colombianos e até hoje não aprovado em Washington _ certamente não por causa do sabido preconceito acima do rio Grande contra cucarachos).

Dizer que o que impede um acordo Mercosul-União Europeia seriam os preconceitos do governo petista não faz jus à reconhecida inteligência do diplomata e professor, respeitada pelo repórter, que entende e encoraja seu papel no debate político e partidário nacional _ ainda que nesse papel revele preconceitos insultuosos contra o jornalista.

A coluna crítica o protecionismo do empresariado nacional, embora manifeste respeito as posições do setor privado e admita que o Custo Brasil desequilibra as condições de competição com a concorrencia estrangeira. Mas o preconceito do diplomata e professor contra o repórter não o deixa reconhecer isso, a ponto de atribuir ao jornalista a afirmação de que não haveria protecionismo entre empresários _ enquanto a coluna diz explícitamente que empresarios pedem barreiras para proteger suas ineficiencias.

O repórter, sem preconceitos, aplaude a vocação democrática do diplomata e professor, que publica o contraditório nestes comentários. E aceita combinação num ponto: compartilha as restrições a políticas de cotas e endossa suas observações sobre o protecionismo no setor privado, que deveria trocar suas reivindicações de facilidades oficiais por pressão mais efetiva contra o Custo Brasil.