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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Bolsa-Familia: de volta a um grande embuste social (e um enorme equivoco economico)

Já escrevi e já postei bastante sobre o Bolsa-Família, um programa que eu classificaria, sem nenhuma hesitação, de um imenso curral eleitoral.
Em resposta tenho recebido comentários irados, alguns até ofensivos, por parte de gente que não se conforma com minha posição em relação a um programa que eles consideram como o suprassumo e a síntese das boas intenções sociais do atual governo.
Continuo afirmando minha oposição a um programa demagógico e economicamente nefasto para o futuro do Brasil, mesmo reconhecendo suas modestas virtudes "keynesianas" (a um custo que teremos todos de pagar mais adiante).
Abaixo uma elaboração econômica mais elaborada em torno do mesmo assunto...
Paulo Roberto de Almeida

O Programa Bolsa-Família e a farsa dos indicadores econômicos
Blog Arthur Golgo Lucas (Em busca de vida inteligente na Terra)
Pensar Não Dói, 12.08.2010

O Brasil vai de mal a pior, mas a população está iludida do contrário. O “progresso” percebido na redução da miséria é uma farsa: não foi feita qualquer distribuição real de renda, foi feito apenas um mascaramento temporário da desigualdade econômica. Devido a fatores quase sempre ausentes nas análises tanto dos “especialistas” quanto dos entusiastas, o Programa Bolsa-Família trará muito mais prejuízos que benefícios se continuar com seu atual formato.

Quando uma bola de neve rola montanha abaixo, todos os seus índices são positivos: seu tamanho aumenta consistentemente, sua velocidade aumenta consistentemente, sua inércia aumenta consistentemente.

Do mesmo modo, todas as projeções que se pode fazer levando em consideração qualquer série histórica de dados pertinentes à bola de neve são positivas: seu tamanho continuará a aumentar de modo previsível, sua velocidade continuará a aumentar de modo previsível e sua inércia continuará a aumentar de modo previsível.

Mas há um porém.

Em um determinado momento, devido a um fator alheio ao desenvolvimento registrado e ao desenvolvimento previsto da bola de neve, ocorrerá uma ruptura drástica e violenta no sistema.

Quando este fator se manifestar, não haverá tempo para corrigir a rota de desenvolvimento da bola de neve: não será possível modificar seu tamanho ou dividi-la em unidades menores para facilitar seu gerenciamento, não será possível desacelerá-la gradualmente para reduzir o impacto e não haverá modo de evitar que sua inércia – até aquele momento coerente com o rumo de seu desenvolvimento – se converta no maior fator de destruição e geração de caos jamais imaginado por quem estava analisando o desenvolvimento da bola de neve com base em seus indicadores históricos.

A mesma coisa está acontecendo com a economia brasileira.

Estamos assistindo uma farra de índices positivos: nunca antes na história deste país tanta gente saiu da miséria absoluta, tornou-se consumidor, aprovou tão intensamente um governo.

Com base nesta série histórica, projeções são feitas de que o Brasil vai crescer tanto em um ano, tanto em cinco anos e tanto em dez anos, sendo que tudo que é necessário é manter no governo as políticas que geraram estes resultados até agora.

É por isso que tanto o governo quanto a oposição reclamam a paternidade do Programa Bolsa-Família, que é o carro-chefe deste desenvolvimento aparente. Mas nenhum deles parece ciente – e, se está, esconde muito bem, porque seria suicídio eleitoral reconhecer isso – que este “desenvolvimento” não passa de uma bola de neve que vai colapsar logo adiante a não ser que este programa seja drasticamente modificado com urgência.

A grande falha técnica do Programa Bolsa-Família
O Bolsa-Família não redistribui renda.
O Bolsa-Família distribui dinheiro.


Renda é a soma dos valores pagos aos fatores de produção para obter o produto num determinado período. O Bolsa-Família não remunera os fatores de produção para obter um produto, o Bolsa-Família remunera a improdutividade. Portanto, o Bolsa-Família não distribui renda, ele apenas distribui dinheiro.

Mas o dinheiro tem que vir de algum lugar.

De onde vem o dinheiro distribuído pelo Bolsa-Família? Vem dos impostos diretos e indiretos sobre a renda (genericamente falando, não estou falando só de IRPF e IRPJ). Ou seja, o Programa Bolsa-Família parasita a renda para distribuir dinheiro.

“Parasita”?!?!
- Peraí, Arthur, você está chamando de “parasitismo” um programa social que tirou da miséria milhões de brasileiros? É isso mesmo?
É.

E não é “falta de sensibilidade social” da minha parte, não. Justamente pelo contrário. É por estar extremamente preocupado com o futuro de toda essa gente hoje enganada pelos benefícios transitórios de um programa altamente deletério no longo prazo que eu estou aqui dando a cara a tapa ao criticar a “menina dos olhos” da economia brasileira na atualidade.

Acontece que eu já vi um “milagre brasileiro” antes.
Na época do “milagre brasileiro” da década de 1970, a economia tinha todos os índices positivos e todas as projeções eram positivas.

Exatamente como hoje.
O problema é que aquele desenvolvimento aparente não passava de uma bolha de crescimento devida a fatores que não somente não aprimoravam como ainda por cima enfraqueciam a infraestrutura da economia nacional.

Exatamente como hoje.
Microeconomia X macroeconomia

Este é o axioma fundamental da microeconomia:
As pessoas reagem a incentivos.

E qual é o incentivo oferecido pelo Programa Bolsa-Família?
R: paga-se pela improdutividade, sem exigir do beneficiário qualquer contrapartida que o coloque no rumo da produtividade e da independência econômica.

Portanto, o Bolsa-Família estimula a dependência econômica do miserável ao estipêndio governamental.

Esta é uma notável ferramenta de formação de curral eleitoral em escala nacional, do mesmo tipo usado pelos “coronéis” do sertão que só permitiam o acesso dos miseráveis à água com a condição de que seus indicados fossem eleitos.

A diferença é que agora existem dois grandes “partidos-coronéis” oferecendo acesso a dinheiro a fundo perdido, sem exigir qualquer contrapartida de fato, cartelizando assim a política nacional.

Independentemente de qual sejam os valores praticados, o critério de escolha da população acabará sendo aquele que exigir menor esforço para a obtenção do benefício. Quem vai optar por pegar no pesado quando tem alguém oferecendo uma boca-livre?

Entre “Programa Bolsa-Família” sem contrapartida e “Programa de Qualificação Educacional e Profissional” com exigência de estudo com aproveitamento e trabalho efetivo e produtivo quando surgirem vagas, não é difícil prever qual será o preferido pela população miserável na hora do voto.

Miilhões de miseráveis respondendo individualmente ao incentivo para a acomodação na improdutividade representado pelo Programa Bolsa-Família produzirão um grande impacto macroeconômico: os postos de trabalho qualificado e melhor remunerados continuarão inacessíveis aos miseráveis, as forças realmente produtivas serão cada vez mais pesadamente taxadas e o empreendedorismo declinará devido às limitações de disponibilidade de mão-de-obra qualificada e ao custo crescente dos impostos necessários para sustentar uma imensa população de miseráveis economicamente estagnados.

Quando voltar a ocorrer um destes solavancos que freqüentemente sacodem a economia mundial, seja em função de uma catástrofe climática, do estouro de uma bolha especulativa nas bolsas de valores ou da falência de uma empresa gigante por má gestão ou por corrupção, a bola de neve da economia brasileira atingirá o vale ao pé da montanha com todo seu peso e velocidade, inexistindo mecanismo institucional e pacífico capaz de lidar com tamanha inércia cultural e econômica.

Então eu vou publicar aqui no blog um artigo intitulado “Eu te disse! Eu te disse! Eu te disse!“, mas não será grande consolo.

E tem solução?
Com esses políticos que temos aí, com uma imensa população de miseráveis que pensa com o estômago e com o grande contingente de iludidos que defendem cegamente os “avanços” ilusórios da economia brasileira, duvido.

O caminho correto, registro para que não me acusem de criticar sem propor soluções, é condicionar o recebimento do benefício do Programa Bolsa-Família ao estudo com aproveitamento e ao trabalho efetivo e produtivo quando surgirem vagas.

O Estado deve disponibilizar toda sorte de curso profissionalizante e de estímulo ao empreendedorismo, inclusive com linhas especiais de financiamento para a nano e microempresa. E deve gerir um grande banco de dados de vagas em convênio com a iniciativa privada, que será também utilizado para identificar em que áreas deve haver maior incentivo à formação profissional.

Se alguém abandonar os estudos ou se negar a trabalhar sem um motivo muito justo quando surgirem vagas, deve perder o benefício imediatamente.

Se alguém apresentar baixo aproveitamento nos estudos por simples falta de dedicação e esforço, após adequada avaliação e oferta de reforço pedagógico, deve perder o benefício imediatamente.

Se alguém não conseguir mesmo estudar nem trabalhar, então deve ser aposentado por invalidez permanente.

O que não dá pra fazer é estimular a população miserável a permanecer estagnada, dependente de uma esmola oficial e cativa da chantagem eleitoral dos coronéis desta nova versão de política clientelista em grande escala.

Não se trata, portanto, de eliminar o Programa Bolsa-Família, mas de corrigir sua rota para promover educação de qualidade, qualificação profissional e verdadeiro desenvolvimento econômico.

Arthur Golgo Lucas – www.arthur.bio.br – 12/08/2010

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3. Lei da Palmada trará prejuízos irreparáveis à família e à sociedade
4. Viva a “família-de-comercial-de-margarina”!
5. A incompreensível natureza humana

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AVISO PREVENTIVO (PRA):
Quem quiser comentar sobre este post, está obviamente livre de fazê-lo, mas para evitar repetição dos mesmos equívocos já ocorridos, alguns até desagradáveis, alerto que são bem-vindos comentários substantivos, com argumentos se possível inteligentes sobre o tema em questão, em seu foco preciso, ou seja, os efeitos econômicos do Bolsa-Família e suas consequencias mais amplas para a economia e a sociedade brasileiras.
Comentários que se destinem a ofender, ou a atirar sobre o pianista, serão sumariamente descartados.
Paulo Roberto de Almeida

7 comentários:

Glaucia disse...

Bem, professor, continuo por aqui, às vezes. Não discuto a metáfora da bola de neve - pode-se dizer o mesmo de qualquer economia em crescimento, sob quaisquer circunstâncias. Mas envio o seguinte link, chamando a atenção para a tabela dois.

http://www.economist.com/node/16690887?story_id=16690887&CFID=135091327&CFTOKEN=50379403

E observo a estranha resistência de quem constrói esse tipo de modelo a comparar a teoria que professa com os números do desemprego, do emprego formal, da educação e do empreendedorismo - em especial cruzando-os com os dados do bolsa-família. Estou certa de que todos os números estão facilmente disponíveis.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Eu já conheço essa matéria da Economist, tanto que a postei por aqui, no original ou numa tradução para o Português.
Nem você, nem a Economist, nem o Banco Mundial, conseguirão mudar certas regras básicas da economia: se o governo está dando algo a alguém, é porque retirou de outra pessoa. Então, se permitiu o consumo de B, é porque diminuiu o consumo (ou a poupança, o investimento) de A, e essa equação não tem santo que consiga mudar, a não ser que você consiga me provar que o governo, preclaro como ele é, conseguiu obter o milagre da multiplicação dos pães.
O que o governo está fazendo é taxando você, que me lê, para entregar a Sicrano, que não me lê, mas que está muito contente em receber um extra para consumir, sem precisar se esforçar para isso, basta ser "pobre".
Não tente me provar que a frequência escolar subiu por causa do Bolsa-Familia pois isso seria uma redução ao absurdo.
A Bolsa-familia não tem absolutamente nada a ver com o emprego formal, o empreededorismo, com a redução da pobreza, com a dominuição da desigualdade, apenas e tão somente com a transferência do seu dinheiro (e do meu) para quem poderia estar trabalhando para ganhar o dele...
Apenas isso.
Paulo Roberto de Almeida

Glaucia disse...

Bem, Professor, não me obrigue a usar o argumento ad hominem sobre se os dois vivemos ou não de um valor pago pelo justo valor de mercado de nosso trabalho...escrevo um comentário publicável em seguida.

Glaucia disse...

Aceito totalmente o argumento de que um programa de redistribuição de renda, bem...redistribui renda.

(não, ele não produz renda - redistribui; pode-se trocar a palavra "renda" por "almôndegas", se ajudar, mas observo que obrigar a trabalhar ou estudar tampouco transformaria os conceitos econômicos envolvidos; e, digamos, juízes também pagam imposto de renda, não é? A palavra é no mínimo equívoca)

Ninguém discute que se trata precisamente disso: entregar dinheiro de quem recebe o suficiente a quem não recebe o suficiente, com base em critérios bastante claros de suficiência. O debate é se esse programa tem efeitos positivos ou negativos - afinal, nosso objetivo comum é melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro de forma sustentável, não?

E aí me parece que os que argumentam por efeitos negativos só conseguem, depois de 10 anos, apontar para um potencial futuro apocalíptico, tão bíblico quanto o maná que cai do céu. E mais, não o fazem com números aferíveis e sim com parábolas e metáforas. ou seja, não propõem qualquer hipótese falseável. Parábolas, metáforas e consideração sobre a natureza humana há para todos os gostos.

Meu ponto é só que o debate, para ser qualificado, precisa atentar para os números. Há um limite nas ciências sociais no qual parábolas e considerações sobre a natureza humana precisam encontrar respaldo em efeitos concretos - se queremos manter um debate laico, isto é. E, ao que me parece, não há um só estudo que consiga comprovar os tais efeitos perversos do BF com base em números. Nem que o programa esteja gerando déficit insustentável, nem que os efeitos sociais perversos associados a ele estejam ocorrendo.

Ao contrário, os números parecem indicar que nos últimos dez anos - e acentuadamente nos últimos quatro ou cinco - há mais emprego, mais formalizado, e mais gente estudando. A situação educacional é ainda terrível, mas a melhora parece justamente acompanhar os programas de redistribuição de dinheiro, e creio que há como teorizar facilmente essa correlação - uma família com renda é capaz de mandar crianças para a escola; uma sem renda, não.

O ano é eleitoral, mas a academia precisa manter a cabeça no lugar. Se há números e dados (novamente, já são dez anos), que se os produzam. Há mais dados vindo agora com o censo, não é possível culpar a ausência deles. Se a teoria contraria a realidade empírica, não é possível eternamente desqualificar a segunda. É a primeira que se precisa repensar.

Ou então que se produzam os números da tragédia. Gostaria, sinceramente, de vê-los, e estou disposta a mudar de opinião.

Anônimo disse...

Estímulo à ociosidade??? Olha, até entendo que se use esse tipo de argumento quanto aos programas assistenciais de alguns países europeus que pagam por exemplo 1000 euros pra um casal com um filho (http://www.dw-world.de/dw/article/0,,5231015,00.html), mas R$70,00 a R$140,00 ??????
Francamente... encontre onde estão os exemplos de pessoas que consegue sobreviver SOMENTE com o bolsa família, e mudarei de opinião.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Não adiantaria nada eu desfilar dezenas de dados, centenas de números, estatísticas diversas em torno distorções que estam sendo acumuladas na economia brasileira, e sobre os sinais equivocados que estão sendo construídos em torn da distribuição dos fluxos de renda entre os agentes econômicos -- de um lado, pagadores líquidos, de outro receptores líquidos -- que você não ficaria convencida, e continuaria a afirmar que o BF é um grande programa de "redistribuição de renda", que ele melhora a vida dos brasileiros -- o que supostamente é o mais importante -- que o governo está cumprindo o seu papel, de repassar um pouquinho dos que têm muito para os que não têm nada, enfim, que tudo é assim porque deve ser assim e ponto final.
Acredito, talvez, que você deveria seguir uma simples recomendação que figura no frontspício do livro de Steven Landsburg, The Armchair Economist, que se não me engano (estou a milhares de kms do meu livro) dizia mais ou menos o seguinte: "All economy is about incentives. The rest is a long commentary".
Estamos simplesmente criando no Brasil uma economia com os estímulos totalmente errados.
Não vá reclamar, depois, que o Brasil criou uma economia inviável.
Eu só poderei dizer: não foi por falta de aviso...
Paulo Roberto de Almeida

Anônimo disse...

Senhora Glaucia, sou trabalhador e chego a trabalhar 15 a 16 horas por dia, trabalho em meu emprego e no meu sitio...
Enquanto vejo muitos que não querem trabalhar e vivem a colocar mais e mais filhos no mundo para receber mais bolsa familia e mais auxilio maternidade...
Sei de gente que faz filho para receber o auxilio maternidade para comprar motocicleta...
O problema não é ajudar estas pessoas, o problema é que muitos não querem trabalhar que é para continuarem a serem ajudados...
A pessoa diz que não tem condições financeiras, ja tem 4 ou 5 filhos e vive de bolsa familia... ai vai e faz mais um filho e passa a receber mais???
O que que é isto???
É um absurdo, temos que pagar tantos impostos para sustentar quem muitas vezes não quer trabalhar e pensa que tem que ganhar tudo de graça...
Se tivese que traballhar para ganhar o bolsa familia, te garanto que a maioria não iria querer entrar no programa.
Tem que transformar o bolsa familia em bolsa emprego, a pessoa trablha e então ganha o beneficio...
Claro que se a pessoa esta doente deve receber sem trabalhar, mas se esta bem de saúde tem que trablhar.
É capaz de chegar ao ponto de ter mais gente recebendo o bolsa familia do que gente trabalhando...e dai como é que fica???
E se todos cruzarem os braços???Quem sustenta quem???