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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Fim de consenso na diplomacia brasileira - Pedro da Motta Veiga

Muito tempo atrás, há pelo menos quatro anos, eu já havia detectado o desaparecimento desse suposto consenso, neste pequeno trabalho:

Fim de consenso na diplomacia?
O Estado do Paraná
(Curitiba, sexta-feira, 27/10/2006, Opinião, p. 4)

Não estando mais disponível online, transcrevo-o in fine.
Paulo Roberto de Almeida

A política externa sob Lula - o fim do consenso
Pedro da Motta Veiga
O Estado de S. Paulo, 16/08/2010

No final dos anos 90 e início da primeira década do século 21, o que chamava a atenção dos analistas da política externa brasileira era a resiliência do paradigma de política. Essa continuidade se impunha apesar das importantes mudanças por que o País passara na década de 90: liberalização comercial e do regime de investimentos, participação num número significativo de negociações comerciais ambiciosas, etc. Em relação a este quadro, a década que termina trouxe importantes alterações. Novos fatores domésticos se desenvolveram e passaram a influenciar o desenho da política externa. De um lado, registra-se o surgimento de interesses econômicos ofensivos nas negociações internacionais, em contraste com nossa tradição defensiva. De outro, emergiram objetivos propriamente políticos na agenda internacional do Brasil.

Enquanto o primeiro fator traduz transformações estruturais da economia - o surgimento do agribusiness competitivo e de empresas transnacionais brasileiras -, o segundo resulta de decisão política, mas certamente se apoia em evoluções internas e externas que tornam possível sua emergência.

A principal modificação introduzida pelo governo Lula no paradigma que dominou a estratégia externa brasileira nas últimas décadas é a valorização da dimensão propriamente política da estratégia e o condicionamento dos objetivos econômicos à "variável política". Agora, eles passam a ser perseguidos dentro de um quadro de prioridades e restrições definido por uma visão política.

Em algumas frentes, política e economia podem divergir, como atestam críticas empresariais à submissão das negociações comerciais a objetivos políticos. Em outras, porém, política e economia convergem e se alimentam reciprocamente, na lógica do que Luiz Werneck Vianna chamou "um bismarquismo tardio": campeões nacionais apoiados pelo Estado se projetam em escala transnacional e fazem o contraponto empresarial à busca estatal por protagonismo internacional. Negócios privados significativos são gerados para empresas brasileiras na esteira das amizades presidenciais na América Latina e legitimam, no setor empresarial, a entrada da Venezuela no Mercosul.

A perda de relevância relativa da lógica econômica em beneficio da política está na origem do distanciamento do País, nos últimos anos, do pragmatismo que prevaleceu nas décadas anteriores. Os que criticam a política externa de Lula por ter abandonado os princípios de uma política de Estado, substituindo-a por uma linha de ação ideológica, referem-se a duas evoluções. Primeiro, apontam para essa distância em relação ao pragmatismo e aos objetivos econômicos que a introdução da política gera na estratégia externa brasileira. Mas esse tipo de crítica à "ideologização" da política externa ainda aponta para uma divergência quanto aos valores (políticos) que estariam guiando a estratégia externa do País recentemente. Ora, um valor político central veiculado pela diplomacia do governo Lula é o explícito questionamento da distribuição do poder no cenário global. A importância dessa "grade de leitura" da ordem internacional para a estratégia externa do governo aparece na já citada esfera das negociações comerciais, mas também nas alianças preferenciais (Brics, Ibas, etc.) feitas pelo País em diferentes foros nos últimos anos.

A prioridade concedida à redistribuição de poder em escala mundial justificaria, para os defensores dessa visão, não só uma postura de resistência a regimes internacionais politicamente injustos e economicamente intrusivos, mas também a aproximação com países cuja estratégia de emergência internacional se baseia num anti-hegemonismo ostensivo.

Mas, no debate interno do Brasil atual, a passagem do questionamento da hierarquia de poder definida pela ordem global vigente - considerado legítimo por críticos da política - à aproximação com regimes de estratégia de emergência internacional anti-hegemônica tem sido cada vez mais criticada. Esse questionamento tem duas dimensões. Uma é de ordem estratégica: aproximar-se de países anti-hegemônicos é uma política adequada para promover a emergência de um mundo multipolar e nele posicionar o Brasil como interlocutor incontornável? Outra é da ordem dos valores políticos: questionar a ordem global estabelecida justifica desconsiderar preocupações com a defesa dos direitos humanos e das liberdades democráticas?

Na diplomacia de Lula - e sobretudo na do seu segundo governo - o questionamento da ordem global como fim (e não meio) assumiu a posição de valor político principal, sobrepondo-se a outros, como o respeito aos direitos humanos. Estes são vistos, por alguns defensores da política, como problemas essencialmente domésticos dos Estados nacionais e, por outros, como valores "ocidentais" promovidos para ocultar os interesses estratégicos dos países hegemônicos.

Uma presença maior do País na agenda mundial exige efetivamente o enfrentamento, pela política externa, da questão dos valores políticos que a devem nortear. Em vez de criticar a "ideologização" da política externa de Lula, que nada mais é do que a expressão de uma visão política do mundo e da estratégia do País, seus críticos devem explicitar e defender seus próprios valores e sua concepção de ordem internacional.

DIRETOR DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)

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Fim de consenso na diplomacia?
Paulo Roberto de Almeida

Um levantamento efetuado com base nas matérias sobre a diplomacia do governo Lula, publicadas em revistas especializadas e na imprensa diária, revela algo inédito nos anais da política externa: pela primeira vez, ela deixou de beneficiar-se do tradicional consenso a que essa diplomacia estava habituada. Com efeito, mesmo em momentos nos quais a política externa apresentou aspectos de ruptura – como a “política externa independente” de Jânio-Jango (1961-1964) ou o “pragmatismo responsável” da dupla Geisel-Azeredo (1974-1979) –, ela recolhia, ainda assim, a aprovação da opinião pública, que julgava que as inflexões eram necessárias e mesmo bem-vindas.
Não parece ser o caso agora, quando diversos setores– empresários, jornalistas de opinião ou mesmo diplomatas aposentados – manifestam-se contra a atual diplomacia, acusando-a de ser partidária, ideológica e anacrônica. Em contraste, no seio da esquerda e entre vastos segmentos da universidade ela goza de virtual consenso, o que não ocorre, por exemplo, com a política econômica, acusada, nesses mesmos meios, de “neoliberal”. Iniciada sob promessas de mudanças na forma e no estilo, assim como em sua substância, a política externa de Lula – que guarda conexões evidentes com as posições de política internacional do PT – vem sendo calorosamente defendida por simpatizantes na academia e na imprensa, tanto quanto vem sendo atacada, com o mesmo ardor, por outros analistas.
No primeiro grupo figuram acadêmicos e jornalistas que sempre foram solidários com o PT, quando não integram seus quadros. Existem também aqueles que, sem dar apoio direto, encaram positivamente a política externa, naquilo que ela representaria de defesa dos interesses nacionais, em face, por exemplo, de pressões dos EUA para favorecer a criação da Alca ou no sentido da adoção de uma posição mais dura em relação a regimes considerados “desviantes” na América Latina.
O segundo grupo abriga os que se mantêm em postura independente ou que têm assumido uma atitude crítica em relação a essa política, ademais dos que poderiam ser classificados como “oposicionistas declarados”. Alguns analistas do meio acadêmico se opõem à política externa, não por qualquer predisposição oposicionista, mas por julgá-la em seu próprio mérito e concluir que ela rompe tradições diplomáticas. Os mais críticos julgam que a política externa atual não logra alcançar, ao contrário do que é proclamado, os objetivos pretendidos, sacrificando posições de princípio e os interesses nacionais.
Os “apoiadores benevolentes” consideram a política externa de Lula adequada e necessária ao Brasil, que deveria ser capaz de afirmar-se de forma soberana nos contextos regional e mundial, possuir um projeto nacional de desenvolvimento e buscar reduzir o arbítrio e o unilateralismo ainda presentes no cenário internacional. Trata-se de um grupo expressivo, tendo em vista a conhecida dominação da academia pelo pensamento de esquerda, pelo menos na área das humanidades.
Os opositores declarados, por sua vez, consideram essa política uma emanação tardia do terceiro-mundismo dos anos 1960-80, exacerbada pela adesão equivocada a regimes autoritários e marcada por um antiimperialismo infantil. Eles criticam a retórica “terceiro-mundista”, contrariamente a uma atitude pró-ativa em favor da globalização que seria seguida, aliás, pela China e pela Índia, os dois “parceiros estratégicos”. As iniciativas “mudancistas” representariam ilusões de mudança nas “relações de força” ou da “geografia comercial” do mundo e os fracassos nas negociações comerciais adviriam do próprio estilo de atuação, chamado por alguns de “ativismo inconseqüente”.
O governo investiu na nova postura, representada pela multiplicação de iniciativas nas mais diversas frentes de atuação, daí a caracterização de “ativa e altiva” dada pelo chanceler à nova diplomacia. A postura foi bem acolhida nas bases do governo e recolheu apoio dos aliados, ao passo que os críticos preconizam o abandono dos “velhos mitos”. À medida que reveses foram sendo registrados em algumas frentes de atuação, como nas relações com os vizinhos, a condescendência com as “novas roupas” da diplomacia foi dando lugar a críticas cada vez mais acerbas quanto a seus resultados efetivos.
Os elementos inovadores da política externa do governo Lula não deveriam, talvez, ser buscados no seu discurso e na atuação diplomática, mas sim no próprio fato de que, pela primeira vez na história da diplomacia brasileira, a palavra e a prática nesse campo já não recolhem o consenso da sociedade.

Paulo Roberto de Almeida é doutor em ciências sociais, diplomata de carreira e autor do livro O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (www.pralmeida.org).

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Publicado no jornal O Estado do Paraná (Curitiba, sexta-feira, 27.10.2006, Opinião, p. 4;

Um comentário:

Mário Machado disse...

Oxalá que o fim desse consenso seja o caminho para que a política externa se torne de fato uma política pública, no sentido que sua formulação seja fruto da negociação democrática entre as várias correntes de opinião.

Não por dúvidas quanto a competencia dos diplomatas brasileiros, mas por que algo tão importante não pode ser cuidada por tecnocratas sem um escrutinio público.

(perdão por eventuais erros de ortografia, remédios para gripe diminuem minha atenção)

Abs,