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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Politica comercial e economia brasileira - Marcelo de Paiva Abreu

Dois artigos recentres do conhecido economista e historiador econômico, sobre as escolhas, itinerários e futuro das políticas econômicas, especificamente da política comercial, seguidas e a seguir pelo Brasil, um dos quais já pode ter sido postado aqui (mas recebi-os ao mesmo tempo, do próprio).
Creio que vale a pena ler, ou reler, seus argumentos, não aceitos por muitos, mas dificilmente contestáveis.
Paulo R. Almeida

Momento decisivo e volta ao passado
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, 9 de agosto de 2010, p. B2.

Com o benefício da visão retrospectiva não é difícil detectar momentos decisivos na história econômica brasileira. Para citar alguns mais recentes: a Grande Depressão de 1928-1932; o fim da 2.ª Guerra Mundial; a estagnação combinada à aceleração inflacionária do início da década de 1960; o primeiro choque do petróleo e as respostas equivocadas das autoridades brasileiras; o segundo choque do petróleo e o início da longa estagnação com inflação alta em 1980; e o sucesso da estabilização com o Plano Real em 1993-1994.

A economia brasileira começou a viver, talvez a partir de 2004, outro momento decisivo, com aceleração do crescimento, ainda que modesto, política macroeconômica prudente e sustentada, sucesso continuado na redução das distorções redistributivas e perspectivas de crescimento ainda mais rápido com as descobertas do pré-sal. A recessão de 2008-2009 ofuscou temporariamente essas novas perspectivas, embora o melhor desempenho da economia brasileira em comparação com o quadro mundial já refletisse a nova realidade.

Desenvolvimentos recentes, estimulados pelo ciclo eleitoral, têm contribuído para complicar o quadro. Tendem a comprometer um momento decisivo que parecia ser o início de um longo período de crescimento rápido e sustentado com maior equidade distributiva. O governo tem mostrado disposição em aumentar o nível de dispêndio muito além do que poderia ser recomendável com base em argumentos contracíclicos. Paralelamente, ganham força ideias e políticas relativas ao papel do Estado e ao protecionismo que deixaram de funcionar ao final da década de 1970.

O discurso da candidata governista quanto ao papel do Estado indutor e à proteção contra a concorrência das importações revela ideias não muito diferentes das ventiladas por Roberto Simonsen, em meio a um outro momento decisivo da história econômica brasileira, em seu debate com Eugênio Gudin, há quase sete décadas. Em meio à percepção de que se aproximava o fim da 2.ª Guerra Mundial, houve debate acirrado sobre a melhor estratégia econômica para o País. Roberto Simonsen, alto dirigente da Fiesp, defendeu a posição de que deveria ser preservada a função indutora do Estado na economia, inclusive na produção de bens e serviços. Além disso, dadas as dificuldades competitivas da indústria, deveriam ser preservadas as políticas protecionistas herdadas do passado. Eugênio Gudin, seu opositor, profissional com ligações com empresas estrangeiras provedoras de serviços públicos, defendeu posições contrárias: redução do papel do Estado e da proteção à indústria ineficiente. Gudin era melhor economista e venceu o pobre debate técnico, afinal sabia a diferença entre valor da produção e valor adicionado. Mas foi a visão estratégica de Simonsen que prevaleceu no longo prazo: até o início da década de 1990 a presença significativa do Estado na economia e a alta proteção do mercado doméstico foram dois pilares da estratégia econômica brasileira. Mas esta se esgotou já na década de 1970.

Um assunto que não ocupou posição de destaque no debate Simonsen-Gudin teria importância crucial. A inflação brasileira durante a guerra acelerou até os 20% anuais. Após 1945, a incapacidade de reduzir a inflação, combinada à lei da usura, impediu que o governo se financiasse e levou à adoção de políticas macroeconômicas insustentáveis. No final dos anos 50, começo da década de 1960, as receitas do governo mal pagavam a metade de seus gastos. Enquanto a economia crescia, a situação parecia sustentável, mas a combinação de queda do nível de atividade com inflação alta e efervescência política abriu caminho para o golpe de 1964.

A candidata governista defende o aumento do peso do Estado na economia. Isso inclui a produção de bens e serviços, a exploração do poder de compra estatal como instrumento de proteção e o financiamento indiscriminado de empresas via política de aleitamento do BNDES. Com os ajustes cabíveis, é a reedição do programa de Simonsen em 1944, sem preocupação de aprender com os erros. Há espaço para ação do Estado: assegurar a segurança pública, tornar expedita a provisão de justiça, adotar política externa coerente e responsável, educar a população, formar mão de obra especializada, regular eficazmente as atividades econômicas, corrigir distorções de mercado por meio de subsídios com vigência programada, adotar política de eficaz estímulo à inovação. Mas o ativismo da candidata a impele a adotar posição extremada e equivocada sobre o tema.

E a política macroeconômica? Do lado monetário há o recente compromisso da candidata, não totalmente convincente, em relação ao papel do Banco Central. Do lado fiscal, a implícita aprovação da acomodação de gastos crescentes por meio do aumento da carga fiscal. Nada sobre controle de gastos, embora os limites para a expansão da carga fiscal sejam óbvios. Seria desejável que seus opositores se posicionassem quanto à definição da estratégia econômica. Pelo menos para estimular a candidata a rever seu dogmatismo.

*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é Professor Titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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Vender não é preciso

Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, 9 de agosto de 2010
Suplemento "Desafios do Novo Presidente", p. H11.

Avaliar os rumos da política comercial do sucessor de Lula requer análise do que foi a política comercial brasileira nos últimos oito anos e a partir daí considerar os cenários básicos de continuidade ou ruptura, dependendo da vitória de Dilma Rousseff ou de José Serra.

Até mesmo os mais entusiastas defensores da política externa patrocinada pelo triunvirato Garcia-Amorim-Guimarães terão dificuldade em listar iniciativas de política comercial que tenham tido real relevância nos dois mandatos do presidente Lula. A predominância dos objetivos estritamente políticos na agenda de política externa foi marcante. Só as fracassadas negociações multilaterais na OMC caracterizaram exceção importante. Mesmo assim, a sua prioridade na agenda do Itamaraty decorreu em boa medida de argumentos políticos relacionados à posição proeminente do Brasil na coalizão do G-20 a partir do fracasso da reunião de Cancún, em 2003.

No mais, o que se viu foi o enterro da ALCA depois de longa agonia, já iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, e uma postura de protelação sistemática de qualquer solução durável das inúmeras dificuldades de implementação de um Mercosul para valer. No colapso da ALCA, o governo quase que fez questão de proclamar prematuramente a sua aversão a uma iniciativa de integração hemisférica que incluísse os EUA. E, no entanto, parecia óbvio que a ALCA não poderia prosperar sem que houvesse disposição política do governo dos EUA quanto a concessões agrícolas, especialmente ao Mercosul.

As "alianças estratégicas" com as grandes economias em desenvolvimento restringiram-se a juras de cooperação política. As preferências negociadas com Índia e África do Sul retratam bem a mediocridade das ambições de liberalização comercial. A escolha da França como "parceiro estratégico" desenvolvido, manifestação indireta das reticências em relação aos EUA, não teve implicações práticas em fazer avançar as negociações comerciais estagnadas com a União Europeia. De fato, vista de Paris, a parceria estratégica parece ganhar proeminência quando se trata de vender caças e ficar inativa quando se trata de fazer concessões agrícolas relevantes.

A posição do Brasil foi ativa e construtiva nas negociações da Organização Mundial do Comércio que atolaram em 2008. Foi talvez o único bom momento da política externa brasileira desde 2003. Mas mostrou-se inviável manter a coesão do G-20. O Itamaraty, entusiasmado com a liderança brasileira, e com o olho no almejado Conselho Permanente da ONU, subestimou as diferenças entre os interesses comerciais do Brasil, produtor agrícola eficiente, e os da China e da Índia. O G-20 foi bom de bloqueio, mas ruim de ataque. Enquanto o Brasil pensava em G-20, China e Índia pensavam em G-33 e G-90, coalizões comprometidas com o protecionismo agrícola.

E a política comercial de Dilma e Serra? Nada indica que a eleição de Dilma possa significar ruptura relevante em relação à sua herança. Grandes negociações comerciais bilaterais ou multilaterais parecem improváveis. Nas negociações na OMC, o Brasil mostrou pouca disposição em reduzir significativamente as suas tarifas sobre produtos industriais. Dada a reciprocidade que caracteriza as negociações na OMC, o espaço para redução do protecionismo agrícola, demanda principal brasileira, foi restrito pelas limitações das ofertas tarifárias industriais das economias em desenvolvimento. Há indícios claros de recrudescimento do protecionismo no Brasil como, por exemplo, a provisão extremamente generosa de crédito público subsidiado e o tratamento preferencial de provedores nacionais nas licitações públicas. A nostalgia protecionista sugere que a escassa margem de manobra nas negociações comerciais poderá ter sido ainda mais reduzida. A ênfase da candidata na defesa da participação ativa do Estado na provisão de bens e serviços agrava este quadro. A mixórdia do Mercosul não parece preocupá-la. Por outro lado, alguns de seus comentários têm indicado ser bastante improvável uma reversão da postura antiamericana que caracteriza a diplomacia do atual governo (a despeito de desmentidos meio perfunctórios). No melhor dos casos, mais do mesmo?

José Serra tem feito críticas à política externa de Lula e demonstrado preocupação em perseguir substância em lugar de forma. Fez críticas também à postura do Brasil em relação ao Irã e - provavelmente menos razoáveis - à Bolívia. Tem insistido na necessidade de uma política comercial "agressiva", sem detalhar quais seriam os alvos preferenciais das possíveis iniciativas brasileiras. Sua insatisfação com o estado de coisas quanto ao Mercosul é conhecida. Acredita, e tem razão, que são custosas as limitações impostas por parceiros do Mercosul, e especialmente a Argentina, a possíveis iniciativas brasileiras de celebração de acordos comerciais bilaterais. O que não está elucidado é se José Serra, como presidente, realmente renegará seus entusiasmos protecionistas e se realmente acredita que "um libera de um lado, outro de outro; num acordo bem feito os dois saem ganhando".

A política comercial que melhor serviria aos interesses nacionais deveria estar calcada na simultânea redução do protecionismo no Brasil e nos seus parceiros comerciais através de acordos bilaterais e no âmbito da OMC. Deveria ser combinada à maciça renovação da infraestrutura e a políticas efetivas de inovação tecnológica e educacionais que melhorem a capacidade competitiva brasileira. Os dois candidatos parecem longe desse programa. Dilma mais longe do que Serra.

*Doutor em Economia pela Universidade de Cambridge, é Professor Titular do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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