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domingo, 23 de janeiro de 2011

A ideologia do afrobrasileirismo: o debate continua...

Fui distinguido por uma chamada deste meu post:

A ideologia do afrobrasileirismo - um artigo PRA de 2004

no blog de meu colega de combates acadêmicos e debates intelectuais Orlando Tambosi, neste link: http://otambosi.blogspot.com/2011/01/afro-brasileirismo-apenas-uma-ideologia.html

E também por um extenso comentário do leitor sempre atento Paulo Araujo, que me permito transcrever aqui, in totum, para que não se perca como simples nota de rodapé.
Permito-me também esclarecer-lhe que conheço, desde longa data, o diário de Hipólito da Costa, de sua viagem aos Estados Unidos em 1798-1799, "Diário de Minha Viagem à Filadélfia", tendo escrito diversos trabalhos a respeito desse livro, cujas referências vou buscar para fazer um post especial, pois ele merece, nosso patrono do jornalismo independente, futuro editor do Correio Braziliense (editado em Londres, de 1808 a 1823).

Segue o comentário:

paulo araújo disse...

Caro Paulo

É o retorno ao idealismo chulé anti-iluminista pomposamente denominado pós-modernismo. Vivemos neste começo de século sob o império de uma metafísica cada vez mais influente: o relativismo. Tudo é discurso. E nesse plano discursivo, no qual o que é efetivo (histórico) é denunciado como “um texto a mais entre outros”, o que de fato existe é o trabalho incessante da construção e da desconstrução de narrativas. Assim, e todos estariam livres para, no plano narrativo, reeditar a realidade (o efetivo) do modo que bem entenderem. Assim, ganha quem grita mais alto.

O afrobrasileirismo, vertente ideológica “africana” do multiculturalismo, seria, então, mais uma trincheira na luta contra o imperialismo cultural, finalmente desvelado na pós-modernidade em sua forma de uma pretensa “racionalidade mais elevada”, mas que apenas legitima, no passado e no presente, a destruição de outras culturas.

Observo que em um outro pólo dessa discursividade descontrutivista é cada vez mais generalizada a denúncia de um outro engodo: “os americanos”. Os discursos pseudo-científicos do meio intelectual penetram o meio jornalístico e este, por sua vez, executa a sua função de caixa de ressonância do neologismo “os estadunidenses”.

Hipólito José da Costa partiu de Lisboa em 10 de outubro 1798 para os EUA, a serviço do governo português e a mando de D. Rodrigo de Souza Coutinho (futuro conde de Linhares). Partiu a bordo da corveta americana William e no mesmo dia iniciou um diário pessoal, que manteve atualizado até 27 de dezembro de 1799.

Em 1955 a ABL, na Coleção Afrânio Peixoto, publicou o diário sob o título DIÁRIO DA MINHA VIAGEM PARA FILADÉLFIA (1798-1799). Recomendo vivamente. Comprei o meu exemplar bem baratinho em sebo de SP. Acho que foram só R$ 12,00.

Tudo isso para lhe dizer que o neologismo "estadunidense" seria impossível na época de Hipólito. O tempo todo Hipólito registra que está na América, e quando se refere aos cidadãos da primeira república do mundo moderno ele os designa sempre por "os americanos". Por que? Simples. Era inconcebível para um europeu, mesmo que natural da Colônia do Sacramento, afirmar uma identidade (ou uma alteridade) americana ou mesmo brasileira. Ressalvo que dizer-se brasileiro na época de Hipólito, e até mesmo durante quase toda metade do século XIX no Brasil, era algo bem mais ligado à naturalidade, semelhante ao que hoje são os naturais de SP, MG, RJ, RS etc. Mesmo exilado em Londres, Hipólito pensava-se e agia como um integrante do império português e súdito de SAR. E também era assim com os espanhóis naturais das colônias hispânicas.

No entanto, os relativismos e seus ideólogos, que hoje nos aborrecem e nos insultam (vide a defesa dos direitos ao apedrejamento de mulheres no Irã e ao infanticídio entre populações indígenas no Brasil ) com o discurso multiculturalista politicamente correto, ignoram a história e, paradoxalmente, negam o direito dos cidadãos dos EUA a sua autodenominação original, nascida com a Revolução Americana: americanos. Ou seja, a cidadania e a conseqüente identidade americana forjaram-se sobretudo na guerra de libertação contra o opressivo e absolutista colonialismo inglês: americanos contra ingleses. Ao contrario do que propaga a ideologia antiamericana, essa identidade não foi roubada dos americanos nascidos no Continente (e afinal, essa identidade nem sequer existia), mas foi historicamente constituída como fato histórico absolutamente novo no Continente pelos cidadãos fundadores dos Estados Unidos da América. Já os britânicos do Canadá permaneceram, nessa ocasião, súditos fieis de Sua Alteza Real George III.

Sábado, Janeiro 22, 2011 11:09:00 PM

2 comentários:

paulo araújo disse...

Caro

Transcrevo abaixo uma interessante passagem do Diário.

Hipólito passou o seu 4 de julho em New York, com população que ele estimou, com dados de 1795, em 52.272 habitantes:

“Hoje se celebrou aqui o aniversário da declaração da Independência da América, e declaração dos direitos do homem, o que se costuma fazer todos os anos. Juntaram-se todas as milícias da cidade, em uma rua (porque aqui não há praças), e um corpo de artilharia de milícia em um lugar chamado Bateria, as diferentes frondescentes sociedades particulares que aqui há, isto é, a Sociedade Democrática, a Sociedade dos mecânicos (coperssociety), a Sociedade Ordem Colúmbia, a Sociedade dos Carreiros, etc., etc., etc., e quando estas sociedades chegaram à Bateria, salvou a artilharia, e depois se formaram em ordem de procissão, deste modo.” 1º, as companhias de uniforme; 2º, os Estandartes americanos; 3º o côro de música; 4º,; o orador e o que tinha que ler a Declaração da Independência, 5º, os oficiais que tem patentes (comissioned officers); 6º, os moços cidadãos em duas filas. Procederam desse modo para uma igreja onde se leram do púlpito as orações depois do que repiquaram todos os sinos, e a procissão se recolheu à bateria onde houve segunda salva. À noite se decoraram três jardins que há (que, inda que particulares, estão abertos ao publico por uma certa paga), iluminando-se, com bandas de música, etc.

Continua na página 151. Vale a pena conferir o registro do estranhamento de Hipólito, que anotou criticamente na parada cívica do 4 de julho “os uniformes ricos, mas demasiado finos e ornamentados, de modo que me pareceram mais soldados para o teatro, que para a campanha”.

Seu olhar europeu viu na comemoração uma incomum “bagunça” nas hierarquias, nos fardamentos, na disposição “desorganizada” dos corpos de artilharia, infantaria. O fato incomum, que mereceu a observação curiosamente crítica de Hipólito, foi uma certa indistinção hierárquica observada durante as comemorações. “Em uma palavra: não sabiam nada de etiqueta militar, e o que mais me admirou foi ver muitos oficiais que tinham servido na guerra da América, pois tinham a Ordem do Cincinatus”.

Ao que me parece, escapou a Hipólito a compreensão de que não havia ainda nos EUA um exército regular e profissional completamente distinto das milícias e sociedades de cidadãos das mais variadas origens sociais ou profissionais que lutaram “na guerra da América”.

Para mim, a descrição pareceu familiar. Trouxe-me à lembrança as paradas cívicas de NY, ao menos como eu as vi em documentários e filmes de Hollywood.

Abs.

Mário Machado disse...

O tal estadunidense é além de tudo que foi muito bem explanado pelo Paulo Araújo é horrível. E muito mais que um simples termo é em si uma palavra código que trás toda uma ideologia embutida.

Quanto ao relativismo absoluto (se me permitir a troça) é cada vez mais comum e a principal desculpa para que se tolere com as graves violações de Direitos Humanos. Mas, somente nos países que inimigos dos estadunidenses. Se for um estado ocidental, bom esse não tem direito a cultura própria.