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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Relacoes Brasil-EUA: a caminho da normalidade?

Parece um pouco ridículo, mas o Brasil ainda tem gente -- jornalistas, acadêmicos, "populares", em geral -- que ainda mantêm uma visão maniqueísta em torno das relações bilaterais, alguns vendo os perigos de sempre (dominação "imperial", "dependência", essas bobagens), outros achando que disso depende nossa afirmação no mundo, nosso crescimento, etc. Nem uma coisa, nem outra, obviamente.
Teve até um falador contumaz (não preciso dizer quem era) que queria "libertar" o Brasil da "dependência" do comércio com os EUA, como se isso fosse positivo. O chanceler seguiu o falastrão nessa bobagem imensa, e saiu a proclamar a tal de "nova geografia comercial", uma coisa tão ridícula que nem precisa comentar mais.
Acho que a entrevista com o Embaixador americano recoloca a questão das relações bilaterais no plano certo, isto é, normal. A despeito do tom burocrático, quase enfadonho em ressaltar em diplomatês as convergências, fica num plano correto, normal, enfim.
Paulo Roberto de Almeida

Thomas Shannon: "Manipular a moeda está errado"
Helio Gurovitz
Revista Época, 19/02/2011

QUEM É
Diplomata de carreira, é embaixador dos Estados Unidos no Brasil desde fevereiro de 2010. É casado e tem dois filhos

O QUE FEZ
Doutorou-se em ciência política pela Universidade de Oxford (Reino Unido). Foi assessor especial da Embaixada em Brasília (1989-1992) e secretário de Estado adjunto para o Hemisfério Ocidental (2005-2009)

O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, deixou escapar uma palavra em português durante a entrevista que concedeu a ÉPOCA na embaixada, em Brasília: inédito. Foi assim que ele definiu o pacote oferecido pela Boeing ao governo brasileiro para tentar vencer a concorrência na renovação da frota de caças da Força Aérea. É claro que o presidente americano, Barack Obama, não vem ao Brasil em março falar apenas de caças. Depois de divergências significativas entre Brasil e Estados Unidos durante o governo Lula, Shannon considera a visita um marco nas relações entre os dois países e um sinal do “respeito americano pela presidenta Dilma Rousseff”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

ÉPOCA - Por que Obama vem ao Brasil?
Thomas Shannon – Será sua primeira viagem à América do Sul. E a primeira parada será o Brasil. É um claro sinal do interesse e respeito americano pelo Brasil, pela presidenta (Dilma) Rousseff. E o desejo de reforçar uma emergente parceria global cada vez mais importante, à medida que o Brasil consolide sua posição de líder mundial. É um claro reconhecimento de que o Brasil não é só um ator regional, mas mundial. Há ainda o desejo de aprofundar e expandir a parceria que os dois países já têm, com um olho no futuro. O terceiro motivo seria o desejo de melhorar nossas relações comerciais e de investimento. Embora os países estejam negociando mais do que nunca em números absolutos, em números relativos tem havido uma queda.

ÉPOCA - A China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil.
Shannon – Temos de abordar isso. Acreditamos que nossas relações comerciais com o Brasil são importantes. Nossa economia e nossas empresas estão se tornando cada vez mais interdependentes. Há outro fenômeno interessante: o crescimento conjunto de nossas sociedades e o modo como estão conectadas. Podemos vê-las por meio do comércio e dos investimentos, pelo nível das universidades ou da pesquisa científica. E até entre as igrejas, em especial igrejas evangélicas, um movimento social e religioso forte no Brasil e nos EUA. Mas também vemos isso no turismo. O Brasil é o país que mais manda turistas para a Flórida. E não apenas a Flórida. Os brasileiros vão a Nova York, Las Vegas, Los Angeles e, à medida que conhecerem mais os Estados Unidos, irão a mais lugares. E, por causa da Copa e das Olimpíadas, mais americanos virão ao Brasil.

ÉPOCA - E a relação com a China?
Shannon – A China é um ator muito importante no mundo e na América do Sul, além de um parceiro dos EUA e do Brasil. Ambos têm o interesse comum de construir relações positivas com a China, que lhe permitam inserir-se na economia mundial e no ambiente político de uma forma positiva. Esse é um desafio significativo, dado o tamanho da economia chinesa e a quantidade de suas reservas cambiais.

ÉPOCA - E, claro, a taxa de câmbio que mantém essas reservas altas...
Shannon – O secretário (do Tesouro, Timothy) Geithner teve boas conversas com o ministro (Guido) Mantega (da Fazenda), com o presidente (Alexandre) Tombini, do Banco Central, e, claro, com a presidenta Rousseff. Concordamos que a manipulação da moeda para fins comerciais é errada e distorce mercados. E aqueles que arcam com o ônus disso são economias emergentes como a brasileira. Por causa da boa gestão econômica, das fortes políticas anti-inflação e do controle de capital em outros lugares do mundo, elas se tornam um ímã para dólares. Isso tem impacto econômico, com a apreciação do real, sentido aqui e lá fora.

ÉPOCA - Dilma é diferente de Lula?
Shannon – A relação Brasil-EUA está num rumo positivo, como no governo Lula. Mas o desafio não está apenas entre Brasil e EUA. Está no resto do mundo. O que definirá nossa relação com a presidenta Rousseff não é tanto uma questão de boas intenções, porque elas existem e sempre existiram, mas sim os desafios que ambos enfrentaremos. Porque está havendo mudanças. Vemos isso agora no Egito e no Oriente Médio.

ÉPOCA - A presidenta Dilma mudou a posição brasileira em relação ao Irã?
Shannon – Há aspectos de continuidade e de mudança. Houve mudança na forma como o Brasil lida com os direitos humanos, seja em relação ao apedrejamento de Sakineh (Ashtiani, condenada no Irã por adultério), seja, de uma forma mais ampla, quanto à repressão de atividades políticas. A posição da presidenta Rousseff tem sido marcante. Mas ainda temos diferenças em relação ao Irã. O ponto positivo é que ambos temos uma melhor compreensão da questão agora. No caso do Egito, a posição brasileira foi cautelosa, prudente.

ÉPOCA - Há alguma chance de os EUA derrubarem as barreiras a nosso etanol?
Shannon – Espera-se que sim. Mas é uma questão complicada. Uma das áreas de interesse de cooperação e inovação é a busca de meios para ir além das tradicionais matérias-primas para fabricar biocombustíveis, milho e cana. Em alguns aspectos, essa é uma solução para a questão das tarifas. Em última instância, se os biocombustíveis se tornarem parte da matriz energética, eles precisam ser feitos a partir de outras matérias-primas.

ÉPOCA - O senhor ainda tem esperança de que o Brasil compre os caças F-18, da Boeing, para renovar sua frota?
Shannon – A competição ainda está em andamento e a Boeing está nela. Acreditamos que fez a melhor oferta. Primeiro, porque é o melhor avião. Segundo, a transferência de tecnologia é melhor que a das outras empresas. Por causa da natureza extensiva de nossa oferta, e das garantias políticas. Há um ponto interessante que permite que alguns componentes críticos da aeronave sejam produzidos aqui. Isso cria uma parceria para a produção do F-18 tal que a Boeing vai precisar do Brasil tanto quanto o Brasil precisará da Boeing. É algo inédito (Shannon usa a palavra em português). Se a Boeing entrar nesse mercado, vai construir uma parceria duradoura com o Brasil. No debate sobre os caças, há algumas questões falsas. Dizem que o Brasil tem de escolher um avião inferior para obter o melhor acordo de transferência de tecnologia. Em outras palavras, usar uma decisão de política de defesa para fazer política industrial. Mas vocês podem escolher o melhor avião e trazer um pacote de transferência de tecnologia muito interessante. É o que a Boeing oferece. Um país grande como é o Brasil, com o tipo de espaço aéreo que tem de controlar, tanto na terra quanto no mar, precisa de uma aeronave capaz de sobrevoar todo o país, que possa ser lançada de porta-aviões, usada em múltiplas missões e tenha a capacidade de lutar contra qualquer outra aeronave. É obviamente o que o F-18 oferece. Um país como o Brasil não pode se contentar com o segundo melhor.

ÉPOCA - O Brasil tem a oportunidade de exportar urânio. Isso lhe parece um risco?
Shannon – Vejo como um produto natural do sucesso do compromisso brasileiro em relação ao uso pacífico de energia nuclear civil. O Brasil é um parceiro muito confiável em termos nucleares. À medida que desenvolve sua indústria nuclear, ela se tornará atraente para outros países.

ÉPOCA - E o programa do foguete brasileiro, de lançamento de satélites?
Shannon – Para um país com a capacidade e o tamanho do Brasil, desenvolver uma tecnologia dessas é natural.

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