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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O farol brasileiro da liberdade? - Sergio Leo (VE)


O farol brasileiro
Sergio Leo
Valor Economico, 12 de Setembro de 2011 -
 
"A America foi alvo de ataque porque somos o mais brilhante farol para liberdade e oportunidade no mundo", discursava, há dez anos e um dia, em cadeia nacional de TV, um atônito George Bush, para a população dos Estados Unidos, traumatizada com o atentado terrorista que derrubou as torres do World Trade Center e matou quase três mil pessoas. O trauma e a bandeira da liberdade e democracia seriam sequestrados pelo governo Bush, em seguida, para servir a outros propósitos, como a derrubada de Saddam Hussein, no Iraque, que nada tinha a ver com o atentado às torres gêmeas. Mas há pelo menos uma importante lição de política externa para o Brasil nesse episódio.
Bush não estava apenas ensaiando uma resposta retórica. Em meio à perplexidade mundial, apelou a um importante mito de formação da sociedade americana, de contornos religiosos: a condição excepcional de farol moral para o mundo. A crença no excepcionalismo dos EUA é real, não hipocrisia em defesa de interesses inconfessáveis e bem materiais - ainda que, a pretexto da luta pela democracia, suspeitos de terrorismo tenham até sido enviados por órgãos de inteligência americanos à Líbia, para interrogatório nas masmorras de Muamar Gaddafi, como se soube após a queda do ditador africano.
Mesmo o mais duro realismo geopolítico em Washington busca nesse mito positivo as justificativas para ação. Os valores morais são uma referência para a sociedade americana julgar o sucesso de sua política externa. O povo americano apoiou a guerra no Iraque não pelos lucros que traria à Halliburton ou por considerações sobre o xadrez político da região, mas pela convicção de que estaria combatendo uma ameaça à paz e democracia no mundo.
No Brasil, as opções da diplomacia não consolidam apoio
Implicitamente, a presidente Dilma Rousseff reconheceu a força desse argumento idealista, quando cobrou dos diplomatas, em seu governo, uma ação menos ambígua do Brasil na defesa dos direitos humanos. A tentativa de dissipar ambiguidades foi atropelada, porém, pela complexidade das questões em que o Brasil se envolveu, na busca de um papel mais importante no jogo mundial de poder.
Por muito tempo, o governo brasileiro recorreu principalmente a argumentos pragmáticos quando questionado sobre sua ação internacional. O Mercosul e a aparente leniência com a hostilidade de governos vizinhos, como a Argentina protecionista, por exemplo, são defendidos com a lembrança dos crescentes saldos comerciais mantidos pelo Brasil em sua relação com os países da América do Sul. Não faz muito tempo, os mercados africanos em expansão eram apontados como uma das principais justificativas para viagens presidenciais e abertura de embaixadas na África.
Esses argumentos perderam o apelo, porém, com o incômodo revelado pelos países vizinhos em relação ao expansionismo brasileiro no continente, e com a emergências de casos exemplares de desrespeitos aos direitos humanos em países como Líbia e Síria. O Brasil não consegue se eximir de cobranças pela atuação nas Nações Unidas agitando a lembrança de que há um padrão duplo na ação dos países desenvolvidos, que fecham olhos para violações de aliados como a Arábia Saudita - onde, como lembra o ditador sírio, Bashar al-Assad, as mulheres sofrem opressão não vista na Síria mais ocidentalizada.
É evidente a ação do Planalto na vacilação do Itamaraty em condenar mais severamente o ditador Gaddafi, em queda. A falta de pronunciamentos mais veementes no caso líbio não se explica sem uma disposição explícita da presidente Dilma Rousseff em fixar limites, nesse caso, ao compromisso oficial com os direitos humanos. É de se imaginar, ainda, a influência de empresas brasileiras com interesses no país de Gadaffi.
Na busca por um papel mais ativo nas Nações Unidas, o Brasil não é o único a contrariar potências ocidentais. A Índia, por exemplo, aparentemente interessada em reatar laços com o Irã, com quem tem fortes laços comerciais, e preocupada em não perturbar sua grande população de credo muçulmano, tem se aliado a China, Rússia, Brasil e África do Sul na resistência contra a pressão para a saída de Assad, vinda de França e Estados Unidos. Já Rússia e China não precisam conquistar apoio interno para defender Assad.
O Brasil tem recorrido à tradição diplomática de respeito à soberania e à autonomia dos países. Também argumenta que a intervenção armada não garante a paz para a população; pode ser o contrário, como mostra o exemplo do Afeganistão.
A solução de conflitos pela via diplomática é outro dos discursos orientadores da ação diplomática brasileira. Diferentemente da simplicidade do mito do excepcionalismo americano, porém, nenhuma dessas narrativas tem se mostrado capaz de consolidar apoio interno para a diplomacia brasileira, criticada pela falta de atitudes mais firmes em casos tão distintos quando a crise política na Síria ou as ações de países sul-americanos contrárias a interesses privados.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras
Fonte: Valor Econômico

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