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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A política externa do Brasil: presente e futuro: resenha de livro

Resenha:

MAIA, Rodrigo; ALELUIA, José Carlos (orgs.). 
A política externa do Brasil: presente e futuro
Brasília: Fundação Liberdade e Cidadania, 2009.
José Alexandre Altahyde Hage, 
Professor de Relações Internacionais da FAAP
Revista de Economia e Relações Internacionais, vol. 9, n. 18, 2011, p. 176-178

Rodrigo Maia e José Carlos Aleluia são deputados federais do Partido Democrata (DEM). Mas a organização que fazem do livro A política externa do Brasil não se prende a partidarismos ou ideologização do tema. Trata-se de volume concebido por meio de contribuições das mais relevantes, contando com escritos do jornalista Antonio Carlos Pereira, de O Estado de S. Paulo, e dos ex-embaixadores Luiz Felipe Lampreia, Marcos Azambuja, Roberto Abdenur, Rubens Ricupero, Sebastião do Rego Barros e Sergio Amaral.
Não se trata apenas de textos escritos por diplomatas e jornalistas de grande experiência nos assuntos internacionais. Mais do que isso: são opiniões de quem efetivamente pensou a política externa brasileira, contribuiu para a confecção de seus valores, tão caros à nacionalidade e tão reconhecidos por outras diplomacias que sempre olharam o Itamaraty como uma casa em que a política externa é pensada demoradamente, sem ensaios ou aventuras.
Os autores que compõem o livro procuram fazer um balanço do período de 2003 a 2009, sob o governo Lula. Mas o balanço não é feito de modo gratuito. São observações criticas considerando acertos e erros da política externa e da Chancelaria. As críticas formuladas não são comuns a todos os participantes – o que pode ser acerto para um autor não é, necessariamente, para o outro.
No entanto, em linhas gerais, há questões presentes na política externa de Lula que são comuns para os analistas citados. Sem querer empobrecer a análise com reduções, pode-se dizer que há três questões que praticamente fazem com que os autores convidados sejam convergentes: 1. a existência de uma forte política voluntarista; 2. a ideologização da política externa; e 3. o relativo descaso com os problemas mais prementes da América do Sul. Comentaremos esses casos.
Desde a eleição do presidente Lula, o Itamaraty vem procurando fazer com que o Brasil tenha inserção internacional mais assertiva, e seja mais valorizado na arena internacional. Porém, essa busca de novos espaços por parte do governo tem provocado desgaste em virtude de conflitos que poderiam ser evitados.
Amostra disso é a profissão de fé que o país faz para obter cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não que essa militância para adentrar ao núcleo mais importante da ONU seja descabida. É que a maneira como o Brasil expressa tal desejo o coloca em colisão com outros parceiros, como Argentina e México. Há a impressão de que a candidatura nacional àquele centro se torna a razão de ser da diplomacia, sendo tudo o mais secundário, como o bom relacionamento com seus vizinhos. Em outras palavras, o Brasil pode ganhar o assento, mas pode azedar suas relações com a América do Sul em troca de prestígio, no fundo, duvidoso.
Ainda no campo do protagonismo, há em comum entre os autores as críticas aos esforços que a atual política externa faz para angariar espaço nas funções executivas de algumas organizações internacionais, sem que isso necessariamente traga vantagem ao país. A disputa pela secretaria-geral da Organização dos Estados Americanos e do Banco Interamericano de Desenvolvimento é exemplar. Não haveria o porquê de tal insistência por ganhos reduzidos.
Outro ponto em comum nas críticas é a ideologização pela qual a Chancelaria vem passando nos últimos oito anos. Tendências e comportamentos considerados antigos estão sendo revividos, como a clivagem Norte/Sul. Traços de antiamericanismo e certo saudosismo da política terceiro-mundista são expressões encontradas na ação diplomática que o Itamaraty apresenta. Sob a égide de “nova atuação” e da “originalidade”, a política externa brasileira mescla ideologia antiamericana com participações na vida doméstica de determinados Estados, cujo resultado não pode ser positivo. Vale dizer, com a justificativa de defender direitos humanos e o livre jogo da democracia representativa o governo tem adentrado na esfera interna dos vizinhos, expressando opiniões e escolhas que tradicionalmente não são da nossa alçada. E isso se torna contraproducente, uma vez que o Brasil joga pesado em Honduras, mas se torna apático com relação a Cuba.
Deixar claro qual candidato na disputa presidencial paraguaia agrada mais ao Brasil, perturbar o processo institucional em Honduras e não reconhecer um presidente eleito pela população são amostras de que o Itamaraty vem perdendo pé das coisas mais relevantes que historicamente constituem os valores e o saber fazer da diplomacia nacional. Em parte, os autores convidados são da opinião de que esse deslize da Chancelaria ocorre por causa de certa diversificação nas tomadas de decisão. A saber, o chanceler – que historicamente divide a responsabilidade das atuações com o presidente da República – desta vez tem de comungar com opiniões formuladas por um assessor especial da Presidência.
Já o terceiro ponto diz respeito ao pouco espaço que o Brasil vem dando às questões sul-americanas, pelo menos às questões em que o país poderia exercer jogo positivo em prol do equilíbrio institucional e o bom relacionamento na integração regional. Como a maioria dos autores afirma, a ideologização da política externa brasileira faz com que o Brasil só consiga ver pertinência onde há alguma coloração de esquerda e direita, aliados imediatos à primeira vista para a construção de um bloco de poder contra o Hemisfério Norte. No lugar de gastar ânimo com tais implicações, poderia muito bem o governo Lula ter usado seu
capital político para amainar a crise persistente entre Argentina e Uruguai feita por causa de papeleiras internacionais.
É fato que a ação política desse governo, de teor conflitante, pouco se aproxima da Venezuela de Hugo Chávez, em que o antiamericanismo tem sido constante, até como programa de governo. No entanto, pelo histórico que o Itamaraty apresenta, o de ser uma burocracia especializada, cujo trabalho se põe distante das disputas partidárias, não veria como lícito haver posturas ideológicas e partidárias que contrariassem aquilo que a Casa mais estima: a regularidade.
Os autores também entram em outras searas que pensam ser também criticáveis no governo Lula. Por exemplo, o pouco esforço para concluir a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio. Para os ex-embaixadores, o Brasil preferiu fazer daquele acontecimento uma espécie de “cabo de guerra” com as grandes potências do que ter procurado algum consenso, tirando um aproveitamento da Rodada que fosse interessante para a maioria. Sendo país de contradições, o governo Lula havia preferido montar bloco com os Estados em desenvolvimento, mas sem ter percebido que sua economia agrícola é muito mais rica e eficiente do que a de seus “colegas de faixa”. Empenhar-se pela proteção à agricultura de pouca eficiência em nome da coerência política fez com que o Brasil perdesse oportunidade de pressionar por melhor acordo sobre liberalização agrícola no Hemisfério Norte.
Por conseguinte, os autores mostram preocupação com a falta de critério no governo Lula para constituir uma nova geometria internacional. Não que seja fora de propósito pensar algo que seja alternativo ao atual esquema de poder liderado pelos Estados Unidos; afinal, o Brasil tem demonstrado recursos que o credenciam a ter opinião internacional. A questão ganha relevo quando passa a haver voluntarismo para formar novos comitês, a exemplo do grupo denominado Bric, congregando Brasil, Rússia, Índia e China. Neste ponto, o equívoco brasileiro está em acreditar haver “harmonia” de interesse entre esses gigantes. Estados com diferenciadas tradições, formas de compreender a economia, a democracia, os direitos humanos e o meio ambiente não têm condições de pleitear trabalho em conjunto que não seja apenas momentâneo. A continuação desse comportamento seria um erro.
Enfim, trata-se de livro que não tenciona ser polêmico nem partidário, embora sido organizado por dois deputados federais. Mas, com contribuições de diplomatas de larga participação tanto na ação quanto nas ideias, o texto é de grande contribuição para quem estuda questões de política externa brasileira – útil tanto para especialistas que fazem desse estudo profissão quanto para aqueles que procuram adentrar aos temas de política internacional, pois o texto mantém rigor nas análises, mas sem o pedantismo que às vezes surge em trabalhos científicos.

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