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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Timothy Garton Ash e a "decada perdida" dos EUA pos-11/09


"Não foi a maior história da nossa época"
Entrevista / Timothy Garton Ash
Renata Summa
O Globo, 12/09/2011

Historiador britânico destaca a ascensão da Ásia e constata que a maior potência militar não conseguiu vencer as guerras

Para o historiador britânico Timothy Garton Ash, a década que seguiu o 11 de Setembro marcou um (importante) desvio na História. Mas a estrada principal da história do nosso tempo, por assim dizer, será marcada pelo deslocamento de poder do Ocidente ao Oriente. Isso não significa que os atentados não tenham deixado um legado desafiador, como demonstra em seu novo livro, “Os fatos são subversivos: escritos políticos de uma década sem nome”, lançado pela Companhia das Letras. Em entrevista ao GLOBO por telefone da Califórnia, o professor da Universidade de Oxford diz que o custo da Guerra ao Terror foi alto demais para poucos resultados, e não hesita em afirmar que década foi perdida para os EUA.

O GLOBO: Em 2001, falou-se dos ataques como um novo marco na História, assim como a queda do Muro de Berlim. O senhor ainda concorda com essa visão?

TIMOTHY GARTON ASH: O período que vai entre o 9 de novembro de 1989 (a queda do Muro de Berlim, ou 9/11 no estilo europeu de escrever as datas) e o 11 de setembro de 2011 (ou 9/11 na forma americana), é um momento muito importante. Mas estou convencido de que o primeiro 9/11 foi mais marcante do que o segundo. Apesar de ter sido um evento de importância extraordinária, não acho que o 11 de Setembro represente o início de uma nova grande era. Não acredito que nossa época será marcada pela luta contra o terrorismo. Esta ameaça foi reduzida pelo que já foi feito contra ela, mas também pela Primavera Árabe. A grande história do nosso tempo não será essa, e sim a ascensão da Ásia, além do deslocamento do poder do Ocidente ao Oriente. Esta, sim, é a grande história do nosso tempo, que define a política de hoje.

● Dez anos após o 11 de Setembro, o senhor considera que o mundo é um lugar mais seguro ou mais perigoso?

GARTON ASH: O mundo sempre foi um lugar perigoso, e sempre será. Mas o risco ligado ao terrorismo será reduzido. Há outros, no entanto. Estados nucleares, aquecimento global, superpopulação, falta d’água... Além disso, como falei, estamos num período de deslocamento de poder. Na História, podemos observar que costumam ser períodos de riscos crescentes, e estou certo de que este também será.

● Como você avaliaria os anos de guerra contra o terror?

GARTON ASH: O governo Bush cometeu grandes erros. Acredito que a invasão do Afeganistão tenha sido necessária, mas poderíamos ter saído de lá mais cedo. O Iraque foi um erro. Além do custo humano altíssimo, houve um custo financeiro altíssimo. US$ 4 trilhões... dá para imaginar o que poderia ter sido feito com esse dinheiro?

● O que devemos esperar do Iraque e do Afeganistão?

GARTON ASH: Temos a maior potência militar do mundo nesses dois países, mas em nenhum deles a guerra acabará em vitória. Houve uma incrível perda de vidas humanas, mais de sete milhões de refugiados de Afeganistão, Paquistão e Iraque. E o Iraque, hoje, não é um país livre. Não tenho nenhuma hesitação em dizer que o mundo seria um lugar melhor hoje se EUA e Reino Unido não tivessem ido ao Iraque. Mesmo no Afeganistão, o que teremos conquistado será muito modesto. Além disso, é o Paquistão o maior desafio hoje. Talvez no futuro vamos perceber que Obama deveria ter se concentrado no Paquistão.

● Mas, nesse caso, haveria um fim? Um dia Afeganistão, depois Paquistão...

GARTON ASH: Em geral, os problemas não são resolvidos, eles são ultrapassados por outros problemas. Estou aqui nos EUA, e o Iraque não é mencionado nenhuma vez na TV. Há dois anos, só se falava nisso. Talvez os problemas não sejam resolvidos, mas eles acabam desaparecendo da mídia.

● Diria que foi uma década perdida para os EUA?

GARTON ASH: No meu livro, digo exatamente isso. Foi uma década perdida. Se os EUA soubessem no início da década para onde estávamos indo, talvez tivessem gastado esses trilhões em educação, desenvolvimento, e estariam em situação melhor.

● Ainda não há uma definição internacional do terrorismo...

GARTON ASH: Terrorismo deveria ser usado no plural: terrorismos. Matar civis é errado, mas há uma diferença entre as mortes causadas pelo movimento antiapartheid liderado por Mandela, por exemplo, e o terrorismo internacional. No caso do terrorismo nacional, se você resolver o problema político, o terror pode acabar. No caso de Bin Laden, não há nada a fazer. Você tem que lutar contra ele.

● Você era um crítico da política de George W. Bush para o Oriente Médio. Como avalia Obama nesse quesito?

GARTON ASH: Bom, há um comentário famoso em Washington: “Na Primavera Árabe, Obama tem liderado por trás.” Há uma ponta de verdade nisso. Ele não deu uma grande prioridade à democracia na região, mas as pessoas de lá deram. Com o tempo, ele melhorou, e acho que tem feito um ótimo trabalho em empurrar a solução de dois Estados para Israel e Palestina.

● Para o senhor, a integração de imigrantes muçulmanos nos EUA e na Europa é um dos principais fatores para prevenir ataques terroristas nesses países. Como estão lidando com isso?

GARTON ASH: Esse é um problema muito maior para a Europa, que tem uma população envelhecendo dramaticamente enquanto, do outro lado do Mediterrâneo, há uma população constituída em sua maioria por jovens. Já nos EUA, esse é um problema menor, pois os muçulmanos são mais integrados, educados. Para nós, na Europa, é um grande desafio, e estamos lidando muito mal com isso.

● A Primavera Árabe pode resultar num fortalecimento de islamistas e tornar a região mais radical ou é o contrário?

GARTON ASH: Esse é o episódio mais esperançoso do século. Devemos acolhê-lo sem hesitação. Mesmo se o Islã político subir ao poder, teremos que aceitá-lo. Claro que falo num tipo de islamismo moderado, ao estilo turco. Se radicais começarem a colocar bombas, será diferente.

● Tony Blair chegou a dizer que a Primavera Árabe justificou, a posteriori, a invasão ao Iraque, mostrando que as pessoas queriam mudanças...

GARTON ASH: É completamente diferente. De um lado temos um movimento espontâneo, vindo de baixo. Do outro, o que os neoconservadores viam como democracia no Oriente Médio. O que vemos hoje na Síria, por exemplo, é uma resistência civil impressionante. Essa população que está na rua tem menos de 30 anos. No final, se eles ficaram desapontados após terem arriscado suas vidas, vão deixar o país. E vão aonde? A Europa está tão obcecada com a crise do euro que não está em condições de dar uma resposta à altura. Mas é ela que será afetada se der errado. Como num ciclo vicioso.

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