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sábado, 28 de janeiro de 2012

A Tobin Tax, as bobagens presidenciais e assessores inuteis - Paulo Roberto de Almeida (2001)

Um ensaio absolutamente inédito -- et pour cause -- no qual eu condenava a imensa bobagem que o presidente FHC estava fazendo ao propor, na ONU, uma Tobin Tax, e observava também como podem ser inúteis esses assessores presidenciais que não assessoram absolutamente nada, apenas ficam na admiração beata das bobagens que um chefe mal informado -- e mal assessorado -- pode cometer.
Para que serve um assessor que não assessora?
Para admirar as bobagens de seu mestre?
Desculpe, mas seja quem for, eu tenho alergia à burrice, e não hesito em apontar alguma, quando vejo.
Enfim, não se pode impedir as pessoas de serem ignorantes, mas se pode sempre tentar fazer com que elas evitem dizer bobagens...
Paulo Roberto de Almeida (2012)



A volatilidade importada e a Tobin Tax: imprecisões conceituais

Paulo Roberto de Almeida
10 Novembro 2001


O discurso do presidente FHC em New York, pronunciado na abertura dos debates da Assembléia Geral em 9 de novembro de 2001, preservou a qualidade de seu estilo e substância diplomática, ainda que eu tenha uma ou outra diferença conceitual com alguns de seus argumentos (mas isso seria conversa de sociólogo...).

 O único ponto que me pareceu suscetível de constestação quanto à consistência intrinseca e quanto ao interesse do Brasil na matéria, seria, novamente no que se refere a tal de "Tobin Tax".

 Basicamente FHC disse o seguinte:
“Devemos reduzir a volatilidade dos fluxos internacionais de capital e assegurar um sistema financeiro mais previsível, menos sujeito a crises, na linha do que vem sendo proposto pelo G-20. No mesmo sentido, embora não se ignorem as dificuldades práticas de um mecanismo como a ‘Taxa Tobin’, poderíamos examinar alternativas melhores e menos compulsórias.
“Proponho que a Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento, a realizar-se no próximo ano em Monterrey, dedique especial atenção a essas questões.”

 Isso revela duas coisas:
1) FHC pensa que a tal de volatilidade é algo existente no universo etéreo, uma espécie de raio gama, e que de vez em quando ataca algum país de surpresa aqui na terra, ou seja um fenômeno importado, sobre o qual não temos nenhum controle, dai seu apelo a um “sistema financeiro mais previsível, menos sujeito a crises...”.
 Do meu ponto de vista, a volatilidade é algo existente internamente nos países, derivada de inconsistências internas, daí o fato de os capitais entrarem rapidamente (ninguém aumenta taxa de juros porque gosta, e é isso que atrai capitais “voláteis”) e sairem mais rapidamente ainda, assim que detectam sinais de que as regras podem mudar ou que os juros vão baixar, ou que alguma forma de retenção ou inadimplência pode ocorrer.
 Enquanto FHC não perceber que a volatilidade somos nós, e não os capitais internacionais, ele vai continuar incorrendo nesse tipo de equívoco. As crises financeiras são inerentes a um sistema baseado nas expectativas racionais de investidores que procuram maximizar seus lucros e apostam alto: isto vale para os mercados de capitais, para as loterias, até para a preguiça de levar guarda-chuva em dia incerto. Propor um sistema financeiro não sujeito a crises, redundaria em um que fosse totalmente estatizado, que tolhesse a liberdade das pessoas em apostar para ganhar alto. Mas isso é uma bobagem menor que não afeta nada no mundo real, desde que fique no plano da retórica inconsistente, a mesma exibida pelo PT que deblatera contra a cupidez dos agiotas internacionais. Se isso passar da retórica para a proposta de medidas econômicas, aí, o unico resultado disso tudo vai ser aumentar um pouco mais o grau de volatilidade do sistema, algo não desejado originalmente pelos proponentes (é a chamada lei das consequências involuntárias).

2) FHC entretem a ilusão de algo próximo da Tobin Tax para diminuir essa volatilidade (que como vimos, é interna, não importada) e para aumentar os fluxos de capitais para fins de desenvolvimento, o que não só é totalmente inconsistente em seu mérito proprio, como é prejudicial ao interesse nacional.
 Já expus as razões, em artigo inédito (816), de porque a Tobin Tax é contrária ao interesse nacional de um país como o Brasil, que apenas teria de pagar mais caro pelo mesmo montante de capital que teria de importar necessariamente, e não teria os beneficios desse recolhimento compulsório que se pretende fazer com a CPMF universal.
 Tecnicamente, capitais de empréstimo não deveriam ser confundidos com capitais de risco ou com financiamento ao desenvolvimento, erro primário que um sociólogo versado em economia como FHC não deveria cometer. Admitindo-se que incorra nesse erro, em que esses recolhimentos melhorariam a situação de paises como o Brasil? Em nada, absolutamente em nada, eles apenas prejudicariam ainda mais nossa posição no mercado internacional de capitais, seja de empréstimo, seja de investimento. Os fundos seriam apenas um alivio adicional para os paises mais pobres, mas duvido que eles representem verdadeiramente desenvolvimento (mas admitamos que possam fazê-lo, se aplicados em formação educacional e em capacitação técnica, o que raramente ocorre na escala desejada).

 Quando tentei conversar sobre essa questao com um “alto assessor” (aliás dois) de FHC por ocasião de sua recente passagem por Washington, o único comentário envergonhado que recebi foi do tipo: “é, pode ser, mas o presidente pensa assim...”, ou seja o presidente pode cometer o equívoco que quiser que os assessores, que estão ali justamente para assessorá-lo tecnicamente, ficam tomados de temor reverencial pela Sua Sumidade e não conseguem (ou porque não têm pensamento próprio, ou porque também são pouco esclarecidos na matéria) articular um raciocinio consistente para explicar ao Presidente que ele está atuando nessa matéria contra o interesse nacional, além de exibir uma grande dose de ingenuidade na questão da volatilidade.
 O Lula certamente exibe equivocos ainda maiores, uma especie de “ignorância enciclopédica”, mas talvez ele fosse mais suscetível de dobrar-se à opinião de assessores (que aí precisariam ser bons), que não precisariam ostentar, como no caso da Sua Sumidade, o temor reverencial pela sabedoria embutida em anos de academia e toneladas de PhDs e honoris causae.

Washington; 828, 10 Novembro 2001

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