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sábado, 2 de junho de 2012

O que se vê, e o que não se vê, em política... - Paulo Roberto de Almeida

O que se vê, e o que não se vê, em política...

Paulo Roberto de Almeida

Em trabalho escrito no último dia de maio deste ano de 2012, divulgado no mesmo dia em meu blog, sob o título “Existem países perfeitamente fascistas, sem que se saiba...”, eu tecia algumas considerações sobre certas derivas “culturais”, mas de perigosas consequências práticas, que se manifestavam aqui e ali – segundo minha leitura do noticiário corrente – e que poderiam indicar uma infeliz inclinação involuntária de certos países para o fascismo ordinário, levado por uma série de comportamentos perfeitamente autoritários dos que detinham o poder, mas aceitos inconscientemente pelos que suportam esse poder de mando. Nem o título, nem o trabalho, em si, traziam qualquer referência ao economista Frédéric Bastiat, um liberal do século XIX, bastante conhecido pelos seus “Ensaios de Economia Política” (disponíveis na internet em diversas versões, em francês e em inglês, segundo escolha dos interessados).
No cabeçalho do post, contudo (ver este link do Diplomatizzando: http://diplomatizzando.blogspot.de/2012/05/o-fascismo-que-se-via-e-o-fascismo-que.html), eu fazia referência ao que tornou Bastiat famoso em suas preleções econômicas, em grande medida válidas ainda hoje: o recorrente recurso, em sua argumentação, ao que se vê em economia – preços, créditos, alugueis, juros, enfim, todos os grandes fluxos econômicos, apresentados segundo dados objetivos – mas também ao que não se vê, no mesmo terreno, que são, justamente, as consequências, muitas delas involuntárias, de certas ações humanas, geralmente governamentais, que visam interferir nos fluxos e relações econômicas, supostamente para “provocar” uma melhor situação de bem-estar, mas que invariavelmente acabando trazendo maiores prejuízos à sociedade e aos agentes sociais e econômicos do que se essas ações – por exemplo, fixação política dos juros, protecionismo comercial, subsídios estatais a indivíduos ou a um grupo, limites oficiais à variação dos preços de determinados bens ou dos alugueis, etc. – não tivessem sido tomadas. Ainda pensei em Bastiat, hoje mesmo, lendo a imprensa internacional, ao constatar que, depois de tantos bilhões – em alguns casos trilhões – em recursos públicos despejados no setor financeiro (e portanto acúmulo de dívida pública), na “retomada do crescimento e do emprego”, no “estímulo econômico keynesiano”, enfim, num sem número de medidas adotadas nos principais países em crise (e até em alguns que se vangloriam de não estarem em crise), depois de todo esse ativismo governamental, a economia continua depressiva e teima em não fugir do ciclo de recessão e de baixo crescimento. Até parece que a agitação não resultou em grande coisa, ou talvez em nada, para ser mais exato.
Trata-se do típico exemplo do que Bastiat chamaria do lado que se vê – ou seja, os tais de estímulos keynesianos, ou injeção de recursos para manter uma tal de “demanda agregada” – mas que se esquece do lado que não se vê, e ele vem aqui: de onde pensam os keynesianos que sai o dinheiro para tais estímulos?; quando se diz que o governo vai “estimular o crédito”, para manter o crescimento, de onde acham, esses mesmos tecnocratas governamentais, que sai o tal “crédito”? O crédito, por acaso, nasce nas árvores, vem do ar, fica num grande cofre à disposição dos governantes? Em outros termos: quando alguém lhe disser que o governo vai fazer isso e mais aquilo para não cairmos em recessão, pergunte, com Bastiat, pelo outro lado da história: de onde sairão os recursos para tais e tais medidas? Você já pensou na conta que o governo está deixando para você pagar mais adiante? Na próxima vez, pense nisso: saque seu Bastiat do bolso e diga: “alto lá: quero ver o outro lado, o que não se vê, justamente”. Essa é a melhor maneira de defender o seu bem-estar, e o seu futuro...

Mas hoje não pretenderia falar de economia, e sim de política, na continuidade do meu texto anterior, sobre a existência de países perfeitamente fascistas sem que disso a maior parte das pessoas tome consciência. Quero aplicar a regra de Bastiat aos dizeres, aos comportamentos e às práticas políticas. Assim, quando um político lhe disser “vamos fazer isso, porque é mais democrático, porque beneficia a maioria da população”, saque o seu Bastiat e pergunte pelo outro lado. Vamos fazer o exercício?

Em política, o que mais se vê, sobretudo em épocas eleitorais, são promessas, de todos os tipos e tamanhos, de todas as cores para todos os gostos, para todos e cada um, qualquer que seja o custo financeiro das promessas feitas: saneamento, hospitais, escolas, segurança, empregos, aumento de renda, enfim, não há limite para o festival de bondades. A primeira pergunta do nosso exercício de política aplicada, à la Bastiat, seria, portanto, atinente aos meios e instrumentos para a realização dessas promessas, ou seja, começar imediatamente pelo mais simples: “olha aqui candidato: está muito bem o que você nos promete, mas de onde virão os recursos para tudo isso?”. Sim, porque as promessas são baratas, mas sua realização é muito cara. Por isso mesmo, eu tenho em alta conta um blog francês, alojado no site do Institut Montaigne, de Paris, que se chama “Chiffrages et Déchiffrages” (http://www.chiffrages-dechiffrages2012.fr/); ele fornece uma estimação a mais precisa possível sobre o custo envolvido em qualquer promessa de políticos. Já seria um grande progresso se o Brasil viesse a ter algo do gênero em permanência. Seria uma maneira de ver o outro lado, em política e em economia.
Existem outras propostas, também, que são feitas independentemente do período eleitoral, mas uma supostamente se aplica perfeitamente aos gastos de campanha: por exemplo, o tal de financiamento público de campanha política, feito por meio dos partidos políticos. Você seria ingênuo o suficiente para acreditar que o financiamento público impediria, limitaria ou evitaria o financiamento privado (geralmente por parte de empresas interessadas em contratos públicos)? Se olharmos para o outro lado, se poderia facilmente constatar que uma empresa interessada nesse tipo de negócio não pode parar de fazer o que faz, pois do contrário como ela iria garantir novos contratos a partir da posse dos seus “ajudados”? Trata-se de um dado estrutural da maneira de fazer política no Brasil que não parece perto de terminar, com lei ou sem lei de financiamento público.
Ainda nessa esfera das propostas eleitorais, o que dizer das obras públicas, justamente, ou da promessa de criar mais empregos públicos para resolver tal ou qual problema na esfera dos serviços coletivos? O outro lado, que não se vê, já teria de se apresentar logo de partida: o Estado é capaz de fazer qualquer coisa, distribuir uma aspirina que seja, sem que antes ele recolha os recursos ou os bens que pretende “distribuir” em alguma parte? E quando ocorre esse recolhimento preventivo, uma parte, geralmente de 10 ou 15% (mas que pode ser maior), fica no próprio Estado, a título de administração, organização dos serviços, gastos com os “meios”, etc.; o que normalmente ocorre é que os meios se tornam mais importantes do que os fins, pelo menos do ponto de vista da burocracia do Estado, um praga renitente, que tem sua própria razão burocrática.
Tenho um exemplo particularmente idiota, completamente imbecil, de uma ação desse tipo, mas que foi proposta por burocratas – talvez mal intencionados, desde o início, visando provavelmente garantir empregos para os militantes da causa – com o objetivo de estimular a leitura no Brasil (reconhecidamente um país que lê pouco; menos eu, que devo ler por pelo menos cem brasileiros, talvez mais). Pois bem, como esses idiotas conceberam o plano para estimular a leitura, por meio de “agentes de leitura”, a serem espalhados por escolas e bibliotecas públicas? Ora, muito fácil, para os burocratas idiotas como os que tomaram de assalto a máquina pública: bastava instituir um “pequeno imposto” sobre a cadeia do livro para financiar a fabulosa figura do “estimulador de leituras” (geralmente companheiros desempregados, claro, que podem estar precisando de um emprego público qualquer, geralmente estável e com muito pouco trabalho). Não é perfeitamente idiota? O que se apregoa é a necessidade da leitura, e é isso que se vê e se proclama; o que não se vê é que o livro, já bastante caro no Brasil, ficaria um pouco mais caro para fazer com que os brasileiros lessem mais. Não é genial?
Quando algum outro político, ou partido, dizer que pretende “democratizar os meios de comunicação”, comece a pensar no que não se vê: o controle partidário, perfeitamente totalitário, daqueles meios de comunicação que não estão de acordo com as propostas de certos políticos e que até têm a petulância de investigá-los em seus hábitos privados satisfeitos com recursos públicos. Esta é, sem dúvida alguma uma variante do fascismo econômico que já detectamos em certos países no trabalho anterior desta série.
E a mania, consagrada por supremos aplicadores da lei, de instituir cotas para minorias raciais, na suposição de que, primeiro se trata de minorias, segundo que só por essa via as minorias que não são minorias poderão enfrentar a concorrência com as verdadeiras minorias de selecionados pelo mérito? Existe algo mais contrário ao teste de Bastiat do que isso? O que se vê é a “justiça” feita aos que não tiveram oportunidades na vida, por alguma deficiência herdada do meio social, da formação educacional, enfim, das diferenças que caracterizam nossa sociedade; o que não se vê, é a injustiça feita com quem não fez nada além de estudar e se preparar para um concurso qualquer, e que de repente se vê preterido por um cota racial de algum tipo. Existe injustiça maior do que a denegação dos direitos individuais de alguém, em nome de obscuros “direitos coletivos”, que não são exatamente coletivos, já que acabam beneficiando um outro indivíduo, tão individual quanto o primeiro?

Os exemplos poderiam ser multiplicados infinitamente, mas eu termino por uma perfeita manifestação do inconsciente coletivo que pretende beneficiar concretamente determinados grupos de pessoas, mas que não vê, como prejudica a todos, igualmente. Eles existem e se multiplicam no Brasil, infelizmente. Se trata da “bondade” feita por políticos com o dinheiro privado, e que consiste em assegurar meia entrada ou entrada livre para estudantes ou idosos em várias categorias de espetáculos ou serviços, a começar por cinemas e teatros, espetáculos musicais ou esportivos, transportes coletivos e muitas outras áreas que não cabe detectar aqui. Os políticos acreditam, realmente, que estão beneficiando essas categorias? Eles são ingênuos de acreditar no que se vê? Nunca pararam para considerar o que não se vê? Que o preço das meias entradas ou das prestações gratuitas de um serviço qualquer contribui para que o preço médio pago por todos seja bem mais caro na ausência dessas políticas, ou que se acaba induzindo à sobre-utilização de determinados serviços – pode ser até no setor de saúde – que de outra forma poderiam funcionar de modo muito mais racional, e econômico, para o conjunto da população, na ausência desses “estímulos” e subsídios perfeitamente idiotas.
Existe bem mais, do lado que não se vê, do que esse custo acrescido nas prestações que todos pagam, custo incorrido até pelos que não se utilizam desses ou de outros serviços. Se trata da demanda dos empresários afetados pela redução ou gratuidade  no sentido de obter determinadas “compensações” estatais (uma suspensão fiscal, por exemplo), ou então subsídios diretos à manutenção do serviço. Existe aí, ademais do custo direto da medida em si, uma imensa porta aberta para a corrupção, as combinações obscuras, a formação de pequenos e grandes carteis, enfim, todo tipo de patifaria a partir da seleção dos fornecedores de determinados serviços. O que não se vê é geralmente maior, e muito mais prejudicial, do que o que se vê como benefício.
Quando é que os brasileiros vão começar a prestar atenção no lado que não se vê da política corrente?
Seria preciso, provavelmente, organizar um curso elementar de Bastiat aplicado a todos os candidatos a cargos públicos, e também aperfeiçoar a educação política dos brasileiros. Mas esta, evidentemente, é tributária da educação em geral, aquela que supostamente se aprende na escola e que deveria servir para a vida toda. A julgar pelo constato quando ao estado atual – e próximo futuro – da educação no Brasil, ousaria dizer que não existe a menor chance desse quadro ser modificado para melhor no futuro previsível. Tenho razões para ser otimista, ao observar o quadro lamentável de nossa educação pública – e privada, também, pois os professores não são muito diferentes, com exceção das grandes escolas para ricos – e concluir que não há nenhum risco de melhorias positivas qualquer que seja o horizonte de nossas expectativas?
Quem tiver razões de esperança, pode escrever algum ensaio para me contradizer.

Dresden, 2399: 2 Junho 2012.

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