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sábado, 27 de outubro de 2012

Venezuela: os muitos livros e as leituras do Coronel

Acho que eu compro mais livros por ano do que o Coronel autoriza para aquisições externas...
Paulo Roberto de Almeida 

Ruth Costas
O Estado de S.Paulo11 de julho de 2009

Há pelo menos três livrarias no aeroporto de Caracas, mas se estiver em busca de um escritor consagrado da literatura latino-americana para passar o tempo antes do embarque, o visitante sairá frustrado de qualquer uma delas. O colombiano Gabriel García Márquez? "Não." O mexicano Carlos Fuentes ou o argentino Julio Cortázar? "Também não." O peruano Mário Vargas Llosa? "Nem pensar, só tenho esses aqui", diz a vendedora, desconcertada, apontando para uma estante quase vazia que começa com "Culinária para Crianças" e termina numa série de análises sobre o socialismo do presidente Hugo Chávez

No centro da capital venezuelana ou em bairros de classe média a situação é a mesma. "As autoridades não estão liberando dólares para importar livros, papel ou tinta. E não adianta dizer que o problema é a crise, pois sabemos que há uma questão ideológica por trás disso: para esse governo, literatura ?desengajada? não é prioridade", diz Andrés Boersner, dono da tradicional livraria Noctua.

Também estão em falta muitos clássicos, livros universitários e técnicos. "Hoje, de 50 títulos que me pedem, não tenho 45", conta Boersner. "Fiquei deprimido ao entrar numa livraria em Barcelona e ver todas as novidades literárias que não chegam mais na Venezuela."

O curioso é que a situação chegou a esse ponto apenas três meses depois de Chávez ter anunciado seu "Plano Revolucionário da Leitura", cujo objetivo é "estimular a leitura para ampliar a consciência". Mas é claro que não é qualquer leitura. Apenas a que "desenvolva uma ética socialista" e "desmonte o imaginário capitalista para dar novo contexto à história".

As bibliotecas públicas receberam caixas e caixas de obras "revolucionárias": coletâneas de discursos de Chávez, livros escritos por ministros, Cartas de Marx para Engels, o diário de Che Guevara na Bolívia e biografias de Simón Bolívar. Estão sendo organizados em bairros pobres os "Esquadrões Revolucionários de Leitura", cujo objetivo é "refletir e contribuir para a construção do socialismo do século 21".

E apesar de as editoras privadas não conseguirem importar papel, tinta e peças para seu maquinário, editoras ligadas ao governo distribuem milhares de livros a preços que não passam de US$ 2. Mais uma vez, não são quaisquer livros. Há sim, alguns clássicos como Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, mas a maior parte é o que as autoridades definem como "livros de esquerda".

IDEAIS SOCIALISTAS

"Recuperamos obras que estavam esquecidas, pois antes só havia espaço para a literatura de direita", disse ao Estado Miguel Márquez, presidente da editora Los Perros y las Ranas, ligada ao governo. Ela foi criada em 2006, ao receber uma doação de Cuba, e já distribuiu 50 milhões de livros. "São livros que contribuem para humanizar nossa sociedade, ou seja, para acabar com a valorização do dinheiro, típica do capitalismo, e impulsionar o socialismo."

Enquanto isso, as obras "não revolucionárias" são cada vez mais raras. "Tradicionalmente, mais de 80% dos livros lidos na Venezuela são importados de países como México e Espanha, mas agora eles chegam a conta-gotas", diz Yolanda de Fernández, da Câmara Venezuelana do Livro. Ela explica que, desde 2008, o governo passou a exigir um "certificado de não produção ou produção insuficiente" para a importação de livros. Ou seja, hoje a rede que quiser comprar qualquer título precisa esperar a emissão de um documento que diga que ele não é publicado na Venezuela.

Se o processo já era complicado nos últimos meses, com a queda do petróleo pressionando as reservas de Chávez, tornou-se ainda mais lento. "Mesmo com o certificado, os dólares para importar livros simplesmente não são liberados", diz Yolanda. Como o limite para as compras externas é cada vez menor, as distribuidoras preferem, quando podem, comprar best sellers (como o brasileiro Paulo Coelho) , o que reduz ainda mais a variedade de títulos em circulação no país.

O resultado desse processo é o que a oposição vem chamando de "a revolução cultural do presidente Chávez".

"As autoridades deste governo não conseguem entender, afinal, para que serve um livro de poesia ou um Dostoievski", diz Boersner. "Eles só sabem que não devem acrescentar muito à sua revolução."

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