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domingo, 17 de fevereiro de 2013

Livros e filantropia: uma relacao ainda precaria

O exemplo de José Mindlin
17 de fevereiro de 2013
Editorial O Estado de S.Paulo

Os cerca de 60 mil volumes doados pela família do bibliófilo José Mindlin à Universidade de São Paulo (USP) finalmente estão acomodados em um edifício construído para esse fim no câmpus do Butantã. A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin é um raro exemplo de generosidade num país em que profissionais e empresários bem-sucedidos não têm o hábito de "devolver" à sociedade parte da riqueza que acumularam. Mas é também um caso paradigmático das imensas dificuldades que filantropos como Mindlin, que não viveu para ver seu sonho realizado, enfrentam para fazer doações a universidades no Brasil.

Para conseguir entregar seus livros à USP, Mindlin teve de travar nada menos que oito anos de luta contra a burocracia. Primeiro, ele foi informado de que teria de pagar 15% de imposto sobre a diferença entre o valor declarado das obras e o de mercado. Como era uma exorbitância, o empresário decidiu criar uma fundação para ficar com os livros. No entanto, Mindlin soube que, ao transferir sua coleção para a sua própria fundação, teria de pagar um imposto de 4%. Somente quando a legislação foi alterada para isentar de impostos a doação de livros é que Mindlin conseguiu, enfim, doar seus preciosos volumes à USP.

O incentivo para a filantropia no Brasil é escasso. Pessoas físicas que fazem doações para fundos de auxílio a crianças e adolescentes, por exemplo, conseguem abatimento de até 6% do Imposto de Renda (IR) devido. Tramita no Congresso um projeto de lei que concede isenção de IR às pessoas físicas que fizerem doações a universidades, um benefício por ora restrito às empresas.

Além do zelo burocrático e da incidência de tributos, outro fator que concorre para dificultar a filantropia e as doações para universidades no Brasil é cultural. Há quem considere que a educação pública é responsabilidade exclusiva do Estado, e há os que argumentam que existe sempre o risco de ocorrer desvio ou mau uso do dinheiro doado.

As poucas iniciativas ainda são vistas com desconfiança. Uma delas é da Escola Politécnica da USP, que tem dois fundos para receber doações de ex-alunos e de empresas para financiar projetos de pesquisa e melhorias. Um desses fundos, o Endowment da Escola Politécnica (EEP), pretende constituir patrimônio de R$ 150 milhões até 2021, permitindo uma retirada anual de R$ 9 milhões. A título de comparação, o repasse do governo do Estado à Poli em 2010 foi de R$ 138,73 milhões. Os representantes dos alunos no EEP consideram essencial retribuir de alguma forma à sociedade os recursos públicos investidos em seu estudo e negam que haja interferência da iniciativa privada em uma entidade do Estado. No entanto, dentro da USP, não são poucas as críticas à ideia. Professores e alunos de outras áreas, especialmente de humanas, entendem que a entrada de dinheiro privado na universidade pública serve para esvaziar a pressão sobre o Estado para que invista mais em educação. Esse raciocínio mal esconde uma hostilidade atávica a tudo o que diz respeito à iniciativa privada.

Um episódio recente na Faculdade de Direito do Largo São Francisco foi didático a esse respeito. A faculdade atraiu doações de R$ 2 milhões para reformar duas salas de aula e, em troca, aceitou batizá-las com o nome dos doadores. Alunos e professores se revoltaram e as placas não foram colocadas. Para cumular o episódio de absurdos, um dos doadores entrou na Justiça para reaver seu dinheiro, já que a prometida homenagem não foi realizada - ou seja, não se tratava de doação, mas de compra do direito de batizar uma sala de aula.

Nos EUA, bilionários costumam doar parte considerável de sua fortuna para financiar universidades e pesquisas. Um dos casos mais significativos foi o de Warren Buffett, que entregou 85% de seus US$ 44 bilhões à Fundação de Bill Gates, que ajuda escolas públicas. Exemplos como esse mostram a distância que o Brasil ainda tem de percorrer para rivalizar com países em que a filantropia é parte da mentalidade, e não fruto da abnegação de uns poucos empresários, como José Mindlin.

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