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terça-feira, 5 de março de 2013

Venezuela: la se foi o comandante...

Muitas lágrimas, enxurradas delas, provavelmente mais sinceras do que as derramadas quando da morte de Stalin, ou de Mao Tsé-tung, dois tiranos que mataram muitos, milhões, de seus compatriotas.
Chávez nunca chegou a tanto, inclusive porque as condições eram bem diversas; foi apenas um autoritário caricato, quase de opereta, ou talvez totalmente de opereta.
Deixa a economia do país em frangalhos, e muito mais dependente do petróleo do que quando entrou, e justamente havia prometido fazer o contrário. Seria apenas a conhecida maldição do petróleo? Provavelmente não. Como Lênin, era um gênio político, mas um total incompetente econômico: o líder bolchevique também destruiu a economia russa, e Stalin passou a construir a economia soviética com basea no mais completo escravismo conhecido na era moderna. Mao foi muito pior, mas não inovou quase nada em relação a Stalin, apenas matou mais gente, mais por incompetência do que pod desejo de matar. Chávez não chegou a tanto, mas seria interessante saber quantos milhares de venezuelanos fugiram do seu socialismo do século 19, ou 18, sim, porque do século 21 não tinha absolutamente nada, só o calendário errado, torto, completamente deformado.
Herança pesada que deixa para os sucessores, de qualquer tendência e inclinação política e econômica. Herança muito pesada. Pobre Venezuela.
Ah, sim, vamos ter luto de três dias, querem apostar?
Não tenho nenhum sentimento adverso em relação à pessoa de Chávez, inclusive porque teria de ter também contra outros líderes populistas incompetentes da nossa região, o que não é o caso. Apenas tento compreender as circunstâncias pelas quais foi possível chegar a tamanha decadência política (mas que não é inédita na história da Venezuela; basta ver um perfeito antecessor de Chávez, cem anos atrás, na pessoa do coronel Cipriano Castro; depois houve outros ditadores). Muito pode ser atribuído a elites corruptas, certamente, mas tam∫ém se deve à falta de educação política, ou de educação simplesmente, da maior parte da população. Conhecemos isso, também, pois temos o mesmo fenômeno, apenas com menos desastres. O que faço, geralmente, é apenas analisar, e criticar, políticas públicas, meu terreno preferencial de debate intelectual. Registro que as da Venezuela, e da Argentina, foram muito mais incompetentes, dezenas de vezes mais do que as do nosso vidente.
Transcrevo abaixo pequena alegoria que fiz no começo deste ano, quando já era evidente que os dias do candidato a ditador estavam contados. Prolongaram seu sofrimento durante muito tempo, como aliás ocorre com os verdadeiros ditadores: Stalin, Mao, Tito, Franco, Salazar e outras figuras caricatas da América Latina. El colonel ya no tiene quien le escriba, mas muitos vão chorar nos próximos dias.
Paulo Roberto de Almeida

Uma lágrima para Chávez; nenhuma para o socialismo do século 21
Paulo Roberto de Almeida
Alegoria política estilo século 20
Juca Chávez se foi. Uma pena. Era um bom cantor e compositor. Encantava o público, que podia passar horas escutando-o deblaterar contra os poderosos, os políticos tradicionais, os mercados, o capitalismo, a ganancia, a cupidez dos homens, enquanto versejava sobre um futuro melhor, feito de abundância, de solidariedade, de muito amor e compreensão. Embaladas nos acordes de um velho violão, as canções soavam simpáticas, sempre prometendo justiça e bem-estar para todos, mesmo sem esclarecer como tudo isso seria alcançado, já que trovas políticas precisam ter recados curtos para serem eficazes. Ele chamava tudo isso de “socialismo do século 21”, um título curioso, pois suas ideias recendiam mais ao século 19. Enfim, a vida é feita de contradições.
Era um mestre das palavras e das rimas. Sabia tocar os corações e mentes das pessoas, sobretudo os mais humildes, aqueles afastados dos círculos de poder, que só têm uma vaga ideia sobre como são complexos os mecanismos da dominação política e ainda mais as engrenagens dos circuitos produtivos. Chávez era um carismático, com sua retórica poderosa, certamente convencido de seu próprio poder sobre as pessoas. Mas ele não descuidava de fazer sua autopromoção, ressaltando suas qualidades e escondendo habilmente seus defeitos. Acompanhado de seu violão, era capaz de reter as pessoas durante horas, frente às telas da televisão, ou ao som do rádio.
A isso chamamos liderança natural: Juca Chávez a tinha de sobra. Pena que usou muito mal de todas as suas habilidades, prometendo muito e, afinal, entregando muito pouco. Suas ideias econômicas eram bizarras, feitas de uma mistura de estatismo e socialismo rústico: acabou desmantelando as bases da economia de mercado, e deixando o país pior do que se encontrava quando assumiu sua posição de líder, o que lhe converteu numa espécie de caudilho da música popular. Primeiro, passou a achar que só as suas músicas eram as boas: daí praticamente monopolizou as rádios e TVs para seu estilo de música, banindo todos os demais. Depois decretou que todos (ou quase todos) passariam a usar a mesma cor de camisa, que ele dizia ser a cor do amor. Tanto carinho e dedicação a suas causas nobres encantavam os já conquistados ao seu charme e pregações, mas deixavam poucas opções de escolha aos demais, aqueles que simplesmente gostariam de usufruir de suas boas promessas, sem necessariamente ter de aderir a todas as suas maneiras e trejeitos.
Juca Chávez, como trovador, era mesmo contraditório: queria fazer o bem, mas achava que todos deviam concordar com a sua maneira especial de fazer o bem. Na verdade, ele não estimulava a criatividade nas ou das pessoas; pretendia simplesmente à agregação de todos e cada à sua visão peculiar do que fosse o bem, ao seu projeto pessoal de engenharia social. E a sua engenharia padecia de sérios erros estruturais.
Juca Chávez se foi. O mundo da canção latino-americana já não será mais o mesmo, pois Chávez o transformou irremediavelmente. Deixou seguidores, mas nenhum à sua altura, ou dispondo de seus recursos pessoais e materiais. Vai fazer falta para muitos, sobretudo porque era generoso com os humildes, embora impiedoso com quem não partilhava de seu “socialismo do século 21”. Este nunca chegou a ser formulado explicitamente e, de fato, era muito confuso para funcionar de verdade. Imagina-se que nunca funcionaria na prática, já que poetas e trovadores jamais conseguem articular soluções a problemas concretos: ele só alimentam sonhos.
Uma lágrima para Juca Chávez; nenhuma para o seu socialismo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de Janeiro de 2013.

Um comentário:

Anônimo disse...

Professor,

A alguns nao escapara a coincidencia de datas


http://www.lemonde.fr/idees/article/2013/03/05/staline-fantome-omnipresent_1842899_3232.html


Vinicius