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terça-feira, 9 de abril de 2013

A Dama de Ferro, Margareth Thatcher (1925-2013), 6 - Paulo Roberto de Almeida, Reinaldo Azevedo

Antes de transcrever o que vai abaixo, o que subscrevo quase inteiramente (mas daria uma coloração ainda mais histórica e econômica, digamos assim), quero apresentar a minha visão, não da Margareth Thatcher, como pessoa, mas da Inglaterra que eu conheci, antes e depois dela.
Não tenho porque elogiar Margareth Thatcher: nunca fui seu admirador incondicional, inclusive porque considero que estadistas devem fazer seu papel de estadistas, quando o são, e a maioria não é.
A maioria dos homens (e mulheres) políticos são oportunistas, demagogos, mentirosos, distributivistas, irresponsáveis, especialistas em gastar o dinheiro dos outros em projetos eleitoreiros, para si, e sempre para si. Ela conduziu a mais importante reforma econômica e social que a Inglaterra conheceu desde a Revolução Gloriosa (1688), e isso não é pouco, mas não precisava, em minha visão, ser complacente com um ditador como Pinochet (ainda que defendendo o direito internacional e os princípios pelos quais se organiza um país democrático como o Reino Unido).
Ou seja, não confio em políticos, quase nunca e minha opinião sobre ela é crítica.
Alguns, mas muito poucos, são estadistas: Churchill, Roosevelt, De Gaulle, Gorbatchev, Thatcher, justamente, ou seja, homens (e uma única mulher, ao que saiba) que souberam se elevar acima do seu tempo, acima de seus interesses eleitoreiros e deixar uma obra que representou, sim, uma mudança histórica, qualquer que seja o motivo, a circunstância ou o contexto em que tenham atuado. Eles fizeram a diferença, porque foram líderes, e líderes para o bem (e aqui entram os valores). Isso exclui, obviamente, outros "grandes homens" que só causaram destruição e miséria (e alguns podem estar ainda entre nós), mas a maioria é de uma mediocridade exemplar, infelizmente.

Pois bem, não vou elogiar a MThatcher, apenas dizer algo que eu observei, pessoalmente.
Estava começando o meu doutoramento, ainda cheio de ideias marxistas, socialistas, modelos típicos da academia para examiar as "revoluções burguesas" e seu papel na transição ao capitalismo e à democracia, bem ao estilo florestânico que ainda era o meu no final dos anos 1970.
Fui à Inglaterra, berço de duas revoluções burguesas e do primeiro capitalismo e da única democracia contínua nos últimos quatro ou cinco séculos, basicamente para comprar livros, para me abastecer dessa rica bibliografia marxista de que os historiadores ingleses são os mais dignos representantes (a começar por Thompson, Hobsbawm, Dobb e outros).
Bem, comprei livros é verdade, mas reparei que a maior parte da literatura sociológica estava contaminada pela atmofesra do declinismo, da decadência, de uma sensação de "fim de época".
E a Inglaterra que eu vi, com estes olhos que a terra..., era uma Inglaterra de terceira classe, suja, proletarizada, paralizada por greves, enfim, um país do Terceiro Mundo quase, o que me surpreendeu bastante. Então, o glorioso império estava reduzido a um país decadente, cuja renda per capita seria logo mais superada pela de sua colônia "chinesa", Hong Kong?
A Inglaterra de fato estava sendo superada pela Itália no G7, e ficando para trás, sem qualquer esperança de recuperação.
Fui embora da Europa dois anos antes da emergência do fenômeno Thatcher, e só voltei lá, como um observador crítico, depois que ela tinha sido traída pelos seus colegas de partido e largado o poder. Estive lá, sim, no meio do seu governo, no início dos anos 1980, mas para uma estada rápida, como turista, e sem tempo para refletir sobre realidades que ainda não se tinham modificado plenamente. A  MThatcher ainda brigava com os sindicatos e a situação ainda não tinha mudado dramaticamente, como ocorreu a partir de meados dessa década.
Fui novamente lá no final de 1994, depois, portanto, que ela tinha saído do poder. A Inglaterra era outra: tinha metade do desemprego do continente, e o dobro da taxa de crescimento da UE, com investimentos asiáticos e tudo mais. A sujeira que eu tinha visto espalhada por todos os cantos em 1977 tinha desaparecido, e o país estava limpo e próspero.
Bem, nessa altura eu já não era mais socialista, apenas um reformista liberal, pois tinha aprendido pela experiência como funcionam as democracias de mercado e como não funcionam os regimes socialistas e os diversos regimes capitalistas estatizados, dirigistas, distributivistas, exatamente os que provocaram a crise de 2008.
Ainda vou elaborar mais a esse respeito por que é importante.
Políticos "normais", ordinários, fazem distributivismo demagógico até quando sobrevier a crise. Estadistas preparam o país para o médio e longo prazo, atuando para consolidar o crescimento. Quem faz apenas distributivismo caolho, e oportunismo, acaba precipitando o país nas crises. Mas isso não depende apenas de estadistas e sim de uma organização social e política compatível com o crescimento e a produtividade. É por isso que os EUA, com toda a sua desigualdade (e na ausência completa de estadistas, com políticos medíocres), consegue criar riquezas e crescer mais do que a Europa: porque mira produtividade, não distributivismo barato. Por isso também que os escandinavos, com todo o seu "distributivismo", assistencialismo e enorme carga tributária, ainda assim têm um desempenho melhor que a Europa continental (mas a Alemanha poderia ser integrada ao bloco dos escandinavos): porque miram na produtividade, na educação, no desempenho, não apenas na demagogia barata, à la francesa, ou mediterrânea.
Vou elaborar a respeito.
Por enquanto fiquem com o texto desse jornalista.
Paulo Roberto de Almeida

A principal obra de Thatcher foi ter enterrado o “socialismo” do Partido Trabalhista. Ou: Grã-Bretanha está sob seu governo há 34 anos!
Reinaldo Azevedo, 8/04/2013

Sem Margaret Thatcher, a Inglaterra estaria no buraco. Como eu sei? Era o mais estatista e estatizado dos países europeus, decorrência das “conquistas” do Partido Trabalhista, uma agremiação surgida em 1900, criada por socialistas dos mais diversos matizes, por sindicalistas e por intelectuais marxistas. Era socialista, mas não revolucionário. O PT, 80 anos depois, apareceu em terras brasileiras com discurso semelhante — já explico por que isso tem lá a sua ironia. Em 1918, os trabalhistas incorporaram a seu programa a chamada Cláusula IV, que estabelece como norte a propriedade coletiva dos meios de produção. Atenção! O texto só foi mudado na convenção nacional de 1992, 74 anos depois! Se você clicar aqui, terá acesso às duas versões da cláusula, a anterior e a que está em curso, que defende a colaboração entre o capital privado e o estado.

A maior obra da conservadora Thatcher foi mudar o Partido Trabalhista, pondo um ponto final à ilusão, ao menos nas democracias europeias, de que o estado-empresário é o melhor indutor do desenvolvimento. Ela chegou ao poder em 1979 e deu início a um processo de desestatização da economia que tirou a Grã-Bretanha do impasse, refém que era do sindicalismo barra-pesada e da ineficiência. É vista como a precursora do que pode ser considerado mais uma invenção da esquerda do que da direita: o tal “neoliberalismo”, que encontraria em Ronald Reagan, que assumiu a Presidência dos EUA em 1981, o outro protagonista.

Não havia nada de “novo” no liberalismo de Thatcher e de Reagan, sempre lembrando que atuaram em ambientes bastante distintos no que respeita à presença do Estado na economia; ela teve muito mais trabalho. A novidade ficou por conta, talvez, da revalorização das forças de mercado, tidas, então, pelas esquerdas intelectuais como uma fase superada da civilização.

Thatcher comprou todas as brigas contra o sindicalismo brucutu e não cedeu. Foi primeira-ministra por mais de 11 anos (de maio de 1979 a novembro de 1990; seu sucessor, o também conservador John Major, ficou no poder até maio de 1997. As mudanças que ela operou na economia garantiram aos conservadores 18 anos de poder.

E agora voltamos aos trabalhistas. Em 1992, o partido decidiu mudar o conteúdo da Cláusula IV. A ideia de uma Grã-Bretanha socialista, organizada segundo a propriedade coletiva dos meios de produção, se parecia, vá lá, utópica no papel, havia se tornado ridícula quando confrontada com a realidade. Em 1997, um Partido Trabalhista, se me permitem a brincadeira, “thatcherista” vence a eleição e conduz Tony Blair ao poder por 10 anos — mais três de seu correligionário Gordon Brown. Nos 13 anos de trabalhismo pós-Thatcher, os marcos da economia continuaram rigorosamente os mesmos. Houve uma inflexão ou outra mais “social” na saúde e na educação e só.

Não é nenhum exagero afirmar que a Grã-Bretanha está há 34 anos sob os fundamentos que Thatcher reintroduziu na economia. E não há recuo possível. A sua última grande — enorme contribuição! — ao país foi dizer um sonoro “não” à Zona do Euro, que antevia como uma usina de crises, que teria de ficar sob a permanente regência da Alemanha. Como um único Banco Central haveria de arbitrar demandas de economias tão distintas? O presente, é evidente, lhe dá razão.

Fora do tempo
Thatcher se torna primeira-ministra em 1979, quando se ensaiava por aqui a formação do PT, fundado um ano depois. Em 1981, Reagan se elege nos EUA. Em 1982, Lula disputa o governo de São Paulo com uma plataforma socialista, discurso repetido em 1989, na eleição presidencial. Estávamos, obviamente, na contramão da história. A Constituição de 1988 vem à luz pautada, em muitos aspectos, por um estatismo xucro, com aversão clara ao capital. A Grã-Bretanha estava no 10º ano de suas reformas.

O Plano Real nos salvou do abismo, e não só pela virtude em si de ter posto a inflação sob controle. É que esse bem teve um desdobramento político importante: a eleição de FHC em 1994, com a reeleição em 1998.  Atenção! Dezesseis anos depois da chegada de Thacher ao poder e 14 depois da chegada de Reagan, o Brasil optou por umas poucas privatizações — enfrentando a tropa de choque sindical e o lulo-petismo — que fizeram do Brasil, apesar de tudo, um país contemporâneo, ainda que sempre na rabeira, como hoje.

As reformas que o Brasil empreendeu na década de 1990 só foram possíveis porque Thatcher e Reagan haviam recuperado, muito antes, o prestígio das leis de mercado e demonstrado, na prática, que o Estado, quando refém de corporações de ofício, produz mesmo é atraso orgulhoso.

Aqui e ali vocês lerão que a crise de 2008 ainda é desdobramento da desregulação da economia promovida pela dupla e coisa e tal. Bobagem! Isso é só ideologia chinfrim. Aos respectivos governos de ambos se sucederam gestões ditas “progressistas”, com inflexões à esquerda — a possível em cada país. Por que não se operaram, então, mudanças de rumo? De resto, a bolha imobiliária americana não se formou porque se seguiram as leis de mercado; ela só se tornou gigantesca porque essas leis não foram seguidas.

Começo a encerrar com mais umas considerações sobre o Brasil,. Também o PT, no poder, abandonou o seu credo socialista de antes, a exemplo do Partido Trabalhista inglês. Só que aquele teve a decência de mudar seus estatutos, não é? O PT continua com a sua cantilena dita socialista, o que é mera propaganda. Socialista não é, mas autoritário sim! O país opera segundo as leis de mercado, mas o sindical-estatismo tem peso crescente não exatamente na economia, mas no custo Brasil.

As esquerdas, especialmente em nosso país, foram hábeis na campanha de demonização do chamado “neoliberalismo”, especialmente depois da crise de 2008. Querem o Estado como patrão da sociedade. É claro que o modelo não vai dar certo. Já não está dando, diga-se. País que cresce menos de 1% com inflação renitente e baixo investimento está encalacrado. Mas, por enquanto, fica ancorado no consumo e na criação de empregos de baixa qualidade. Popular, o governo dá Bolsa Família de um lado e Bolsa Empresário de outro. Aloizio Mercadante, candidato a pensador desse novo momento brasileiro, filosofou em entrevista ao Estadão que, para o povo, PIB se traduz por emprego e consumo. O crescimento não tem tanta importância. Se o país cresce 1% e se o que importa, como quer o mestre, é emprego e consumo, esse desajuste se alimenta de alguma seiva. No caso, alimenta-se do nosso futuro.

Uma Margaret Thatcher no Brasil parece coisa impossível. Há alguns dias, Dilma anunciou a criação de uma estatal das águas, “Hidrobras” ou coisa assim. O Estado gerenciando a sociedade, em vez de a sociedade gerenciando o estado, está se tornando nossa segunda natureza.

Morreu uma grande mulher. Foi uma das principais personagens de uma mudança na economia de efeitos planetários.

Margaret Thacher morreu pobre.

Um comentário:

Luís Paulo disse...

Paulo,

Excelentes comentários vou compartihar essa sua visão sobre a MThatcher com algumas pessoas que a conheceram, aliás como sempre o faço.

E vou aguardar algo mais elaborado sobre o assunto.

Abraço