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quarta-feira, 15 de maio de 2013

A universidade brasileira no pantano: revalidacao de diplomas estrangeiros - Joaquim Miranda


Jeitinho brasileiro para não revalidação de diplomas  
Joaquim Miranda
13/05/2013

Em termos percentuais o Brasil tem hoje o menor índice de mestres e doutores que qualquer outra nação desenvolvida ou em desenvolvimento[1]. 
A depender da pequena elite cultural brasileira, detentora de títulos de mestre e doutor – conquistados em grande parte na Alemanha, Portugal e Espanha – a situação permanecerá assim por muito tempo ainda. Eis que tem se implantado a cultura da xenofobia em relação a qualquer título vindo de outro país, ao argumento de que o padrão acadêmico brasileiro seria inigualável por quem quer que fosse. Imaginem que a cada avanço da legislação brasileira os burocratas encontram um “jeitinho” de impedir ou pelo menos de dificultar a validade do título de novos doutores formados, a duras penas, no exterior.
O pressuposto, já de início, é de que qualquer universidade estrangeira não é séria. Quem sai do Brasil para cursar qualquer pós-graduação no estrangeiro está em busca de turismo e diploma fácil. É como se no estrangeiro existisse uma grande feira de diplomas a venda – “pagou pegou”.
O preconceito (reserva de mercado?) tem levado ao declarado descumprimento da lei. A LDB assinala (art. 48 §3º) que os diplomas de mestre e doutor obtidos no estrangeiro devem ser revalidados por instituições brasileiras. Os ilustres doutores tem encontrado uma forma de dificultar. Em algumas universidades optam simplesmente por desatender ao mandamento legal e dizer delicada e francamente “não estamos revalidando diplomas estrangeiros!” – isso é inconstitucional, conquanto a questão do reconhecimento dos graus e dos títulos acadêmicos alcança direitos sociais fundamentais – educação e trabalho, de significativa parte dos profissionais de ensino brasileiro, e não pode ser negada arbitrariamente. Não há falar em ausência de normas, conquanto no subitem 2.3.1 do artigo 45º do Parecer CNE/CES 199/2002 o Ministério da Educação prevê, literalmente:
Quanto a este último segmento, observa-se que, no Brasil, de acordo com o disposto no art. 53, VI e VII, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as universidades, públicas federais, estaduais, municipais e privadas já têm competência para conferir graus, diplomas e outros títulos, firmar convênios com instituições estrangeiras, independentemente de homologação por autoridade superior .
Em outras universidades, para não dizer que estão totalmente fechados, abrem um curto período (às vezes 15 dias por ano) para recepção de títulos estrangeiros para uma demorada e burocrática apreciação. E o que dizer da análise dos diplomas estrangeiros? Uma distinta universidade do sul do país chegou a negar revalidação de um diploma argentino ao argumento (risível) de que a universidade emissora do título não era famosa! Nenhuma argumentação em torno da qualidade do corpo docente. Nenhum comentário sobre o programa do curso. Nenhum comentário sobre a qualidade da tese e sua significativa contribuição para a comunidade científica. A obrigação parece ser simplesmente a de construir argumentos para rejeitar a revalidação. A qualquer preço.
Inconformados com a situação muitos juristas sérios tem se mobilizado, Brasil afora, no sentido de se conseguir legislação estadual e municipal garantidora de que, no respectivo espaço político os títulos de pós-graduação advindos de instituições previamente cadastradas possam ser tidos como válidos para fins acadêmicos, nos estritos termos do previsto no Decreto Presidencial 5.518/05 – absolutamente constitucional a iniciativa, portanto, e harmônica com as leis federais.
Sobre a constitucionalidade da iniciativa. Muito embora a Constituição da República preveja, no artigo 22, XXIV, que a União detém competência privativa para traçar bases e diretrizes de conteúdo geral e aplicabilidade nacional, está muito claro no artigo 24, IX, da mesma Constituição, que os Estados e o Distrito Federal detêm competência concorrente para legislar em matéria de execução de normas locais (v.g. aceitação automática de um diploma estrangeiro no Estado) obedecida a especificidade de cada ente federativo. Precedente: STF, ADI 3669.3.
A crítica mais incisiva tem se dado em relação aos diplomas de origem argentina. A maioria dos que criticam desconhecem a tradição cultural do povo argentino, em cuja capital acredita-se ter mais livrarias que no Brasil inteiro. Critica-se, mas sequer sabem como funciona o sistema. Diferentemente do que se passa em muitas universidades brasileiras, onde o doutorando é quem dá aulas e o professor passa a ser um mero expectador, em Buenos Aires as aulas são efetivas, as pesquisas de campo são assistidas, o relacionamento de orientando-orientador é um comprometimento sério e permanente. Basta buscar a produção bibliográfica resultante das teses ali produzidas. Contra os fatos não há argumentos!
É evidente que, assim como no Brasil[2], a maior parte dos que iniciam o doutorado não o concluem. Existem sim, os que se dedicam ao turismo e ao vinho argentino, mas o descompromisso de alguns não pode macular a imagem e a honra de muita gente séria[3] que enfrenta o empreendimento a um elevado custo – viagens, hotéis, alimentação, mensalidades escolares, a ausência do lar, etc.,
Porque existem mais brasileiros cursando doutorado em Direito na Argentina do que no Brasil? A resposta é simples: Basta indagar quantas vagas em doutorados em nossas universidades são oferecidas para os mais de 3 milhões de bacharéis em Direito que temos em nosso país. Uma grande universidade federal do sudeste recentemente abriu edital com a oferta de 4 vagas! Ora, porque não se abrem vagas nos mestrados e doutorados do Brasil, se a demanda reprimida é tão grande? Não seria por acaso alguma dose de ciúme, de egoísmo, de “proteção de mercado” para evitar a multiplicidade de profissionais habilitados nas áreas do conhecimento científico?
Na Universidade de Buenos Aires, UBA, os alunos brasileiros assentam-se ao lado dos alunos argentinos – e chilenos, venezuelanos, portugueses, etc. De vinte nacionalidades ao todo. Ali se submetem às mesmas exigências e recebem aulas com ilustres professores doutores brasileiros e argentinos – pessoas de caráter ilibado e conhecimento científico inquestionável. Refiro-me a Flávia Piovesan, a José Luiz Quadros Magalhães, a Paulo Busato, a Antonio Carlos Wolkmer, a Eugénio Raúl Zaffaroni, a Carlos Maria Cárcova, Ricardo Rabinovich-Berkman, dentre outros[4].
No afã de denegrir o desconhecido, lançam-se mão de dados falaciosos e informações desencontradas. 
case “Museo Social”. A Universidad Del Museo Social, possui cerca de 500 brasileiros matriculados no seu doutorado. Criada há mais de um século, sob inspiração do “Musée Social de Paris”, é berço de ilustres personalidades. Possui nos seus quadros 98 (sim, a relação nominal enumera noventa e oito professores!) todos aptos a orientar os doutorandos. E mais, não se admite que um doutor oriente mais do que 5 doutorandos. Os dados estão disponíveis na CONEAU. Há quem não interessa investigar. Fala-se sem conhecimento!
Nenhum doutorado da Argentina dura menos que 4 ou 5 anos e a carga horária de aulas presenciais nunca é inferior às exigências da CAPES – 360 horas! Sem contar as horas de pesquisa e tutoria.
Claro, essas 360 horas de aula costumam ser dividias em quatro encontros de 15 dias. Um a cada semestre. Durante o período de permanência no Brasil, o doutorando se dedicará à leitura, deve atender a rigorosas exigências de produção de “papers” – dezenas de pesquisas e investigações, geralmente orientadas. Além do convívio acadêmico exige-se leitura, reflexão e produção acadêmica. Artigos e livros devem ser publicados para qualificação e depósito do projeto de tese. Não existem facilidades ou favorecimentos. O caráter objetivo é observado em tudo. Não é à toa que um pequeno número logra defender uma tese com sucesso na Argentina. Após 10 anos de atividades acadêmicas de brasileiros na Argentina, acredita-se que até hoje o número total de doutores brasileiros com teses defendidas naquele país não ultrapasse a casa dos cem.
Como os brasileiros se inscrevem. Considerada a inviabilidade das universidades argentinas estabelecerem escritórios próprios no Brasil, optou-se por credenciar representações: escolas e instituições brasileiras que deverão selecionar os alunos, recepcionar e validar a documentação, receber e repassar para a Argentina os valores das mensalidades e estabelecer um verdadeiro intercâmbio entre o aluno e a universidade. Nesse contexto se destaca a Escola Superior de Justiça, que possui um departamento acadêmico com quatro pessoas aptas a orientar o doutorando durante todo o tempo – aquisição de obras raras, instruções sobre pesquisas de campo, ajuda na elaboração do projeto de tese, na escolha do tema de tese, etc. é o seu forte.
Os preços são módicos. Inferiores a 50% do que se cobra, comumente, por curso equivalente no Brasil. Claro que além do valor que é pago para as universidades – em média 10 mil dólares, o doutorando terá que arcar com os custos ordinários com livros, viagens[5] e estada na Argentina.
As exigências da CONEAU, órgão argentino similar à CAPES e que tem promovido repetidas reuniões com esta para padronização de ensino, são extremamente rigorosas. Não deixa nada a desejar em relação ao padrão brasileiro. Supera-o em muitos casos. Só na última convocatória, encerrada na virada do último ano, 5 ou 6 universidades perderam o seu credenciamento. Entre estas uma que recebe brasileiros, a “Museu Social” foi desclassificada em um primeiro momento, por apresentar baixo número de egressos em relação aos ingressantes, mas a decisão da CONEAU – que sequer foi divulgada ao público, ainda não é definitiva, conquanto está pendente de recurso administrativo no próprio órgão. Evidente que se esgotadas as instâncias administrativas ainda se pode contar com o Poder Judiciário[6], pois o índice de diplomados ali não destoa da média mundial.
A questão da reciprocidade. Um doutor formado no Brasil é doutor em Portugal, na Argentina e outras partes do mundo. A comunidade científica respeita, geralmente, a autonomia didático-científica das universidades e mediante um procedimento simplificado de equivalência reconhecem o grau acadêmico. No Brasil, em muitas paragens, ainda vivemos verdadeira ditadura universitária. Mesmo o Decreto Presidencial 5.518/05 prevendo explicitamente que títulos do Mercosul tem validade automática no Brasil, é comum a negativa desta possibilidade. E o pior: eventualmente o doutor brasileiro formado na Argentina pede a revalidação do seu diploma e aí além da documentação formal[7] exigem cópias de passagens aéreas, notas de hotéis, tickets de restaurantes e outros e ao final negam o pedido de revalidação ou simplesmente o “arquivam” e não se manifestam. Ainda bem que o Judiciário brasileiro está atento. Nos Recursos Especiais 1.182.993/PR e 971.962/RS, restou assegurado que os títulos do Mercosul são passíveis de revalidação e recusas injustificadas não deverão ser toleradas. É de se destacar, todavia, que em outras ocasiões, como no julgamento dos Embargos Infringentes nº 2008.70.00.009800-1/PR, o Judiciário garantiu que “é possível o registro de título de curso de doutorado apenas para fins de docência de forma automática, sendo desnecessário o processo de revalidação, imprescindível apenas a comprovação do depósito de ratificação expressa pelos países participantes do Acordo Internacional”. Raciocínio semelhante pode ser extraído das decisões dos feitos ordinários nº 2007.70.00.018550-1/PR ou nº: 2001.38.00.014426-6[8], confirmado em segunda instância.
Não é sem motivo que a Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler lembra[9] que “o disposto no artigo 207 da Constituição Federal de 1988 de que as ‘universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial’, não tem a abrangência pretendida pela agravante e deve ser interpretada em consonância com o disposto no artigo 209 da Carta Política. Autonomia não se confunde com ausência de limites”[10].
Não se pode estereotipar. Julgar a qualidade do ensino argentino e das centenárias universidades daquele país com base no rendimento de um ou outro brasileiro que terá ido lá e fracassado, é partir do varejo em direção ao atacado. É um retrocesso. Estudantes com rendimento pífio existem na Argentina, no Brasil e em qualquer parte do mundo. Isso não pode desqualificar os festejados programas de doutorado da Argentina, que, sem preconceito e nos moldes europeus abrem[11] as portas para os brasileiros.
Não somos a favor de reconhecimentos indiscriminados. A instituição há que ser séria, credenciada por órgão similar à CAPES, as exigências mínimas dos cursos brasileiros devem ser observadas – número de horas, qualificação do corpo docente, substância da tese, etc. e os diplomas – por óbvio, devem ter plena validade no país de origem. Não podemos é, em nome de um discurso puritano de reserva de mercado, dizermos que queremos o aperfeiçoamento cultural da nossa gente e dar um tiro no pé, incentivando as universidades brasileiras a negar revalidação a valiosos títulos de universidades estrangeiras, em franco descumprimento da lei. Isto é ilegal. Seguramente, não é isso que o Brasil quer. Atitudes mesquinhas e egoísticas não são um exemplo recomendável para os jovens estudantes. Respeitemos o MEC, a Capes e, acima de tudo, a soberania da vontade popular representada pela Lei.
O caminho para enfrentarmos estas ansiedades e incongruências passa pelo reafirmar dos compromissos da universidade com os temas da excelência acadêmica e pelo desejo sincero e despretensioso, do aperfeiçoamento educacional e cultural de nossa gente, pelo respeito ao outro, sem preconceitos, pela valorização dos direitos humanos, pelo cumprimento da lei, pela aceitação da globalização e pela democratização e internacionalização do conhecimento, superando a antinomia do privado ante o universal.
Respeitemos o MEC, a Capes e, acima de tudo, a soberania da vontade popular representada pela Lei.
O caminho para enfrentarmos estas ansiedades e incongruências passa pelo reafirmar dos compromissos da universidade com os temas da excelência acadêmica e pelo desejo sincero e despretensioso, do aperfeiçoamento educacional e cultural de nossa gente, pelo respeito ao outro, sem preconceitos, pela valorização dos direitos humanos, pelo cumprimento da lei, pela aceitação da globalização e pela democratização e internacionalização do conhecimento, superando a antinomia do privado ante o universal.


(*) Joaquim Miranda é Promotor de Justiça em Minas Gerais. É mestre, doutor e pós-doutorando em Direito.



[1] Até mesmo a Argentina, que tem um quinto da população da brasileira, tem maior quantidade de doutores que o Brasil. Não é sem causa que os cientistas argentinos já conquistaram cinco prêmios nobéis e o Brasil nenhum.
[2] Não faz muito tempo a CAPES divulgou que apenas 5% dos que iniciam um doutorado no Brasil o concluem.
[3] Entre os alunos do sistema intensivo argentino contam-se vários ministros do STJ; inúmeros Procuradores da República – chegando até a sub-procuradoria-geral; advogados conceituados; juízes e membros do Ministério Público das mais diversas origens, professores renomados e outros nem tanto.
[4] Se caminhamos um pouco mais podemos ter aulas na Argentina com Juan Carlos Alby, Ricardo Ballestra, Aníbal Fornari, Luis Maria Desimoni, Rodolfo Luis Vigo, Adalberto Agozino, Luis Niel Puig, Jorge Mosset Iturraspe, dentre outros – professores mundialmente conhecidos, alguns com mais de 70 obras escritas.
[5] Pelo menos 5 viagens. Geralmente mais.
[6] Ao contrário do que alguém supôs e afirmou recentemente, o caso “Museo Social” não foi judicializado.
[7] Cópia do diploma e da tese, cópia do programa das disciplinas, da ata de defesa de tese, do currículo dos professores, o trâmite consular e ministerial de todos os papéis, etc.
[8] Decis. na Medida Cautelar na RcL 2240 MG, julg. 3/04/03 e publicada no DJ 10/04/2003 pp.00037. Sobre o mesmo tema o Ministro Celso de Mello, relator, discordando da absurda e arbitrária posição da universidade assinala:
Eis que embora revestido de poder discricionário, não pode o órgão administrativo a quem compete o mister de avaliar e revalidar o título acadêmico, agir com arbítrio, sendo certo que a rejeição do mesmo há de se fazer com base em motivação sólida, para que se propicie ao poder competente a análise da sua legalidade, já que nenhuma restrição de direito se sustenta, se inexistente lei que a referende.
(…)
Ademais, o objeto do Protocolo Internacional a que aderiu o Brasil, não é outro que não o fomento ao maior desenvolvimento da Educação e Pesquisa nos Países signatários, através da integração e interação de seus organismos”.
[9] Vide artigo apresentado pela Desembargadora ao Seminário sobre Direito da Educação, promovido pelo Conselho da Justiça Federal – CJF, Brasília. Disponível emconline1.cjf.jus.br/phpdoc/pages/sen/…/textos…/marga_inge1.doc . Consulta em 20 de junho de 2012.
[10] Vide, neste exato sentido, os seguintes acórdãos: AI nº 2002.04.01.056050-3/PR (Ação Civil Pública), TRF-4ª Região, 3ª Turma, Relª Desª Marga Inge Barth Tessler, julg. em 11.02.2003, DJU de 02.04.2003, p. 665-666. Ação Ordinária nº 2002.70.00.035480-5/PR e Ação Civil Pública nº 2002.70.00.073937-5/PR.
[11] As universidades argentinas, seguindo a tendência europeia – e já adotada recentemente pela USP, UNICAMP, UFSC, pelas PUCs e mais recentemente pela UFMG, dentre outras) admite graduados diretamente para o doutorado – sem mestrado. Entendem que as propostas são distintas e interdependentes.

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