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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Brasil-Bolivia: quem deve sentar-se no banco dos reus? - Ricardo Noblat

Quem deveria sentar-se no banco dos réus

Ricardo Noblat


Finalmente apareceu alguém sem medo de confrontar a presidente da República - o diplomata Eduardo Saboia, cérebro da operação que resultou na retirada da Bolívia do senador Roger Pinto Molina, refugiado em nossa embaixada de La Paz há mais de 450 dias.
O Brasil acatara o pedido de asilo político do senador, que denunciara autoridades do seu país por envolvimento com narcotráfico. A Bolívia negara o salvo-conduto para que Roger deixasse o país em segurança sob a acusação de que é corrupto.
Saboia disse que Roger não podia receber visitas. Nem circular dentro do prédio da embaixada. Nem se comunicar com a família. Nem tomar banho de sol. Uma autoridade do governo boliviano comentou certa vez que ele ficaria ali até morrer.
- Você imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai? Aí vem o advogado e diz que você será responsável se ele se matar. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi.
Presidente não bate-boca com funcionário de escalão inferior. Dilma bateu, ao dizer ter provado da desumanidade dos DOI-Codis. O dia sequer terminara e Saboia já replicava Dilma. "Eu que estava lá, eu que posso dizer. O carcereiro era eu. Ninguém mais viu aquela situação", respondeu. Desautorizou a presidente. E sugeriu que ela nada poderia falar a respeito porque não estava lá.
Nenhum ministro, senador, deputado ou presidente de um dos poderes da República foi tão longe em relação a Dilma como Saboia, um mero encarregado de negócios que respondia por uma embaixada de segunda classe na ausência do embaixador.
De duas, uma. Dilma e o bando de assessores que a cercam não prestaram atenção no que afirmou Saboia. Ou prestaram, mas a presidente quis bancar a esperta e mudar o foco da discussão. Até agora, a discussão é favorável a Saboia.
Recapitulemos. Disse Saboia: "Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi". Era Saboia, bancando o carcereiro, quem se sentia como se estivesse no DOI-Codi. Não disse que o senador enfrentava condições semelhantes às dos DOI-Codis.
As palavras ditas por Dilma: "Eu estive no DOI-Codi, sei o que é o DOI-Codi. E asseguro a vocês que é tão distante o DOI-Codi da embaixada brasileira lá em La Paz como é distante o céu do inferno". Em resumo: Saboia disse uma coisa. Dilma, outra.
No sábado, ao ficar sabendo que Roger chegara a Corumbá, após rodar mais de 1.500 quilômetros em um carro da embaixada, acompanhado por Saboia e dois fuzileiros navais, Dilma só faltou escalar as paredes do Palácio da Alvorada. Cobrou a demissão imediata de Saboia ao ministro Antonio Patriota, das Relações Exteriores. Patriota estava em São Paulo, pronto para ir à Finlândia.Dilma foi grosseira com ele, como de hábito. Mandou que retornasse a Brasília. E o demitiu.
A indignação de Dilma tem a ver com duas coisas. A primeira: ela ficou mal diante do presidente Evo Morales, que acusou o Brasil de desrespeitar tratados internacionais ao providenciar a fuga de Roger, sem que ele tivesse obtido salvo-conduto.A segunda: Dilma tem medo de que reste provada a negligência do governo no caso do senador boliviano. Saboia tem como provar negligência. Para evitar que o governo tente pôr fim em sua carreira diplomática de mais de 20 anos, está disposto a provar.
- Eu perguntava da comissão bilateral para resolver a questão do senador, e me diziam: "Olha, aqui (no Brasil) é empurrar com a barriga." Tenho e-mails dizendo: "A gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita".
Tem um filme na praça chamado "Hannah Arendt". Conta a história do julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann. E da cobertura do julgamento feita para a revista americana "The New Yorker" pela filósofa judia de origem alemã Hannah Arendt. A teoria da "banalidade do mal" começou a nascer ali, quando Hannah se convenceu de que Eichmann não se sentia responsável pela morte de milhões de judeus. Ele repetia em sua defesa: cumprira ordens.
Ninguém ordenou que Saboia tentasse salvar a vida do senador que ameaçava se matar, segundo atestados médicos. Sentindo-se responsável por ele, Saboia decidiu obedecer ao que mandava a sua consciência. Despachou para o Itamaraty mensagem antecipando o que iria se passar. A resposta foi o silêncio. Quem por aqui se lixava para a sorte do senador boliviano? Quem em La Paz se lixava?
Por negligência, omissão e desumanidade, Saboia não poderá ser punido. Não deverá ser punido. Não merece ser punido. Por tais crimes, são outros que deveriam sentar-se no banco dos réus.

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