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terça-feira, 13 de agosto de 2013

O Tunel sob a Mancha do Governo brasileiro: o trem-bala, um desastre previsivel

Assisti, de perto, e de longe, a todas as etapas da construção do Tunel sob a Mancha, o Chunnel, ou seja a via rodo-ferroviária expressa entre o norte da França e o sul da Inglaterra, planejada desde décadas, programada nos anos 1970, e finalmente construída nos anos 1980 e começando a operar nos anos 1990.
Conheci, e apreciei (hummm) os intermináveis debates entre "tunnelistas" e "ferryistas", entre arquitetos e engenheiros, entre financistas e políticos, entre planejadores e sonhadores, e desde as etapas iniciais tinha as minhas dúvidas quanto à viabilidade, não técnica, mas econômico-financeira de todo o projeto.
Mas, enfim, como parece que aquele trecho de mar vive encapelado, como as pessoas enjoam nos ferrys (bem vagabundinhos, alguns, melhores e mais rápidos, e mais caros, outros), como o tráfego parecia justificar, eu disse: On y va! Ça y est! Partons!
Os engenheiros prometiam maravilhas, como de fato foi.
Os financistas, prometiam um retorno rápido. Uau! Muita gente se precipitou sobre os bonds.
Quando eu acompanhava a construção do túnel, e lia as matérias no Le Monde, no Financial Times, nos demais jornais econômicos europeus, eu logo percebi a tremenda bobagem que os investidores estavam fazendo.
Sim, claro, como para o primeiro frustrado canal do Panamá, sob Ferdinand de Lesseps, como o canal de Suez, e como outros projetos grandiosos saídos dos sonhos de alguns lunáticos políticos, eu logo percebi o que os financistas fariam da arquitetura de financiamento do Chunnel: iriam atrair milhares de pequenos investidores individuais e familiares, sob promessas mirabolantes , com a promessa de muito retorno, em pouco tempo, o que se revelaria obviamente enganoso. Demoraria muito tempo, ou jamais, para recuperar o dinheiro investido, como descobriram os investidores do primeiro canal do Panamá, e depois os de Suez. Ganharam os financistas, muito depois, mas não os portadores de títulos. Esses ficaram com os seus títulos nas gavetas.
Meu diagnóstico na época (e eu disse isso a franceses, que não gostaram), foi o seguinte:

Uma brilhante conquista tecnológica, um tremendo desastre financeiro!

Também previ que nem os filhos dos investidores reais do Chunnel viriam qualquer cor de dinheiro antes de algum tempo. Talvez os netos, ou bisnetos. Bem, gostaria de saber quanto ganharam, até agora, os primeiros investidores. Duvido que tenha valido a pena, e isso com um túnel que todos os dias movimenta não sei quantos TGVs e centenas, talvez milhares de carros e caminhões. Atravessei de carro, e de trem: e achei uma maravilha, mas eu nunca colocaria meu dinheiro num treco daqueles. Como tampouco colocaria, e não coloquei, dinheiro no bolso de capitalistas promíscuos como certo Mister X, que se locupletou do dinheiro do governo, e de alguns financistas amigos, que achavam que se o governo estava colocando dinheiro não podia dar errado. Deu!
Parece que nem todos estavam embevecidos com a ideia do túnel sob a Mancha: uma charge com a Margareth Thatcher, publicada em algum jornal ou revista inglesa ilustrava mais ou menos o seguinte: a Thatcher com um binóculo do qual saia um túnel totalmente negro acompanhado da frase: "o buraco negro que deixará a Inglaterra no vermelho..."
Pois bem. Parece que o governo brasileiro atual está construindo o seu túnel sob a Mancha: nem tenho certeza de que o trem bala será um belo sucesso tecnológico, pois existem dezenas de trens rápidos por aí, a tecnologia é mais ou menos dominada, vai haver, não tenham dúvida, muitos aumentos de custos e muita, mas muita corrupção, e acho que não terá público para pagar o investimento, pois já existe ônibus, carro e avião no trajeto, e pode até haver um trem normal, que talvez se pagasse a si mesmo.
Teimosia, burrice, corrupção programada? Pode ser tudo isso junto.
Vamos embarcar no nosso novo desastre financeiro?
Paulo Roberto de Almeida

Laryssa Borges
VEJA.com, 12/08/2013

Sem conseguir despertar interesse de investidores estrangeiros, o governo confirmou nesta segunda-feira o adiamento, mais uma vez, do leilão do trem-bala que ligará Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro – uma distância de cerca de 500 quilômetros. Não há data para o novo certame, originalmente previsto para 19 de setembro, mas o governo estima que o leilão de concessão do projeto não ocorrerá em prazo inferior a um ano. “Verificamos que esse certame só terá um interessado. Queremos uma licitação com o maior número de participantes”, disse o ministro dos Transportes, César Borges. A partir de agora, haverá duas licitações: uma para fornecimento de equipamentos e operação e outra para construção da linha e estações.
Desde que o primeiro edital foi lançado, em 2010, o governo temia que a licitação pudesse não ter interessados ou acabasse com apenas um consórcio. No caso do trem-bala, as previsões se confirmaram e, mesmo com diversos adiamentos ocorridos nos últimos três anos, apenas um grupo formado por empresas francesas (lideradas pela Alstom) formalizou interesse no empreendimento. Empresas da Espanha e da Alemanha pediram formalmente ao governo o adiamento do leilão e se comprometeram a entrar na disputa quando o negócio for novamente colocado à mesa. “A garantia que nós temos [de que haverá interessados futuros] foi dada pelo vice-presidente de infraestrutura da Siemens e pelas empresas espanholas, que fizeram cartas para o governo solicitando o adiamento”, relatou o ministro César Borges. “Tenho que me valer dessas conversas e dessas palavras”, completou ele.
Desde 2010 o governo tenta leiloar o trem-bala, mas recorrentemente tem de realizar adiamentos no prazo de entrega de propostas para dar mais tempo a potenciais interessados. A principal reclamação do setor privado é que o retorno sobre o investimento não compensa o risco de se executar um projeto como tal. A taxa de retorno prometida pelo governo estava em torno de 7% ao ano, com a garantia de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pudesse financiar a maior parte das obras.
Os investimentos para tirar o projeto do papel são estimados em 33 bilhões de reais pelo governo. As empreiteiras, porém, calculam custos superiores a 50 bilhões de reais, o que tornaria a obra a mais cara já realizada no país.
Justificativas
Mesmo com o novo fracasso do leilão do trem-bala, o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, tentou justificar o adiamento. Figueiredo negou, até o último minuto, que o certame pudesse ser adiado. “Cada adiamento desse é uma oportunidade de aperfeiçoamento. Se teve uma manifestação de investidores interessados, isso é um indicador de que o projeto se tornou atrativo”, disse. Pelos cálculos do governo, a licença ambiental e o projeto-executivo do trem de alta velocidade (TAV) devem estar concluídos no início de 2015 para que as obras sejam contratadas ainda no primeiro semestre daquele ano. A ideia é que, mesmo com o adiamento oficializado hoje, o trem-bala entre em operação em 2020.
Embora as pressões de investidores estrangeiros tenham começado bem antes das denúncias de um suposto cartel envolvendo o metrô de São Paulo, tanto o ministro dos Transportes quanto o presidente do EPL admitiram que houve alguma influência das denúncias no adiamento do processo licitatório. “As denúncias de cartel não foram fundamentais, mas existem as circunstâncias”, disse o ministro César Borges. “As denúncias ajudaram. Isso reforça a importância que tem o processo competitivo”, completou Bernardo Figueiredo.

Para o presidente da EPL, a presidente Dilma Rousseff esperava que não fosse necessário adiar mais uma vez o leilão do trem-bala. “Ela esperava que tivesse um processo competitivo já agora, mas não tem dúvida de que é mais importante que o processo seja competitivo do que seja rápido”, afirmou.

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