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sábado, 3 de agosto de 2013

Retrato do Brasil (1): Folgando na sexta - Carlos Alberto Sardenberg

A gente dá voltas, anda e anda, galopa, paramos para tomar uma cervejinha, torna a correr, dispara, tropeça, levanta, fica meio tonto, começa a andar novamente, tateando no escuro, esperando alguma ajuda externa, volta a correr, encontra um buraco, desvia de pedras, rios, montanhas, enfim a planície, descansamos (que ninguém é de ferro), voltamos a correr e, de repente, a paisagem começa a ficar estranhamente familiar...
Descobrimos que estamos no mesmo lugar...
Pois é, esse é o Brasil.
Dois retratos, neste e no próximo post.
Paulo Roberto de Almeida

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
 O Globo, 01/07/2013
A Marinha chegou a comunicar a seus funcionários que não precisariam mais trabalhar às sextas-feiras. Culpa do superávit primário, explicava o comando em nota distribuída internamente na última segunda. A Esquadra, digamos assim, havia sido atingida pelo corte de gastos necessário para atingir a meta de economia do setor público, o tal superávit primário. Nos Estados Unidos, os governos — federal, estaduais e municipais — também fecham repartições e mandam funcionários para casa nesses momentos de aperto. Faz sentido: gasta-se menos com luz, água, telefone, ar-condicionado, cafezinho, bandejão, essas coisas.
Só que lá nos EUA funcionário em casa não recebe — e no Brasil é proibido cortar salário de servidor público. Logo, a economia seria menor. E a sexta-feira seria mesmo uma bela folga para os funcionários burocráticos e administrativos da Marinha. Fim de semana de três dias, remunerados!

Mas, para azar desses servidores, que já planejavam a folga, a coisa pegou mal. A Marinha distribuiu o comunicado, em e-mail interno, na segunda. Na terça, o documento caiu nas mãos da jornalista Denise Peyró, da CBN, que colocou a matéria no ar. Poucas horas depois, a Marinha distribuía nota à imprensa dizendo que chegara a cogitar de fechar às sextas, mas que desistira da ideia e estudava outras maneiras de economizar.
Ficou evidente a bronca não apenas da Marinha, mas também das outras forças, Exército e Aeronáutica. Essa área, a Defesa, sofreu os maiores cortes, e não é a primeira vez que isso acontece. Em outras tesouradas, outros governos cortaram mais verbas das forças. Ninguém nunca diz claramente, mas todo mundo sabe o pensamento que está por trás disso: o país não está em guerra, sequer tem inimigos…
Não apenas por isso, o fato é que a Defesa brasileira foi ficando para trás. Equipamentos atrasados, quartéis reduzindo expediente para não precisar dar almoço aos soldados, redução de efetivos e por aí foi. Pode parecer estranho, mas faz parte desse processo de deterioração o uso dos jatinhos da FAB por autoridades políticas.
Militares, reservadamente, criticam o sistema. Que a FAB cuide do avião presidencial, tudo bem, mas transformá-la em serviço de aluguel de jatinhos para políticos? — tal é a queixa.
Mas, sabem o que mais? A triste realidade é que oficiais da FAB têm nesse sistema uma oportunidade de acumular horas de voo, sempre limitadas por questões orçamentárias. Avião no chão, navio no porto e tanque no quartel gastam bem menos, não é verdade?
Todo esse episódio revela o atraso não apenas da Defesa, mas do Estado brasileiro. E a absoluta falta de um projeto, sequer a disposição, de reforma. Aqui, os próprios militares têm parcela da responsabilidade, no seu setor.
Há tempos especialistas nacionais e estrangeiros notam que nossas Forças Armadas precisam ter menos gente, menos quartéis (inclusive no Rio), menos repartições, menos soldados e oficiais. E mais equipamentos e muito mais tecnologia.
Resumindo: uma Força menor, bem armada, com uma capacidade e movimentação adequada ao tamanho do país e, especialmente, de nossas fronteiras. Mais uma mudança de orientação para que a Força Armada, ao controlar de fato a fronteira e o mar territorial, seja parte essencial no combate ao tráfico de drogas.
Mas não se nota uma pressão da corporação por essas reformas. O pessoal parece acomodado e fica ali tocando a vida. Há, no momento, um programa de compra de armamentos, mas atrasado e de conclusão duvidosa. Há quanto tempo se fala da compra dos tais caças para a Aeronáutica?
Assim para o Estado, para o serviço público. O episódio da Marinha mostrou como foi tudo na base da improvisação. A Fazenda e o Planejamento ficaram semanas discutindo o corte orçamentário. Quando o anunciaram, verifica-se uma coisa frouxa, sem combinação com o resto do governo, sem projetos.
Se for mesmo para cortar, o que é duvidoso, vão ter que improvisar como a Marinha tentou.
Tem muita gente reclamando do serviço público em geral. A reação dos governos tem sido a pior possível. No caso dos médicos, por exemplo, o governo Dilma já está mudando a proposta tão contestada. Parece coisa tão improvisada como a ideia de fechar repartição na sexta-feira.


Obra anunciada - E, por falar nisso, não percam a série do Valor Econômico, do repórter André Borges, sobre a Ferrovia de Integração Leste-Oeste, iniciada ontem. Em 2010, Lula prometeu inaugurá-la em 30 de julho de 2013, anteontem. Pois a ferrovia não tem sequer um trilho instalado. A Valec, estatal que toca (?) a obra, não consegue comprar os trilhos.

2 comentários:

Marco Balbi disse...

Caro Sardenberg! Cordiais saudações! Em primeiro lugar quero reafirmar que sou seu leitor e ouvinte, além de telespectador! E, normalmente, concordo com suas análises e opiniões!
Em segundo lugar gostaria de dizer que a profissão militar, diferente da do funcionário público, é uma profissão sideral. Ou seja, quem a abraça está 24 horas por dia, 365 dias ao ano, comprometido e à disposição da Força Armada a qual pertence. Assim, para ele, o expediente é pró-forma. Se o militar está de serviço, por exemplo, normalmente por 24 horas, ele vira redondo no quartel e no dia seguinte está ali pronto. Da mesma forma no final de semana, seja base aérea ou naval, avião ou navio, quartel etc. Mesmo estando em casa, existe um dispositivo de plano de chamada para convocar o militar, a qualquer hora. Isto sem contar as atividades em exercícios de campanha ou as missões extemporâneas, vide o recente caso do emprego da tropa na visita do Papa Francisco, quando se vira redondo. Em todas as situações mencionadas não existe qualquer acréscimo no seus minguados soldos, disparados os mais mal remunerados no Executivo, que, como você sabe, paga muito pior que o Legislativo e o Judiciário. Você pode levantar os dados com facilidade.
Você bem diz que há uma falta de planejamento, de projeto, de reforma no Estado brasileiro e inclui os militares no contexto. Lamento, mas você está completamente equivocado. Existe um estudo e um planejamento continuado nas três Forças, visando o seu aprimoramento, sua atualização. Já estou reformado, mas não sei te dizer nos meus 34 anos de serviço ativo, de quantos planejamentos eu participei e as imensas frustrações que eles causaram a várias gerações por não saírem do papel, ou até alguns que saíram do papel e depois foram descontinuados, normalmente por falta de verbas. Se você consultar o site do Exército Brasileiro você poderá pesquisar sobre o planejamento mais recente, chamado de Projeto de Transformação e que, salvo melhor engano, abrange ações de muito longo prazo. Estamos, estão, sempre planejando. E com projetos. Consistentes. Orçados. Mas...
Como você bem avalia, o fato de não estarmos em guerra, ou não ter inimigos é relativo. O tamanho das Forças Armadas poderia ser menor, melhor equipada, com armamento o mais moderno e completa e permanentemente adestrada? Em condições de rapidamente atuar em qualquer parte do território nacional? Poderia! Mas, quanto vai custar ter uma força absolutamente profissional? A sociedade está disposta a pagar por isto? Podemos fechar quartéis? Podemos e fizemos vários aqui no Rio, onde vivo no momento! No interior, pelas relações existentes na cidade é mais difícil! Tiramos do Rio uma brigada de combate inteira para o sul, quase toda blindada, tiramos uma outra de Petrópolis/Niterói que foi para a Amazônia e transferimos uma outra do sul para a Amazônia. A Brigada Paraquedista só está ainda no Rio porque a sua mudança depende da mudança da Força Aérea que a apoia. Assim, garanto a você que o pessoal não está acomodado, nem tocando a vida. Está bem angustiado e digo isto com bastante certeza por conhecer a Força a qual pertenço, até pouco tempo atrás eu era mobilizável, viu, outra coisa que o funcionário público não tem, mas porque tenho um filho na ativa.
Grato pela atenção. Seu leitor, ouvinte e admirador. Marco Antonio Esteves Balbi. Com o meu abraço

davidson disse...

Nesse caso entraria aí um certo "revanchismo" dos comunistas da epóca da Ditadura, que atualmente ocupam cargos no governo , vide nossa "Presidenta" contra os militares ? Ou de certa forma isso é só esculacho do PT mesmo ?