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sábado, 21 de setembro de 2013

A morte da reforma agraria (ja vai tarde) - Zander Navarro

Concordo quase inteiramente com o que diz este colega sociólogo e especialista em reforma agrária, que conheci muitos anos atrás, e circunstâncias das quais não me recordo precisamente, mas que marcam minha lembrança pela rápida conversa que tivemos, em torno da reforma agrária, precisamente.
Deve ter sido no governo Sarney, ao final do regime militar, quando se achava que os antigos projetos de reforma agrária e de "justiça social" no campo seriam retomados ativamente pela nova democracia social então surgida no país. Ilusões, claro.
Eu já era um opositor consciente do velho modelo de reforma agrária pela qual lutavam movimentos rurais, partidos de esquerda e acadêmicos idem, inclusive porque tinha lido atentamente o que escrevera a respeito do assunto um marxista respeitável e respeitado, Caio Prado Jr, que também achava que o destino da agricultura brasileira seria o capitalismo rural e a proletarização dos "camponeses", camada que ele sempre considerou como sendo um grupo social estruturalmente marginal na formação brasileira (com o que eu sempre estive de acordo).
Ao apoiar, quase integralmente, o que escreve Zander Navarro, discordo de algumas coisas.
Discordo em primeiro lugar desta afirmação:

"O MST agoniza simultaneamente ao desaparecimento da reforma agrária, a razão de seu nascimento. Não soube refundar-se nessa nova fase do desenvolvimento agrário e vai se apagando melancolicamente. Seu consolo é que fará boa figura nos livros de História."

O MST não tinha razão de ser na reforma agrária. Ela era apenas um pretexto, pois esse movimento neobolchevique jamais apresentou qualquer estudo racional, economicamente embasado, empiricamente sustentado, para apoiar a reforma agrária, um mito completo. Era apenas um movimento revolucionário querendo implantar o socialismo, num irrealismo delirante.
Não creio que fará boa figura nos livros de História, talvez só nos do próprio movimento, e nos de beócios acadêmicos que o apoiam apenas porque ele parecia de esquerda e anticapitalista. Se tratava de um movimento que rompeu a legalidade diversas vezes, destruiu propriedades privadas e governamentais, roubou dinheiro público como ninguém (só o PT o supera) e prejudicou terrivelmente o agronegócio e a própria política agrícola governamental, que torrou centenas de milhões de reais, bilhões, provavelmente, numa causa perdida, sendo que a maior parte foi mesmo desviada para os criminosos que lideram esse movimento celerado.

Discordo também disto, pelo menos se ele concordar com a política da Contag:
"E a Contag, poderosa em razão de sua capilaridade, insiste na bandeira empurrada somente pela tradição. Seus dirigentes sabem ser outro o maior desafio: tentar salvar da desistência os milhares de pequenos produtores ameaçados pelo acirramento concorrencial instalado no campo."

Não creio que seja um desafio válido, pois se trata, na verdade, de uma causa reacionária, pretender fazer girar para trás a roda da história. O Estado vai passar a subsidiar camponeses como se faz na Europa? Não há nenhuma necessidade disso, e seria melhor deixar a agricultura capitalista cuidar de tudo. Os habitantes das cidades não precisam, não devem pagar agricultores improdutivos, e um governo responsável não poderia transferir renda dessa forma.

Discordo, por fim, no que se refere ao Incra e ao MDA, dois órgãos tresloucados, dominados pelo MST, e que devem ser imediatamente extintos, pois só torram o dinheiro público e movimentam políticas absolutamente contrárias ao interesse nacional, contra o agronegócio em particular.

Concordo, finalmente, com o sentido geral do artigo. A reforma agrária morreu, mas a constatação já vem tarde, muito tarde. Ela já tinha morrido nos anos 1970, e não deveria nunca ter sido retomada na redemocratização. Viveu como um zumbi esses anos todos, mas um zumbi nababo, consumido bilhões de recursos públicos sem qualquer sentido econômico ou social. Uma ficção e um embuste, animada por traficantes, criminosos, ladrões e patifes consumados. Estou sendo moderado com o MST e outros afins...
Paulo Roberto de Almeida

Pá de cal na reforma agrária

ZANDER NAVARRO

O Estado de S.Paulo, 21/09/2013
Usei o mesmo título em artigo publicado em 1986, indignado com a afronta do governo Sarney ao nomear um latifundiário para o Incra. Naquela década me envolvera no ativismo a favor da reforma agrária. Não obstante o anúncio pessimista, o esforço do conjunto de militantes contribuiu para animar a única política de redistribuição de terras já feita no Brasil, iniciada em 1996. Desde então, em torno de 1 milhão de famílias recebeu suas parcelas e aproximados 80 milhões de hectares foram arrecadados para constituir os assentamentos rurais - mais de três vezes a área de São Paulo.
Mantenho o título acima porque é preciso reconhecer desapaixonadamente o fato, agora definitivo: morreu a reforma agrária brasileira. Falta apenas alguma autoridade intimorata para presidir a solenidade de despedida. Atualmente a ação governamental nesse campo é um dispendioso e inacreditável faz de conta, sendo urgente a sua interrupção.
Muitos motivos feriram mortalmente a reforma agrária, mas alguns são mais reveladores. O primeiro é de cristalina obviedade, mas muitos fingem ignorá-lo: nenhuma política pública é eterna, pois se conforma às contínuas mutações da sociedade. O tema foi popular nas décadas de 1950 e 1960, e surpreendeu que na virada do século o Brasil patrocinasse uma vigorosa redistribuição de terras, um caso raro no mundo. Mas é particularidade que se esgotou.
Seria sensato manter essa política indefinidamente, quando o antigo País agrícola e agrário passou a ser conduzido pela lógica econômica e cultural das cidades, atraindo os migrantes rurais? A mudança espacial de moradia, de trabalho, de formas de vida e também de mentalidades da vasta maioria da população, no último meio século, liquidou a necessidade de democratizar a distribuição fundiária e sua demanda sumiu da agenda política, corroída pela acelerada urbanização.
Outro fator a ser considerado diz respeito às organizações que demandam reforma agrária, responsáveis pelas pressões que ativaram esta recente "bolha" redistributiva. O MST agoniza simultaneamente ao desaparecimento da reforma agrária, a razão de seu nascimento. Não soube refundar-se nessa nova fase do desenvolvimento agrário e vai se apagando melancolicamente. Seu consolo é que fará boa figura nos livros de História. E a Contag, poderosa em razão de sua capilaridade, insiste na bandeira empurrada somente pela tradição. Seus dirigentes sabem ser outro o maior desafio: tentar salvar da desistência os milhares de pequenos produtores ameaçados pelo acirramento concorrencial instalado no campo.
Uma outra razão a ser considerada decorre do desempenho da agropecuária no mesmo período, o qual inundou os mercados com volumes crescentes e, graças ao espetacular aumento da produtividade, barateou os alimentos. Tal transformação eliminou o velho argumento econômico da necessidade da reforma agrária e, se a população rural mais pobre migrou para as cidades, igualmente a justificativa social deixou de existir.
Mas há ainda um aspecto decisivo: oferecer uma parcela de terra a famílias rurais não produz mais nenhum efeito prático, apenas garante uma sobrevida temporária. Em nossos dias, chegar à terra própria nada significa para os mais pobres do campo. Produzirá a chance do autoconsumo ocasional, antes do abandono definitivo da terra, como evidenciado na maioria dos assentamentos rurais. De fato, trata-se de dura vilania política, pois, enquanto a miséria no campo se esconde atrás das muletas das políticas sociais, o governo federal coleta números destinados meramente ao autoelogio.
Por tudo isso, a reforma agrária brasileira concluiu o seu ciclo de vida. Do ponto de vista econômico e produtivo, seu fracasso é assombroso, pois a área total dos assentamentos é maior do que a área plantada de todos os cultivos nos demais estabelecimentos rurais. Mas, com surpresa, nada sabemos especificamente sobre a produção dos assentamentos, enquanto a agricultura brasileira se tornou uma das mais eficientes do mundo. É um confronto estatístico que desmoraliza qualquer defesa de tal política. Persistir em sua continuidade, portanto, beira a completa insanidade.
E o Incra e seu gigantesco orçamento, tornado inútil sob tal desenvolvimento? O caminho lógico seria a sua extinção, mas talvez fosse adequado transformá-lo num instituto de terras que realizasse as "tarefas finais", como a definitiva emancipação dos assentamentos, retirando a tutela do Estado, a regularização fundiária ou a organização das ainda ficcionais estatísticas cadastrais que diz compilar. Já o Ministério do Desenvolvimento Agrário, preso à sua anacrônica hibernação, mantém-se impassível ante a notícia acima e persevera em fantasias para justificar o clamoroso desperdício de vultosos recursos públicos, na tentativa de realizar o irrealizável. Ainda mais espantoso, tenta ressuscitar o que já morreu. Resta saber se a autoridade maior do País terá a coragem de finalizar este capítulo de nossa História.
Distintos são os desafios atuais para criar prosperidade e oportunidades no campo. Requer aceitar que a pobreza rural se resolverá, sobretudo, nas cidades e com outras políticas. E também que não existem soluções exclusivamente agrícolas para parte considerável dos estabelecimentos rurais de menor porte. Portanto, é preciso construir uma estratégia de desenvolvimento rural radicalmente inovadora. Mas para isso é preciso primeiramente abrir as mentes, pois a ortodoxia e a ideologização dominantes nos deixam sem rumo algum. Enquanto isso, afirmam-se o esvaziamento do campo e a incontrastável dominação da agricultura de larga escala modernizada e integrada aos mercados mundiais.
Eis o nosso futuro rural: uma fabulosa máquina de produção de riqueza, mas fortemente concentrada, pois seria assentada num deserto demográfico.    
*SOCIÓLOGO E PROFESSOR APOSENTADO DA UFRGS. E-MAIL: Z.NAVARRO@UOL.COM.BR,

Um comentário:

INTERCEPTOR disse...

Permita-me discordar. Em primeiro lugar, também considero o MST como um movimento que prega a desordem e, portanto, o crime. Mas, o problema é que não consigo caracterizá-lo plenamente como 'quadrilha' por não ser estruturado segundo uma hierarquia rígida, bem como de modo centralizado.
E para escrever sua história, no que não adiantaria para ter uma "boa imagem nos livros de história", se faz necessário que seja por alguém que conheceu o MST de dentro. Em que pese todo o viés decorrente disto há muito que se faz necessário relatar e não foi escrito em nenhum lugar que eu saiba. Percebam que para ter a força que tem hoje - ainda que não seja mais a mesma de uma ou duas décadas atrás -, o MST teve seu início como uma espécie de 'messianismo'. Ou seja, havia sim um vínculo ideológico assumido por seus pares que não fosse a mera obtenção de terras.
Quanto à modernização agrária, eu sou plenamente favorável. Não faz sentido que se mantenha empregos artificialmente em uma determinada área do país, MAS nem tudo é assim tão simples "não temos mais empregos aqui, portanto procure em outra área". Não dá para simplesmente dar de ombros para uma panela de pressão prestes a explodir (imaginem milhões de famélicos migrando para as cidades repentinamente). Entendo um caminho para a solução deste tipo de impasse como a geração de empregos urbanos e estes teriam que ter maior vínculo com a produção agrária em destaque. E para aqueles não absorvidos, prioritariamente pelos negócios de família (rural para o meio urbano) faz-se mister que haja incorporação e facilidades para abertura de empresas. Ou seja, para que o ciclo de morte da reforma agrária se complete, a geração de empregos urbanos deve ser promovida principalmente pelos pares diretamente envolvidos e interessados.
Claro, isto, se o estado brasileiro não for tão instrumentalizado e pesado ao ponto de sufocar a atividade livre.