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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A insustentavel lerdeza do crescimento brasileiro

ENunca, em nenhum lugar do mundo, um país cresceu de maneira sustentável, na base de estímulos ao consumo, em lugar de investimentos na infraestrutura e na produção. Os sábios econômicos companheiros achavam que tinham inventado o moto perpétuo.
Paulo Roberto de Almeida


Dívida dos brasileiros é alerta para outros países emergentes

Odete Meira da Silva teve que interromper a construção de sua casa por causa das dívidasPhoto: Rodrigo Marcondes para o The Wall Street Journal

Como milhões de pessoas pobres fizeram durante o boom de dez anos da economia brasileira, Odete Meira da Silva tomou empréstimos para acelerar a sua ascensão à classe média. Mãe solteira, ela comprou um computador, uma TV de tela plana e começou a construir uma casa num bairro violento da periferia de São Paulo.
Mas a farra dos gastos acabou. Essa pequena comerciante de 56 anos de idade está agora preocupada com um lado menos charmoso da vida da classe média: as dívidas. Depois que suas contas de cartão de crédito ultrapassaram o valor que conseguia pagar, Silva reduziu todas as despesas e interrompeu a construção da casa. Recentemente, via-se na sua casa uma escada rústica de cimento se erguendo da sala de estar até um segundo andar inacabado. É uma imagem da sua própria escalada na economia brasileira: só até a metade.
"Ainda pretendo terminar a casa, mas isso vai ter que ser feito pouco a pouco, talvez em mais três anos", disse ela.

Os problemas de Odete Silva com suas dívidas ajudam a explicar por que o crescimento brasileiro, antes impressionante, vem perdendo fôlego e não deve se recuperar tão cedo. Muitos estrangeiros imaginam que o Brasil, um dos maiores produtores mundiais de soja e minério de ferro, seja um país pobre que depende da venda de commodities para sobreviver. Mas são os novos consumidores como Odete Silva que alimentaram boa parte da recente expansão econômica do país, enquanto o crédito ao consumidor mais que dobrou, para cerca de US$ 600 bilhões em cinco anos.
Agora, muitos desses novos compradores estão sofrendo com o uso excessivo do cartão de crédito. Alguns estão atrasando os pagamentos dos cartões, que chegam a cobrar 80% de juros anuais ou mais. Diante da inadimplência crescente, os bancos agora hesitam em emprestar.
Como resultado, o índice de aumento do consumo é o menor desde 2004. Isso está se juntando a outros problemas, incluindo exportações mais fracas para a China e uma queda na produção industrial causada pela valorização do real , fatores que já estavam desacelerando a economia brasileira. Com a confiança do consumidor em declínio, o PIB brasileiro deve crescer 2,4% este ano, após atingir 7,5% em 2010.
Para complicar as coisas, a explosão do consumo no Brasil provocou uma inflação de 6% ao ano, com a demanda pelos bens superando a capacidade da economia de fornecê-los. Isso colocou o Banco Central na incômoda posição de ter que aumentar os juros para controlar a inflação em meio a uma economia já lenta — iniciativa que pode desacelerar ainda mais o crescimento. Os economistas esperam que o BC eleve a taxa de juros básica, a Selic, que já está em elevados 9% ao ano, em meio ponto percentual na reunião de hoje.
Os problemas do Brasil representam um alerta a outros mercados emergentes envolvidos numa das mais fascinantes narrativas econômicas dos últimos dez anos: a ascensão dos consumidores à classe média nos países em desenvolvimento.
Do Brasil à Indonésia e à África do Sul, o crescimento mais rápido tirou milhões da pobreza nos últimos dez anos, trazendo mais pessoas para a classe média e iniciando muitas delas no crédito. Mas enquanto os economistas em geral veem essa expansão do crédito como um fato positivo, o caso brasileiro mostra como o crescimento da classe média também pode sair dos trilhos devido a dívidas em excesso.
Na Tailândia, a dívida das famílias aumentou 88% entre 2007 e 2012, em parte devido aos programas governamentais de estímulo às vendas de automóveis. Na África do Sul, os empréstimos ao consumidor chegaram a quase 40% do PIB, mais que o dobro da média de outros países em desenvolvimento. Os consumidores russos gastaram quase 80 % a mais nos seus cartões de crédito em 2012 do que no ano anterior.
Por outro lado, na China, onde os trabalhadores são conhecidos pelo hábito de poupar, não de tomar empréstimos, o governo agora tenta incentivar a população a consumir mais para prolongar sua expansão econômica.
Mas os problemas do Brasil com o crédito ao consumidor se destacam entre as grandes economias em desenvolvimento. O crédito à pessoa física cresceu a uma taxa média anual de 25% nos quatro anos após a crise financeira mundial de 2008. Em junho de 2013, cerca de 5% dos empréstimos a pessoas físicas estavam com 90 dias de atraso, o dobro da taxa da Índia e maior que a do México, África do Sul e Rússia, segundo a Fitch Ratings.
"Todas essas pessoas estão gastando mais do que têm, criando uma ilusão de crescimento econômico", disse Vera Pereira, diretora executiva do Procon de São Paulo.
Parte do problema, dizem alguns economistas, é que o Brasil se concentrou demais em políticas destinadas a aumentar o consumo em vez de construir portos e estradas que beneficiem a produção econômica no longo prazo. Os brasileiros compraram muitas TVs de tela plana durante o boom, mas os portos do país continuam tão congestionados que alguns navios dão meia volta e vão embora em vez de esperar.
"O endividamento externo do Brasil foi gasto em viagens para a Disneilândia e malas cheias de compras vindas diretamente de Nova York ou Miami", disse Paulo Leme, que dirige os negócios do Goldman Sachs no Brasil. "Isso terá consequências no futuro."
As autoridades brasileiras dizem que pôr a culpa dos recentes problemas econômicos do país em políticas equivocadas é é absurdo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e outros dizem que a economia brasileira simplesmente foi apanhada numa desaceleração mundial e que a situação estaria ainda pior sem os incentivos ao consumo.
Não se espera que os problemas de crédito do Brasil façam o país voltar a uma crise como as que destruíram a classe média em gerações passadas, dizem os economistas. O total de empréstimos bancários pendentes no Brasil, incluindo as dívidas comerciais e de consumo, chega a cerca de 55% do PIB, índice baixo pelos padrões internacionais.
Além disso, os bancos brasileiros têm grandes reservas de capital, o que deve ajudar o país a enfrentar uma crise mais profunda. As reservas do Banco Central, de US$ 372 bilhões, são dez vezes maiores que há dez anos.
Mesmo assim, as preocupações com as dívidas dos consumidores levaram muitos a repensar até onde a nova classe média brasileira vai crescer e com qual rapidez. O percentual da renda familiar destinada a pagar dívidas é extraordinariamente alto: no Brasil, chega a mais de 20% da renda familiar, segundo dados do banco central, em comparação com 10% nos EUA, de acordo com o banco central americano.
Isso acontece, em grande parte, porque as taxas de empréstimos no Brasil são altíssimas, uma herança de muitas crises econômicas. Os juros de um empréstimo típico é de 37% ao ano.
Além disso, o perfil da dívida brasileira não é tão saudável como em países como os Estados Unidos. Grande parte do endividamento nos EUA consiste em hipotecas, algo visto como economicamente mais saudável, já que o preço dos imóveis pode subir. Mas no Brasil o mercado de hipotecas habitacionais é muito pequeno. O consumidor brasileiro se endividou, em grande parte, para comprar carros e eletrodomésticos — bens que se desvalorizam.
As vendas de automóveis mostram bem o que ocorreu com a explosão do crédito. Os empréstimos para compra de veículos mais que triplicaram entre 2004 e 2010, para cerca de US$ 70 bilhões por ano, à medida que consumidores ansiavam por ter um carro – um dos principais símbolos da vida de classe média. Os bancos estavam financiando carros sem entrada, prática antes impensável no país.
No ano passado foram emplacados 2,9 milhões de carros novos no Brasil, um aumento de 130% em relação a dez anos atrás.
O governo se esforçou para expandir o consumo na esperança de reduzir a diferença, historicamente muito grande, entre ricos e pobres no Brasil. A estratégia ajudou a elevar o padrão de vida e estimulou o crescimento.
Mas o governo não acompanhou suas iniciativas favoráveis ao consumo com medidas para melhorar a produtividade e o crescimento de longo prazo, segundo muitos economistas.
Resultado: o consumo continuou crescendo, mesmo quando o restante da economia dava sinais de fraqueza devido ao declínio nos preços das commodities e à supervalorização da moeda. Em 2012, os turistas brasileiros, muitos viajando para o exterior pela primeira vez, foram dos que mais gastaram entre todos os turistas estrangeiros em Nova York, segundo autoridades da cidade. No Brasil, porém, a produção industrial encolheu, com as empresas perdendo terreno para concorrentes globais.
Esse descompasso entre a demanda dos consumidores e a produção econômica alimentou a inflação, dizem economistas.
"O governo insiste em incentivar as pessoas a consumir, mas por outro lado a oferta, as indústrias, as empresas, não vêm produzindo tanto assim", disse Samy Dana, professor da Fundação Getúlio Vargas.
E o governo já sinalizou planos para continuar estimulando o consumo. A presidente anunciou há pouco um aumento do salário mínimo e um plano para fornecer mais US$ 8 bilhões em crédito para famílias de baixa renda.
O BNDES informou que o montante dos seus empréstimos vai subir 22% este ano, depois de aumentar 12,3% em 2012.
A presidente Dilma Rousseff anunciou em setembro que o governo emprestou cerca de US$ 500 milhões ao longo de três meses para que os beneficiários do programa "Minha Casa, Minha Vida", de moradia subsidiada, pudessem comprar também seus eletrodomésticos.
Mesmo assim, pessoas como Odete Silva têm que encontrar maneiras de cortar os gastos. Para construir a casa, ela acumulou dívidas em três cartões de crédito, comprando aparelhos domésticos e materiais de construção. Com as altas taxas de juros, essa dívida aumentou de R$ 11.000 para R$ 25.000.
Ela agora fez acordos com seus credores, que concordaram em reduzir seus pagamentos e baixar as dívidas. Ela diz que não está preocupada. "Acho que as coisas estão melhorando."

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