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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Cuba para neofitos: Fernando Pedreira, Reinaldo Arenas

Da postagem abaixo, de um dos blogs de Carlos Pozzobon, transcrevo os textos de Fernando Pedreira e de Reinaldo Arenas, mas não o belo texto de Guillermo Cabrera Infante, por ser muito longo, embora mereça ser lido, por diferentes motivos, e como tal, apresento o seu link, para os desejosos de desfrutar desse famoso escritor cubano, que no começo foi um aderente da revolução de Fidel contra Batista, tornou-se diplomata do novo regime, e depois foi marginalizado, e teve de se exilar, primeiro na Espanha, depois em Londres.
Os ainda iludidos com as supostas realizações cubanas deveriam ler todos eles.
Paulo Roberto de Almeida

Blog com temas de interesse intelectual.

25 de octubre de 2012


Cuba para neófitos.

Índice


Tenho ouvido muitos jovens desiludidos com a atuação do PT. A esperança com que depositaram sua confiança em um partido que pretendia mudar “tudo o que está aí” é um fato recorrente em nossa história e nossa vida política. Mas ao mesmo tempo, toda a geração tem aqueles que não abandonam suas convicções nem que seu mundo desabe sobre a própria cabeça. Aliás, parece que quanto mais errada possa ter sido a orientação, mais se agarram aos dogmas e pressupostos factuais que eternizam seu modo de pensar e terminam servindo de estrume para a germinação de novos ideais políticos desastrados nas gerações posteriores. A geração petista foi forjada pelos que nunca abandonaram sua confiança na revolução cubana e na figura pseudo-clarividente de Fidel Castro. Árvore que nasce torta não pode crescer senão com as deformações de origem e, ao fim, revelar sua própria natureza.
Como as abordagens sobre Cuba em geral falam no extraordinário fracasso econômico da ilha, acobertado pelo bode expiatório do bloqueio dos EUA, resolvi publicar diversos artigos, começando pelo jornalista Fernando Pedreira, falando sobre o entusiasmo provocado pela revolução e outro de Guilherme Cabrera Infante sobre o Suicídio em Cuba, os dois publicados em 1975 e 1983, respectivamente; depois seguem-se artigos que vou publicando a medida que acho relevante, como os acontecimentos da frustrada tentativa de colher 10 milhões de toneladas de cana de açúcar nos anos 70, utilizando — acreditem — trabalho forçado. Enquanto para os simpatizantes distantes a desilusão com a revolução cubana não passa de um incômodo gerado pela percepção da fraude moral, para os envolvidos com a própria construção da nova sociedade cubana, não ultrapassa um ato de desespero e, por fim, de suicídio.
Antes porém, um link para um documentário de Nestor Almendros sobre a repressão não só aos "homossexuais" cubanos, os famosos campos de concentração onde eram considerados "maricons" todos os poetas e escritores. Como vivemos sob o estigma da homofobia, alardeado aos quatro cantos pela ascensão do PT ao poder, com a criminalização até mesmo do repertório de piadas brasileiro, vale a pena ver o documentário pelo seu inverso, isto é, de perseguição aos homossexuais através de rituais de depuração, praticados por um regime que é apoiado pelo partido que se diz o defensor dos gays. A importância do documentário serve para desmistificar qualquer pretensão de liberalidade do petismo com relação ao comportamento humano.
Mala Conducta


“Não é de estranhar que, num tal quadro, a vitória da revolução castrista em Cuba, em 1959, tivesse o impacto que teve. Fidel, com suas barbas e seu uniforme, é hoje uma figura de rotina, incapaz de produzir fervores românticos até mesmo em menininhas recém-chegadas à Universidade. Em 1959, entretanto, ele ainda não se tinha declarado comunista e nem de longe podia ser tido como um preposto da União Soviética. Ao contrário, era o herói revolucionário, sem medo e sem mácula, que, à frente de um punhado de idealistas, havia posto abaixo a corrupta ditadura do sargento Batista”. “Fidel, naquele momento, aparecia como alguma coisa de novo e de puro que houvesse brotado do chão da América. E isto não só para os mais jovens ou para os mais radicais, mas também para muitos dos mais velhos e aparentemente mais sensatos. Fidel tinha o apoio e a simpatia do "New York Times" e de alguns dos maiores jornais do Continente. Vindo ao Brasil, numa rápida viagem, seria recebido como herói e quase como filho pelas melhores famílias do Rio e de São Paulo. As primeiras páginas dos jornais do mundo inteiro estavam cheias das suas imagens, das suas palavras, dos seus gestos”.
“Chega a ser estranho recordar hoje tudo isso. Que espantosa sede de idealismo e de generosidade, que acesso universal de romantismo pode ter levado tanta gente séria e inteligente a deixar-se arrastar a uma tal febre, diante da aventura bem sucedida de um grupo de jovens barbudos e desconhecidos numa ilha do Caribe? Eis aí um episódio, pelo menos, que não se pode jogar simplesmente à conta da imaturidade dos moços. Não havia, em toda a América Latina, líder popular ou político que não quisesse vestir as barbas do cubano. Mesmo nos Estados Unidos, a vitória de Kennedy, assim como o estilo e até o destino de sua presidência, seriam fortemente marcados pelo impacto do fidelismo”. “O encanto, para os liberais, duraria pouco. Já em meados de 61, Castro iria declarar-se marxista e, em pouco tempo, identificar-se com os métodos e a ortodoxia do PC. As repercussões da sua entrada triunfal em Havana, entretanto, dois anos antes, nem por isso terão deixado de assinalar a cristalização de uma nova atitude e de um novo estado de espírito ente as gerações mais novas”.
“Para trás ficaram a revolução institucionalizada e burocratizada dos soviéticos, o socialismo pelo voto dos europeus e até mesmo a lenta sublevação camponesa dos chineses. Sierra Maestra era o heroísmo ao alcance de todos, fulminante e tentador. Um grupo de moços decididos, armados de alguns fuzis e da indispensável chama sagrada, podia fazer ruir as instituições corruptas, purificar o país, arrastar as massas inumeráveis. Logo começaram a aparecer os propagandistas, os exegetas, os teóricos do "caminho" cubano.”
Fernando Pedreira, A Liberdade e a Ostra, Nova Fronteira, 1976, pgs. 46-48



Guillermo Cabrera Infante
ENTRE LA HISTORIA Y LA NADA


Notas sobre una ideología del suicidio

Neste link: http://ensaioseducativos.blogspot.com.br/2012/10/cuba-para-neofitos.html#suicidio



Reinaldo Arenas – Antes que Anoiteça – Ed. Record 1993 Pgs 160-166.

A Central Açucareira

Em 1969 houve em uma única noite a detenção de milhares de jovens pela polícia de segurança do regime castrista. Com acusações de contra-revolucionários, esses jovens eram levados para campos de concentração, pois eram necessários para o corte de cana. Isso era chamado de mutirão, e dele participam também prisioneiros políticos e comuns. "A colheita era iminente e aqueles jovens saudáveis e de cabelos longos que se atreviam a bater perna pelas ruas foram todos presos, como outrora os índios e os negros escravos, nas plantações de açúcar... Nunca mais aqueles adolescentes voltaram a ser o que eram antes; após tanto trabalho e vigilância, transformaram-se em fantasmas escravizados que nem tinham direito às praias, muitas das quais foram cercadas e transformadas em retiros privados para oficiais do exército castrista ou para turistas estrangeiros." (pg. 159). Castro nunca conseguiu os 10 milhões de toneladas de cana nos anos 70 embora chegasse perto, mas graças ao depoimento de Reinaldo Arenas sabemos como a produção aumentou; em 2010 Cuba produziu cerca de 2 milhões de toneladas, indicando que o "modo de produção socialista" tinham entrado em colapso.
Nos anos setenta, também fui parar numa plantação de cana. Os oficiais da Segurança do Estado que já controlavam a UNEAC (União Nacional de Escritores e Artistas Cubanos), dentre eles o tenebroso tenente Luis Pavón, mandaram-me cortar cana e escrever um livro elogiando essa odisséia e a safra dos dez milhões, na central açucareira Manuel Sanguily, em Pinar del Río. Essa central, na verdade, era uma imensa unidade militar. Todos os que participavam do corte de cana eram jovens recrutas forçados a trabalhar nesse local. Tratava-se de uma armadilha do castrismo: transformar o serviço militar obrigatório, em tempos de paz, num tipo de trabalho forçado que abastecia a agricultura de mão-de-obra. Abandonar aquelas plantações podia representar, para qualquer um dos rapazes, de cinco a trinta anos de cadeia.
A situação era realmente desesperadora. Para quem não passou por isso, não é possível compreender o que significa estar ao meio-dia numa plantação de cana cubana e morar em barracões como os escravos. Levantar-se às quatro da madrugada, pegar um facão e um cantil de água e sair de caminhão para trabalhar o dia inteiro, sob um sol ardente, no meio daquelas folhas afiadas dos canaviais, que produzem uma coceira insuportável. Entrar num daqueles lugares era como penetrar no último círculo do Inferno.
Ali, completamente cobertos dos pés à cabeça, de mangas compridas, luvas e chapéu ― única maneira de conseguir entrar naqueles lugares infernais―, podíamos entender por que os índios preferiam o suicídio a continuar trabalhando como escravos; entender por que tantos negros tiravam a própria vida por asfixia. Agora eu era esse índio, eu era o negro escravo, mas não estava só; estava junto com centenas de recrutas. Talvez fosse mais patético vê-los do que me ver, porque já vivera alguns anos de esplendor, embora clandestinamente; mas esses rapazes de dezesseis ou dezessete anos, tratados como burros de carga, não tinham nenhum futuro pela frente e nenhum passado para trás. Muitos cortavam a própria perna ou o dedo com facão, faziam qualquer barbaridade para serem dispensados do corte da cana. A visão de tanta juventude escravizada foi o que inspirou meu poema El central. Lá mesmo redigi essas páginas; não podia permanecer como testemunha silenciosa de tanto horror.
Eu tinha visto os julgamentos em que se condenavam a vinte ou trinta anos de cadeia aqueles rapazes, pelo único fato de terem ido visitar a família, a mãe ou a noiva durante um fim de semana. Agora, eram julgados por um conselho de guerra como desertores. A única saída que lhes restava era aceitar o plano de reabilitação, ou seja, voltar à plantação de açúcar, agora por tempo indeterminado, na qualidade de escravos. E tudo aquilo acontecia no país que se proclamava o Primeiro Território Livre da América.
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Havia, sem dúvida, um quê de magia naquele ambiente, e era a paisagem que nos cercava; a paisagem da parte norte de Pinar deI Rio era uma paisagem vulcânica, com altas montanhas de pedras azuis que se erguiam do chão. Era uma paisagem aérea, com uma brisa leve e fina, como nunca pude sentir em Oriente, que é um lugar de terra escura e vegetação negra. Sim, sem qualquer dúvida, apesar de tanto horror, era um consolo poder olhar para aquelas montanhas aéreas, envoltas em neblina azul.
Comecei a escrever um diário, o "Diário de Ocidente", onde contava os acontecimentos do dia: a conversa com um recruta, o caso de outro que cortou o pé para conseguir cinco dias de folga, outro que foi condenado a dez anos de cadeia. O barracão onde nós, escravos, dormíamos, era um lugar cheio de beliches colocados uns em cima dos outros, feitos de pau e lona, com uma espécie de prateleira onde se guardavam os poucos pertences do recruta: uma lata de leite condensado era um privilégio, um caderno e um lápis eram objetos de luxo. Durante as noites, era uma festa conseguir um pouco de açúcar, apesar de estarmos numa plantação de cana muito produtiva; queríamos improvisar um café com a borra roubada da cozinha, ou um chá de folhas de laranja.
De dia, o barracão parecia uma espécie de hospital onde só podiam ficar os doentes e o chefe, isto é, o homem que vigiava os outros. Esses pacientes eram pessoas a quem faltava um braço, ou doentes graves que aguardavam transferência para uma clínica ou um hospital; isso podia demorar meses e às vezes nunca acontecia. Durante o dia, podiam dormir ali os recrutas que trabalhavam à noite nos caminhões de transporte da cana. Esses eram quase privilegiados.
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À noite, houve um temporal terrível que trouxe ainda mais mosquitos, o que tomou a vida naquele lugar ainda mais infernal. Como se não bastasse suportar os canaviais durante o dia, era preciso participar da sua queima à noite. Tínhamos que acelerar as metas porque era preciso chegar aos dez milhões de toneladas de açúcar; a data limite se aproximava cada vez mais, e as possibilidades de alcançar a meta ficavam cada vez mais remotas. Assim, a ordem oficial era queimar a fim de acelerar o processo de corte, com as canas já desfolhadas pela ação do fogo.
A queima de um canavial à noite era um espetáculo horrível. Milhões de aves, insetos, répteis e toda sorte de seres, saindo apavorados daquelas chamas, e nós tentando controlar o fogo, com corpos suados, ardentes e excitados.
No dia seguinte, tínhamos que penetrar na plantação recém queimada, como personagens medievais, cobertos de novas armaduras: botas, cinturões, capacetes com uma espécie de viseira para evitar que a cana queimada ferisse nossos olhos. E começávamos a cortar sobre o solo fumegante, onde ainda havia cana ardendo.
Até mesmo para beber um pouco de água tínhamos que pedir permissão ao tenente, que nos vigiava como um capataz. Às vezes, chegava algum visitante ilustre nos fins de semana, um alto funcionário em seu Alfa Romeo, que fiscalizava os livros e conversava com os chefes do barracão; em seguida, ia embora de cara amarrada. Obviamente, estávamos longe dos dez milhões de toneladas de açúcar. Os recrutas e camponeses comentavam que era impossível alcançar tal cifra. Mas quem se atrevesse a dizer tal coisa publicamente era tachado de traidor; até o próprio chefe da indústria açucareira, um senhor chamado Borrego, foi exonerado por Fidel Castro, porque, meses antes do fim da colheita, disse que tecnicamente era impossível alcançar a cifra de dez milhões de toneladas. No entanto, três meses mais tarde, o próprio Fidel teve que reconhecer publicamente que não haviam sido produzidos dez milhões de toneladas de açúcar; e assim, todo aquele sacrifício fora inútil.
Os campos tinham sido devastados, milhares de árvores frutíferas e palmeiras-reais podadas para tentar produzir aqueles dez milhões de toneladas de açúcar. As centrais, por tentarem dobrar sua produtividade, também estavam arruinadas; era necessária uma fortuna para consertar todas aquelas máquinas e reiniciar a produção agrícola. O país, absolutamente quebrado, era agora a província mais pobre da União Soviética.
Castro, como sempre, recusou-se a reconhecer o erro e tentou desviar a atenção do fracasso da safra para outras áreas, dentre as quais seu ódio para com os Estados Unidos, que em sua opinião eram os verdadeiros culpados. Naquela ocasião, inventou-se a história de que uns pescadores tinham sido sequestrados por agentes da CIA numa ilha do Caribe. De repente, toda aquela multidão que cortara cana durante um ano devia agora se concentrar na praça da Revolução, ou em frente ao que tinha sido a embaixada americana em Havana, para protestar pelo suposto sequestro dos pescadores. Era grotesco ver os jovens desfilando e gritando horrores contra os Estados Unidos ― onde talvez nem se soubesse o motivo de tanta confusão. Lembro-me de ter ouvido Alicia Alonso pronunciar as palavras mais grosseiras contra o presidente Nixon; algo como: "Nixon, filho da puta, devolva nossos pescadores."
Aquilo terminou como costumam terminar todas as tragédias cubanas: numa espécie de rumba. Bonecos representando o presidente Nixon eram queimados ao som dos tambores. Distribuíam-se comida e cerveja, coisas inexistentes no mercado; o povo comparecia para comer batata frita ou outra coisa qualquer. Por outro lado, as pessoas eram recrutadas por seus comitês de defesa. Assim, de repente, o povo esqueceu o fracasso da safra. O mais importante agora era conseguir que os pescadores, supostamente seqüestrados, fossem devolvidos. Após uma semana, os pescadores apareceram e Fidel pronunciou um discurso "heróico", onde dizia que conseguira intimidar os Estados Unidos, que haviam devolvido os pescadores. Tudo aquilo era muito patético e ridículo; se os pescadores tiveram algum problema, foi simplesmente porque violaram os limites das águas territoriais de uma ilha, que nem pertencia aos Estados Unidos, e sim à Inglaterra; após uma investigação mais detalhada, eles foram devolvidos a Cuba. Mas o espetáculo teatral tem sido sempre uma das brincadeiras praticadas por Castro. Dessa maneira, aqueles pescadores voltaram como heróis, fugindo das garras do imperialismo norte-americano.
Naquele ano, realizaram-se grandes festejos carnavalescos nos quais foram gastos os poucos recursos econômicos ainda restantes. Desfilaram carros gigantescos com animais de todo tipo; alguns eram enormes aquários cheios de peixes tropicais, em cima dos quais encontravam-se mulheres seminuas, dançando ao som dos tambores. A festa prolongou-se por um mês e houve cerveja à vontade, distribuía-se comida em cada esquina. Era preciso esquecer a qualquer preço o ridículo pelo qual Cuba acabava de passar: todo o esforço daqueles anos fora inútil e éramos um país absolutamente subdesenvolvido, a cada dia mais escravizado.


De O Mundo Alucinado de Reinaldo Arenas - Ed. Record. pgs. 306-314
Durante os primeiros dias de 1980, um chofer de ônibus, da linha 32, atirou-se com todos os passageiros contra a porta da embaixada do Peru, solicitando asilo político. O mais estranho foi que os passageiros também resolveram pedir asilo político; ninguém quis sair da embaixada.
Fidel Castro chamou de volta todas aquelas pessoas, mas o embaixador respondeu que estavam em território peruano, e pelas leis internacionais tinham direito a asilo político. Dias mais tarde, Fidel Castro resolveu retirar a escolta cubana da embaixada do Peru, tentando talvez prejudicar o embaixador, para que precisasse ceder e mandasse sair todas as pessoas da embaixada.
No entanto, dessa vez o tiro saiu pela culatra; quando souberam que a embaixada estava sem escolta, milhares de pessoas entraram para pedir asilo político. Uma das primeiras pessoas foi meu amigo Lázaro, mas não acreditei na possibilidade de tal asilo; de fato, o próprio Jornal Granma publicara a notícia; pensei que se tratasse de uma armadilha; depois que todas as pessoas estivessem lá dentro, Castro poderia perfeitamente prender todo mundo.
Lázaro despediu-se de mim antes de ir para a embaixada. No dia seguinte, as portas já estavam fechadas; havia mais de dez mil pessoas lá dentro, e outras cem mil querendo entrar. De todas as partes do país não paravam de chegar caminhões lotados de jovens querendo entrar naquela embaixada. Fidel Castro percebeu que cometera um grave erro ao retirar a escolta da embaixada do Peru; por isso, fecharam a embaixada, assim como proibiram a entrada em Miramar de quem não fosse morador do bairro.
Cortaram a água e a luz dos que estavam na embaixada; para 10.800 pessoas, havia apenas oitocentas rações de comida. Além disso, o governo infiltrou numerosos agentes da Segurança do Estado, que chegaram a assassinar pessoas que tivessem ocupado cargos importantes no governo e que também se encontravam na embaixada. Os arredores da embaixada do Peru estavam cheios de carteiras da Juventude Comunista e do Partido, pertencentes a pessoas que já se encontravam asiladas.
O governo tentou abafar o escândalo, mas toda a imprensa mundial veiculou a notícia. Julio Cortázar e Pablo Armando Fernández, testas-de-ferro de Castro que se encontravam em Nova York naquela ocasião, chegaram a declarar que havia apenas setecentas pessoas asiladas na embaixada.
Um chofer de táxi tentou entrar de carro a toda velocidade, mas foi metralhado pela Segurança do Estado; apesar de muito ferido, ainda tentou sair do táxi e entrar na embaixada, mas foi levado num carro da polícia.
O acontecimento na embaixada do Peru passou a representar a primeira rebelião em massa do povo cubano contra a ditadura castrista. Depois, o povo tentou entrar no prédio da representação dos Estados Unidos. Todos procuravam uma embaixada para se asilar e a perseguição por parte da polícia atingiu níveis alarmantes. Por fim, a União Soviética mandou para Cuba um alto funcionário do KGB, que teve uma série de encontros com Fidel Castro.
Fidel e Raúl Castro vieram até os portões da embaixada do Peru. Pela primeira vez, Castro ouviu o povo xingando, chamando-o de covarde e criminoso; pedindo liberdade.
Foi quando Fidel mandou que fossem metralhadas todas as pessoas que já estavam há quinze dias sem comer, dormindo em pé, pois não havia espaço para deitar, sobrevivendo em meio aos próprios excrementos; diante daquele tiroteio que feriu muita gente, a resposta foi cantar o hino nacional.
Temendo que tivesse início uma revolução popular, Fidel Castro e a União Soviética decidiram que era necessário abrir uma brecha e deixar sair do país um grupo dos mais dissidentes; era como fazer uma sangria num organismo doente.
Num discurso desesperado e irado, junto com García Márquez e Juan Bosch, que batiam palmas, Castro acusou todos aqueles coitados que se refugiaram na embaixada do Peru de anti-sociais e depravados sexuais. Jamais esquecerei seu rosto de rato acossado e furioso, nem os aplausos hipócritas de Gabriel García Márquez e Juan Bosch, apoiando o crime contra os pobres prisioneiros.
O porto de Mariel foi aberto e Castro, depois de declarar que toda aquela gente era anti-social, afirmou o que queria exatamente: que toda essa escória fosse embora de Cuba. Imediatamente, começaram a aparecer cartazes, dizendo: VÃO EMBORA, A PLEBE DEVE IR EMBORA. O Partido e a Segurança do Estado organizaram uma manifestação voluntária, entre aspas, contra os refugiados que se encontravam na embaixada. O povo não teve outro jeito senão assistir àquela manifestação; muita gente foi com a intenção de ver se conseguia pular a cerca e entrar na embaixada; mas os manifestantes não podiam aproximar-se da cerca, pois havia uma fila tripla de policiais para protegê-la. Começaram então a sair, do porto de Mariel, milhares de barcos lotados rumo aos Estados Unidos. No início, não era simplesmente quem quisesse sair que podia ir embora, e sim quem Fidel Castro quisesse deixar sair: os criminosos comuns, que cumpriam pena, agentes secretos para se infiltrarem em Miami, os doentes mentais. E tudo isso foi feito à custa dos cubanos no exílio, que mandaram embarcações para buscar seus familiares. A maioria daquelas famílias em Miami gastou todas as economias para fretar barcos que trariam seus parentes; mas, quando atracavam em Mariel, Castro enchia as embarcações de marginais e loucos, os quais nem podiam levar parentes. Mesmo assim, milhares de pessoas honestas conseguiram fugir.
Para chegar ao porto de Mariel as pessoas tinham que deixar a embaixada do Peru com um salvo-conduto expedido pela Segurança do Estado, ir para casa e esperar que o próprio governo de Castro desse a permissão de saída. A partir de então, a Segurança do Estado, e não a embaixada do Peru, iria decidir quem sairia do país ou não. Muita gente resistiu e não quis abandonar a embaixada, principalmente os que estavam mais comprometidos com o regime de Castro.
As multidões organizadas pela Segurança do Estado ficavam esperando do lado de fora da embaixada, e várias vezes tiravam os documentos das pessoas que tinham conseguido sair; assim, perdiam sua condição de asilados e ainda apanhavam.
As pessoas eram agredidas não só por terem ficado na embaixada do Peru, mas também por telegrafarem pedindo que seus parentes em Miami viessem buscá-las em Mariel. Vi um rapaz apanhar até ficar completamente inconsciente, jogado na rua, pelo fato de ter saído do correio após mandar um telegrama. Essas cenas se repetiam diariamente, por toda parte, durante os meses de abril e maio de 1980.
Vinte dias mais tarde, Lázaro voltou da embaixada; estava quase irreconhecível, pois não pesava mais do que quarenta quilos. Passara por maus pedaços para não apanhar muito, mas estava morto de fome. Agora, tudo se resumia em esperar a permissão de saída do país. No dia em que ela chegou, fomos juntos de táxi até o local onde expediam os documentos, e Lázaro disse: "Não se preocupe, vou tirar você daqui, Reinaldo." Quando ele saiu do táxi, vi a multidão dar-lhe porretadas nas costas, enquanto ele corria sob uma chuva de pedras e frutas podres; em meio àquela cena, vi Lázaro desaparecer em direção à liberdade, enquanto eu permanecia ali, sozinho. No meu prédio, quase todo mundo queria sair do país, de modo que, ao voltar para casa, encontrei um outro tipo de asilo.
No meio dessa guerra civil, ocorriam coisas terríveis. Um homem, na tentativa de não apanhar, pegou o carro e lançou-o contra algumas pessoas que o atacavam. Imediatamente, um agente da Segurança do Estado alvejou-o na cabeça, matando-o. Os incidentes eram publicados no próprio Granma; o fato de alguém ter matado aquele "anti-social" era considerado como um ato heróico.
As casas dos que aguardavam permissão para sair do país eram cercadas pela multidão e apedrejadas; no Vedado, houve várias pessoas assassinadas. Todo o terror pelo qual tínhamos passado durante vinte anos alcançava agora o seu pico. Quem não fosse agente de Castro corria o maior perigo.
Diante da parede do meu quarto, tinham colocado um cartaz, dizendo: QUE OS HOMOSSEXUAIS VÃO EMBORA. QUE A ESCÓRIA VÁ EMBORA. Ir embora era exatamente o que eu queria, mas como? Ironicamente, o governo cubano insultava-nos e nos mandava embora, enquanto, ao mesmo tempo, impedia que saíssemos do país. Em nenhum momento, Fidel Castro abriu o porto de Mariel para quem quisesse sair da Ilha; seu trato foi exclusivamente deixar sair as pessoas que não pudessem prejudicar a imagem do governo; mas não deixava sair os profissionais com nível universitário, nem os escritores com livros publicados no exterior, como era o meu caso.
Entretanto, como existia uma ordem de deixar sair todos os indesejáveis, sendo que, nessa categoria, entravam em primeiro lugar os homossexuais, uma imensa quantidade deles pôde deixar a Ilha em 1980; outros se fingiram de bichas-loucas para abandonar o país pelo porto de Mariel.
A melhor maneira de se conseguir permissão de saída era arranjar alguma prova documental da condição de homossexual. Eu não possuía nada que provasse meu comportamento, mas tinha a carteira de identidade, onde constava que fora preso por perturbação da ordem pública; achei que isso representava uma excelente prova e me dirigi à polícia.
Na delegacia perguntaram se eu era homossexual e respondi que sim; perguntaram então se era ativo ou passivo, e tomei todo o cuidado em dizer que era passivo. Um amigo tivera negada a licença de saída por ter dito que era ativo; revelara apenas a verdade, mas o governo cubano não considerava os ativos como homossexuais. Estavam presentes umas psicólogas; mandaram que eu caminhasse na frente delas para provar se era bicha ou não.
Passei na prova e o tenente gritou para outro militar: "Esse aí pode mandar direto." Isso significava que não havia necessidade de passar por nenhum outro tipo de investigação política. Mandaram-me assinar um documento no qual eu afirmava sair do país por problemas estritamente pessoais e por ser indigno de viver em meio a uma Revolução tão maravilhosa quanto a cubana. Deram-me um número e mandaram que não saísse de casa. O policial que preencheu meus documentos avisou: "Agora, já sabe: se quiser dar uma festa de despedida com todo mundo nu, tem de ser na sua casa; se não estiver em casa quando a permissão chegar, vai perder a vez." Acho que esse policial teria gostado muito de ir àquela festa de despedida imaginária que sugeriu que eu desse em minha casa.
Minha saída do país fora tratada em nível de bairro, de delegacia de polícia; no entanto, os mecanismos de perseguição em Cuba não estavam ainda tão sofisticados, do ponto de vista técnico. Foi por essa razão que consegui sair sem que a Segurança do Estado ficasse sabendo; saí como mais uma bicha-louca, e não como escritor; os tiras que me deram a autorização, no meio de tanta confusão, não sabiam absolutamente nada de literatura, nem podiam conhecer minha obra, quase totalmente inédita em Cuba.
Após uma semana sem conseguir pregar olho, trancado naquele quarto onde o calor era insuportável, acabei adormecendo; no meio da noite, bateram na porta; era Marta Carriles e o pai de Lázaro, gritando: "Levante, chegou sua permissão. A gente sabia que São Lázaro ia ajudar!" Desci correndo de pijama e, de fato, na porta do edifício encontrava-se um policial com um documento. Perguntou se eu era Reinaldo Arenas; respondi que sim, o mais baixo que pude; ele deu trinta minutos para que me aprontasse e apresentasse para sair do país, num local chamado Cuatro Ruedas. Enquanto subia a escada correndo, encontrei Pepe Malas, sempre querendo saber de tudo, que disse: "Lá embaixo tem um tira atrás de você; o que será que quer?" Fingindo o maior pavor, respondi que vinham me prender mais uma vez, e que haveria outro julgamento. Falei com tal pânico na voz, temendo que ele já soubesse de tudo, que Pepe acreditou.
Naqueles dias era muito difícil chegar até Cuatro Ruedas em meia hora. Quando chegou o ônibus, prometi ao motorista uma corrente de ouro se chegássemos em menos de trinta minutos. Não parou em ponto nenhum e cheguei a tempo. Despedi-me às pressas de Fernando, pai de Lázaro, e, sempre correndo, cheguei ao local onde aguardava um militar, a quem entreguei meu cartão de racionamento e o documento que o tira me entregara em casa; ali mesmo me deram um passaporte e um salvo-conduto dizendo que eu era um dos exilados da embaixada peruana. Fui no primeiro ônibus do dia para Mariel. Para cúmulo do azar, o ônibus enguiçou no meio do caminho, e tive de esperar duas horas até a chegada de outro.
Chegamos a EI Mosquito, o campo de concentração situado perto de Mariel; o nome caía bem, tal a quantidade de mosquitos que havia no lugar. Esperamos dois ou três dias até chegar nossa vez de deixar Mariel. Encontrei por lá alguns amigos, e outros que sabia que eram policiais; fiz o possível para não ser notado. Fomos revistados, já que não podíamos levar nenhuma carta, nem o telefone de alguém nos Estados Unidos. Eu sabia de cor o número da minha tia em Miami.
Antes de entrarmos no setor das pessoas já autorizadas a deixar o país, tivemos que aguardar numa fila imensa e mostrar o passaporte a um agente da Segurança do Estado, que checava nosso nome num livro gigantesco; lá estavam Iistadas as pessoas que não podiam deixar o país, e fiquei apavorado. Rapidamente, pedi uma caneta a um vizinho na fila; como meu passaporte tinha sido feito a mão, e o e de Arenas estava muito fechado, transformei a letra em i e meu nome passou a ser Arinas; foi esse nome que o oficial procurou no livro e nunca encontrou.
Antes de embarcarmos nos ônibus que nos levariam a Mariel, outro oficial nos reuniu e explicou que estávamos saindo "limpos"; ou seja, em nenhum dos passaportes constava quaisquer registros criminais e, portanto, ao chegarmos aos Estados Unidos só precisaríamos dizer que éramos exilados da embaixada do Peru. Com toda a certeza, por trás disso tudo devia existir algo de muito sujo e desonesto; o que queriam era justamente criar uma grande confusão para as autoridades norte-americanas, para que não conseguissem saber quem era realmente exilado ou não.
Antes de subirmos nos barcos, fomos divididos em grupos: um era formado por débeis mentais, em outro iam os assassinos e marginais irrecuperáveis, em outro mais, as prostitutas e os homossexuais, e, finalmente, um grupo de jovens agentes da Segurança do Estado que seriam infiltrados nos Estados Unidos. Os barcos foram lotados com pessoas dos diferentes grupos.
É preciso lembrar que 135 mil pessoas saíram da Ilha naquele êxodo; a maioria constituída de gente como eu, que queria apenas morar num mundo livre, trabalhar e recuperar sua dignidade perdida.
Finalmente, na madrugada do dia 4 de maio, chegou a minha vez. Meu barco chamava-se San Lázaro e recordei as palavras de Marta Carriles; era uma hora da manhã. Um militar tirou várias fotos nossas, e em poucos minutos fomos nos afastando da costa. Éramos escoltados por duas lanchas da polícia cubana; tratava-se de uma medida de precaução para evitar que pessoas não-autorizadas pudessem embarcar clandestinamente. Foi então que ocorreu uma cena horrível. Um membro da guarda-costeira, bem na hora em que estávamos saindo, jogou seu fuzil na água e começou a nadar em nossa direção; rapidamente, as outras lanchas aproximaram-se do militar e lá mesmo, com suas baionetas, ele foi assassinado dentro da água.
San Lázaro continuava se afastando da costa; a ilha foi se transformando num conjunto de luzes piscantes e logo tudo não passou de uma enorme sombra. Estávamos em mar aberto.
Para mim, que há anos desejava fugir daquele horror, era fácil não chorar. Mas havia um rapaz de dezessete anos que fora embarcado em Mariel, deixando toda a família em Cuba; ele chorava desesperadamente. Havia também mulheres com crianças, que, assim como eu, não comiam nada há mais de cinco dias. E havia também vários doentes mentais.
O capitão do barco era um cubano que fugira para os Estados Unidos vinte anos atrás; agora, voltara para buscar a família. Em vez disso, seu barco ia lotado de gente desconhecida, com a promessa de que poderia levar a família na próxima viagem. Na verdade, fazia aquele trabalho porque não tinha outro jeito; não entendia absolutamente nada de navegação; disse-me que alugara o barco para buscar a família. Para piorar a situação, não havia nada para se comer a bordo.
A viagem de Havana a Key West costumava demorar umas sete horas; entretanto, já estávamos navegando um dia inteiro e não chegávamos nunca ao bendito lugar. Finalmente, o capitão confessou que estava perdido e não sabia exatamente onde nos encontrávamos. Havia um rádio a bordo, e ele estava tentando comunicar-se com outros barcos, mas sem resultado.
No segundo dia, acabou a gasolina e ficamos à deriva em meio à correnteza do golfo do México. Estávamos há tantos dias sem comer que nem conseguíamos vomitar; só saía bílis. Um dos loucos fez várias tentativas para se atirar na água e era preciso ficar atento para ele não recomeçar, enquanto alguns ex-condenados gritavam para que se controlasse, para não ir parar em "Yuma"; o pobre louco berrava: "Que Yuma, nada deYuma, quero ir pra casa." O pobre coitado não fazia ideia de que estávamos indo para os Estados Unidos. Os tubarões nos rodeavam, esperando que caíssemos na água para nos devorar.

Finalmente, o capitão conseguiu alcançar outro barco, o qual chamou a guarda-costeira americana, que por sua vez ordenou uma busca de helicóptero. Três dias depois, apareceu o helicóptero norte-americano; desceu quase até o nível do mar, tirou fotos nossas e logo depois partiu. Deu ordem para que fôssemos resgatados, e na mesma noite chegou um barco da guarda-costeira; lançaram cordas e subimos a bordo; amarraram nosso barco à popa deles e partimos. Serviram-nos comida e bebida, e lentamente começamos a recuperar as forças e a sentir uma profunda alegria. Chegamos finalmente a Key West.


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