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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A politica externa lulista e a dilmista: um observador externo - Thiago de Aragao (InfoLatam)

Política Brasil

Uma Política Externa Multifacetada

Arko Advice

Por THIAGO DE ARAGÃO, 12/02.2014

Quando o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva tomou posse em janeiro de 2003, inaugurava-se uma fase diferente da política externa brasileira. De algo tradicionalmente mais discreto, que vinha ocorrendo nos últimos governos e ajudou a consolidar os diplomatas brasileiros como os de primeiro escalão em vários países, passou-se a algo mais aberto, espalhafatoso e direto.
Sem entrar em juízo de valor sobre erros e acertos na política externa do ex-presidente Lula, o fato é que ela existia. Claro que estruturalmente funcionava de uma forma longe do tradicional. Enquanto antigamente se baseava quase que exclusivamente dentro do Itamaraty, Lula inaugurou uma fase “bicéfala” da política externa brasileira.
Essa fase contava com a grande participação e influência de Marco Aurélio Garcia. Militante antigo e respeitado dentro do PT, Garcia instigava e ainda instiga admiração entre militantes do partido e aversão entre outros que não concordam com sua forma de atuar.
De qualquer forma, para o bem ou para o mal, no governo Lula, existia uma política clara de atuação internacional que passava por várias categorias. A consolidação de uma liderança regional por meio do “soft power”, a consolidação de uma presença marcante na África por meio do comércio, a participação em eventos críticos no Oriente Médio por meio da negociação e um posicionamento firme em relação aos Estados Unidos e Europa por meio da contraposição.
Essas categorias, por mais que fossem contraditórias em muitas fases, deixavam claro que o Brasil possuía interesses delineados na política externa. Claro que houveram alguns equívocos de leitura no caminho, como por exemplo apostar em uma ampliação do bolivarianismo na região, ao colocar-se como uma liderançaa regional teoricamente neutra, porém, bastante inclinada para os países desse “bloco” bolivariano.
No Oriente Médio, a tentativa de negociação com o Irã, conjuntamente com a Turquia, foi uma passo ousado, e para quem sabe das negociações de bastidores, foi muito bem feita pelo Brasil. No entanto, o país não conseguiu costurar satisfatoriamente com o P5+1 e viu seus esforços irem por água abaixo apenas alguns dias após a histórica reunião em Teerã.
No caso da contraposição com os Estados Unidos e Europa, pode-se dizer que, do ponto de vista do Governo Lula, houve sim uma vitória a partir do momento que o BRICS viveu uma fase áurea, e a consolidação da China como principal parceiro comercial ocorreu. O aspecto interessante desse fato é que mesmo marcando posição como um país “não-alinhado”, o ex-presidente Lula se dava incrivelmente bem com o ex-presidente George W. Bush.
No entanto, a busca pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, que sempre foi o pano de fundo dessas ações, ficou ainda mais distante. Por mais que o Brasil tenha colocado a “cara à tapa” em muitas situações, colocou-se também como um país contraditório em questões importantes que prejudicaram essa campanha.
Não imagino que teremos uma reforma tão cedo, por mais que seja hora e o Brasil mereça esse assento, contudo, qualquer tentativa de colocar-se entre os grandes decisores, ocorre por meio da geração de confiança mútua. Essa confiança se torna abalada, ao se tratar de temas que, teoricamente não seriam importantes o suficiente para o Conselho, o Brasil se mostra claramente contraditório. O caso da interpretação e leitura de direitos humanos, por exemplo, se torna confuso, na visão de alguns países e de algumas sociedades. Como condenar abusos (corretamente) em alguns países distantes e tolerar em muitos países vizinhos?
Ao fim do Governo Lula, consolidou-se um terceiro ator de grande importância para a formulação da política externa brasileira. Enquanto o Itamaraty era responsável por uma visão mais global – mas fora da América Latina, pois isso ficava (e fica) a cargo da Assessoria de Relações Internacionais da Presidência –, o BNDES se colocou como um grande “fomentador de alianças”. Obras começaram a surgir em vizinhos, países africanos, países da região, tendo sempre o BNDES como facilitador e fomentador.
Bem ou mal, o que antes da era Lula ficava restrito ao Itamaraty, após o início do seu governo se dividiu entre vários importantes atores: Itamaraty mantinha o controle sobre a diplomacia formal e protocolar, Marco Aurélio Garcia liderava a interação e aproximação com vários países latino-americanos, o BNDES aprovava e chancelava projetos (principalmente de infraestrutura) não apenas na região, mas também na África e o Ministério de Indústria e Comércio Exterior assumia uma posição mais forte em relação à crescente importância da China e da Rússia no comércio brasileiro.

Tudo isso, ainda ocorre hoje, no entanto, com uma grande e importante diferença. A presidente Dilma Rousseff não possui o mesmo interesse em política externa quanto o seu antecessor, Luis Inácio Lula da Silva. Esse buscava um papel internacional de conciliador semelhante ao que foi capaz de costurar dentro do seu próprio partido e muitas vezes frente a partidos de oposição dentro de seu governo. Com uma postura mais doméstica e voltada para garantir pilares macroeconômicos, Dilma abriu mão de seguir um caminho semelhante ao de Lula.
Uma importância crucial também passa pela Vice-Presidência da República. O vice-presidente Michel Temer assumiu a postura de capitão das relações de alto nível com China, Rússia e, em algum nível, com o Oriente Médio.
Pela sua característica e a característica da presidente Dilma, Temer se coloca como o principal expoente da política externa brasileira, no entanto, apenas em relação a esses dois países. Dilma até que buscou modificar as relações com os Estados Unidos. Sua tentativa, que buscava uma aproximação mais pragmática e menos ideologizada, esbarrou nas denúncias feitas por Edward Snowden. Mas, mesmo antes das denúncias, a perspectiva da parceria com os Estados Unidos em diversas áreas visava a fortalecer as balizas domésticas (que a presidente sempre se preocupou) e não necessariamente colocar o Brasil como um aliado em questões críticas de política externa. Seus resultados práticos seriam sentidos, principalmente no comércio bilateral e não necessariamente em posicionamentos semelhantes em questões geopolíticas.
O grande diferencial de um governo para o outro, é a referência que foi criada. Lula se colocou espontaneamente como a referência brasileira em uma época na qual o Brasil era reconhecido como a “bola da vez”. Com todos os equívocos e alguns acertos, a política externa brasileira tinha a cara de Lula e esta era bem vista na grande maioria do mundo. Dilma não quis ser a cara de sua política externa, tampouco elegeu uma figura dentro do governo para ocupar esta posição. Assim, dentro dos interesses setoriais, várias políticas externas são formuladas em paralelo.
Claro que podemos mencionar o discurso da presidente feito na Assembleia Geral da ONU como exemplo de posição tomada no campo da política exterior, no entanto, foi um discurso doméstico em um palco internacional para uma situação atípica. Suas criticas em relação as ações da NSA no Brasil visavam satisfazer correligionários mais do que mandar mensagens ao mundo. Hoje, os grandes feitos da política externa brasileira são feitos a porta-fechada e sem grande alarde. Isso pode representar um grande avanço em alguns pontos e um grande retrocesso em outros.
Os vários chanceleres da política brasileira: Michel Temer, Luis Figueiredo, Marco Aurélio Garcia, Fernando Pimentel, Luciano Coutinho, Celso Amorim e Guido Mantega seguem suas agendas e pautas individuais. Hoje é mais fácil ver quais da lista estão tendo êxito e quais não estão, no entanto, o que fica é que o Brasil não possui uma ambição clara sobre qual é seu papel no mundo. O que temos hoje são muitas faces onde o sucesso de um não representa o sucesso de outro, fazendo assim com que o país seja visto com desconfiança por muitos. Se antes haviam equívocos, ao menos estava claro qual o caminho que o Brasil queria seguir. Hoje esse caminho não está claro.

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