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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Abecedário da Política Brasileira

Abecedário da Política Brasileira

A:
ABIN: deveria alertar o governo para candidatos corruptos a cargos públicos e para a invasão de prédios públicos pelos neobolcheviques do MST, e não consegue fazer nem isso: o governo é avisado pela imprensa de funcionários corruptos, e se surpreende quando seus aliados paralisam algum ministério; melhor fechar a ABIN;
Aloprados: seres bizarros, que de vez em quando ocupam a crônica política e policial, ao mesmo tempo, sem que daí resulte nada de estranho (muito pelo contrário); continuam a postos, para serviços mais sofisticados, espera-se...
América Latina: cenário habitual de grandes discursos em favor da integração; todos os problemas são resultantes da exploração imperialista (a China já prometeu corrigir esse pequeno problema);
Apedeuta: Supremo Mestre, Guia Genial dos Povos, Líder inconteste das massas, Instinto Inato da Conciliação, etc., etc., etc.;
Argentina: o melhor sócio do Brasil no Mercosul: permite um grande saldo no comércio bilateral, mesmo sem manipulações cambiais no vizinho maior; relação estratégica e perfeito entendimento para a questão do Conselho de Segurança da ONU;

B:
Base de apoio: diz-se do conjunto de pessoas dispostas a ceder o seu voto por alguma outra compensação material, geralmente direta (mas indireta também serve);
Bingo: já teve até CPI, mas continua recrutando boas vocações; máquinas modernas, como em Las Vegas (enfim, não temos coristas); ganhou do jogo do bicho;
Bolívia: território de certificação de veículos usados, podendo ser legalizados se nenhum proprietário legal aparecer; costumava desapropriar refinarias, antigamente;
Brasil: país surrealista situado a centro-leste da América do Sul; segue a teoria de Galileu: se move, apesar de tudo... (aos trancos e barrancos, como diria Darcy Ribeiro; ou então, progredindo por fatalidade, como diria Mario de Andrade);
Buracos: depende de onde for: nas estradas, costumam produzir buracos orçamentários ainda maiores; nos orçamentos são tapados com previsões maiores de receitas;

C:
Câmara: parte do Congresso (vide abaixo); são muitos e não conseguem se sentar ao mesmo tempo: segurança providencia banquinhos de festa; ficam falando no discurso dos colegas, o que motivou a mesa a pagar curso de reeducação;
Celular: produto perigoso; melhor ter dois ou três: sempre tem orelhas à escuta...
Congresso: nos EUA, o centro real das decisões políticas; no Brasil, o centro surreal das decisões políticas; alguns já compararam a um bazar, mas deve ser maldade...
Contribuições: ao contrário dos impostos, não precisam ser repartidas com os estados, daí sua multiplicação desde a Constituição de 1988; também tem aquelas que vão para a caixinha dos políticos, eventualmente declaradas segundo a legislação eleitoral (mas isso não é obrigatório);
Corrupção: a impressão de que aumentou é falsa: o governo assegura que o que aumentou foram as operações contra a corrupção (que por um infeliz acaso, envolvem cada vez mais gente do governo); Brasil não é campeão: deve ter pelo menos vinte países mais corruptos no mundo; somos apenas os melhores nesse esporte;
Cotas: indispensáveis para realizar a justiça social; dividem o país entre negros e o resto, sendo que o resto não precisa de cotas, por ser maioria; agora, mais da metade da população brasileira se define como sendo afrodescendente, o que pode atrapalhar um pouco...

D:
Diplomacia: soberana, como deve ser; altiva e ativa; de grande projeção internacional; império finalmente se dobra ao charme indiscutível e à importância do Brasil;
Direitos Humanos: todo mundo tem seus problemas, e não se deve politizar a questão;
Dívida: já houve um tempo em que era impagável, sobretudo a externa, objeto dos xingamentos habituais dos patriotas; hoje se convive muito bem com ela, já que permite um clima de harmonia entre banqueiros e os militantes das boas causas;

E:
Estado: grande mãezona generosa, que provê alimento, carinho e renda digna a todos os cidadãos; tudo no Brasil é dever do Estado e direito dos cidadãos (mas esqueceram de dizer quem paga; ora, quem paga é você, leitor!);
Estupidez: muito mais frequente do que se imagina, mas que pode ser apresentada como esperteza, dependendo de quantos amigos se possui nas colunas políticas dos jornais;
Evangélicos: bancada poderosa, que não convém contrariar; todo candidato vira cristão evangélico em época de eleições e adere à filosofia básica do credo; prometem corrigir os gays e menos gays, mediante orações e preces ao divino; vão agora atacar os livros didáticos: muito darwinistas para o seu gosto...

F:
Fiscal/Fiscalização: o que falta para impedir definitivamente a corrupção no Brasil?: o governo já está providenciando concurso para recrutar mais 15 mil fiscais, a serem distribuídos por todo o Brasil; a corrupção vai aumentar (querem apostar?)
Fome: Desapareceu, depois do sucesso do Fome Zero, que agora está sendo exportado para o mundo, via FAO e viagens do Grande Líder; o Brasil, na verdade, teve tanto sucesso no combate à fome, que agora luta com um problema de obesidade...

G:
Gaga: não temos Lady Gaga, mas temos várias personalidades gagás, que ainda não perceberam que seu tempo já passou; tem gente do arco da velha, que continua grudada no governo, pedindo cargos, títulos, funções, prebendas; ou seja, teremos um governo que vai passar quatro anos arrastando os pés...
Governo: entidade destinada ao bem comum e à felicidade geral de seus integrantes;

H:
Hora do Brasil: programa atraente e bem editado, com notícias importantes, equilibradas e focadas no interesse geral dos brasileiros;
Horário Eleitoral Gratuito: ao contrário do que diz o nome, não sai de graça, mas não convém suscitar isso para o pequeno partido de patriotas que promete corrigir todos os males da nação;

I:
Ignorância: invocar sempre que surgir algo inesperado, que não estava previsto ser revelado pela imprensa (ver abaixo); a ignorância é permitida aos bebês, aos índios e aos políticos; idiotas dispõem de um vale-brinde para alegar ignorância...
Inépcia: característica quase inexistente entre nós, já que todos são tão bem preparados para os cargos públicos, e tão impolutos (outro verbete a ser inserido), que a ABIN nem se preocupa mais em levantar a ficha e verificar a capacidade do candidato ao cargo; a inépcia só surge depois, quando o sujeito senta na cadeira decisória...
Imprensa: inimiga do poder, de todo poder, por definição; mas pode-se também fazê-la trabalhar a favor, desde que alimentada e vestida propriamente; democratas sinceros querem controlá-la para evitar os abusos cometidos pelos jornalões conservadores e pelo Partido da Imprensa Golpista (PIG); pode ser uma caixa de surpresa, daí a necessidade manter boas relações nas redações;
Isonomia: princípio máximo organizador dos salários, gratificações e prebendas: todo mundo deve ser remunerado igualmente, pois o esforço é coletivo;

J:
Jejum: estado da oposição (catatônico, na verdade); incompetente, seria a expressão;
Justificativa: costumava preceder as medidas provisórias e explicar a sua razão de ser, além de especificar precisamente o seu objeto; com a multiplicação de MPs, para variados assuntos, nem sempre compatíveis entre si, perdeu sua razão de ser; tampouco é necessário ter alguma, quando algum político é surpreendido por alguma denúncia da imprensa (sempre malévola), ou pode-se usar uma genérica: “fiz o que todo mundo faz”;

K:
Kilowatt-hora: medida de energia usualmente utilizada em eletrotécnica; costumava ser muito barata no Brasil, mas acabou ficando muito, cara já que é uma forma fácil de arrecadar recursos: ninguém consegue sobreviver sem energia; governo aproveita dessa situação para assaltar o bolso dos cidadãos e o caixa das empresas;

L:
Leituras: “Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin que precisa ser devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de fuzilá-los. Essa é a grande diferença. Estamos vivendo, portanto, uma pequena involução, estamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma postura mais de viés fascista, que é criticar um livro sem ler”. (ex-Ministro da Educação Fernando Haddad)

M:
Memória: brasileiros são singularmente desprovidos de; esquecem o nome dos deputados votados no dia seguinte; um escândalo é logo apagado da memória para dar lugar ao seguinte; só serve para guardar nome de atriz de novela e de jogadores de futebol no caso dos mais fanáticos;
Ministros: existem tantos que ninguém consegue lembrar de todos os nomes, nem o (ou a) presidente; alguns são incompetentes, mas são poucos, e estão ali por causa do partido, ou do Apedeuta, ou por sua própria competência em outros assuntos (a ver); deveriam atuar de forma coordenada, mas é difícil reuni-los todos...

N:
Neoliberal: ser desprezível, que quer vender o Brasil aos especuladores, aplicando discretamente as regras do Consenso de Washington; ideologia condenada e praticamente expulsa das universidades brasileiras, que souberam resistir bastante bem a esse assalto à razão e ao bem-estar coletivo; sobrevive em alguns redutos da direita, mas está acuado e condenado ao desaparecimento;

O:
Orçamento: peça mais importante na vida de uma nação, tão importante que o Brasil possuía três: o monetário, o fiscal e o das estatais; mesmo unificado, agora, costuma ser objeto de revisão cuidadosa (para cima) por parte dos congressistas, que são mais otimistas do que o governo no volume de arrecadação; no Brasil ainda tem a jabuticaba do orçamento aprovado e do contingenciado, solto aos poucos, ao saber da conjuntura política...

P:
Parcerias Público-Privadas: governo demorou quatro anos para aprovar e depois esqueceu; já existiam no Império, foram esquecidas na República e renascidas na nova era de justiça social; geralmente o público paga para companhias privadas, o que recomendaria passar diretamente às privatizações (mas estas são condenáveis);
Partidos: forma moderna de organização política, consistindo no agrupamento de pessoas ideologicamente afins para a conquista do poder e a implementação de um programa de medidas visando ao bem comum; no Brasil, existe um mercado secundário dos partidos políticos, e até um supermercado de partidos, com grande oferta de modelos diversos nas estantes, servindo basicamente aos mesmos fins;
Política: forma suprema do entendimento humano, mais bem social; substituí a guerra, mas pode ser uma guerra por outros meios; no Brasil se divide entre alta política, média política e baixa política, sendo por vezes difícil distinguir entre as três;

Q:
Quadro: diz-se do militante partidário que paga regularmente seu dízimo ao partido (mesmo se retirado do orçamento público em virtude do aparelhamento generalizado do Estado); técnico qualificado da burocracia estatal, recrutado mediante concurso, que todo brasileiro espera fazer desde criancinha;

R:
Receita: o órgão mais importante do país; está presente na vida de todo brasileiro, mesmo sem ele saber, sem perceber e sem sentir; tem um único objetivo: aumentar a arrecadação, em qualquer tempo e circunstância; cumpre bem o seu papel;
Risco: costumava estar associado à classificação efetuada por agências especializadas em medir riscos não comerciais; no Brasil são poucos os riscos incorridos em atividades mais heterodoxas, digamos assim; tanto é que tem gente que nem se preocupa mais com denúncias ou flagras da imprensa;

S:
Saúde: chegando perto da perfeição: governo pensa em exportar o SUS para a OMS;
Senado: altas responsabilidades: senadores deveriam controlar as operações financeiras externas, mas acabam controlando as suas próprias; ótima editora e gráfica;
Socialismo: dura enquanto durar o dinheiro dos outros; justiça social; todo mundo no Brasil é socialista, inclusive os membros do Partido Liberal;

T:
Terras: depende de quais; se for de grandes proprietários, do agronegócio, por exemplo, precisam ter sua produtividade reavaliada para fins de reforma agrária; se forem públicas, servem para integrar o programa de reforma agrária do governo (mas só se estiverem bem localizadas) e ser distribuídas a pessoas perfeitamente incompetentes para fazê-las trabalhar, que depois as venderão no mercado secundário, para gente mais competente; também servem de justificativa para a existência de um partido neobolchevique que diz que pretende fazer reforma agrária nas terras dos outros; se forem compradas por estrangeiros, devem ser desapropriadas, em nome da soberania, se ultrapassarem 2 mil ha.;
Tesouro: cuida bem do nosso dinheiro; de vez em quando passa algum ao BNDES, que o repassa à Petrobras ou a outras empresas dedicadas ao desenvolvimento nacional;
Torcedores: tribo de seres primitivos que se dedicam a estranhos rituais, como xingar o juiz, obrigar a troca do técnico após duas derrotas e, de vez em quando, massacrar algum torcedor adversário desavisado ou distraído; existem alguns que pensam...
Trem-bala: ao contrário do nome, ainda não conseguiu demonstrar suas qualidades, salvo aquela bem brasileira de multiplicar orçamento, correções e aditivos, mas tudo isso de forma antecipada, antes mesmo de sair do país; aí está sua grande qualidade: subiu de preço numa rapidez impressionante, nunca antes vista neste país e em qualquer outro...

U:
Universidades: se forem públicas, são templos do saber; se forem privadas, são tabajaras, mas ainda assim merecedoras de recursos públicos para realizar a inclusão educacional; produzem muitas teses (infelizmente não muitas patenteáveis);

V:
Veado: antigo animal do jogo do bicho; deu lugar a animais mais vistosos, atualmente, todos orgulhosos de sua condição; fazem até paradas;
Vida pública: a mais nobre das ocupações; por vezes vem misturada à vida privada, mas ninguém liga muito para isso; pequenos desvios são ignorados; grandes desvios são até elogiados, como esperteza política;

X:
Xis da questão: No Brasil, existem milhares de técnicos de futebol e outros milhões que proclamam, orgulhosa e sabiamente: “O problema do Brasil é... (este aqui)”, e aí soltam justamente a expressão fatídica, o tal de “xis da questão”, que, uma vez resolvido, converterá a pátria-mãe num mar de tranquilidade, num paraíso de benefícios sociais, para sempre redimido de outros “xizes” das questões;

Y:
Yoani Sanches: incomoda a esquerda no Brasil, que queria continuar apoiando a ditadura dos irmãos Castro e apresentar todos os dissidentes como agentes do império; uma blogueira independente destrói a propaganda pró-Castro de idiotas consumados (e desonestos) como Frei Beto e Emir Sader;

W:
Walt Disney: fundador do grande império da ideologia americana, o mais cultuado, atualmente, pelas classes médias brasileiras, que estão indo duas vezes por ano a Disney World, graças à valorização do real e à desvalorização da moeda americana;

Z:
Zebra: animal muito comum no futebol e na política, mas possui conotações diferentes (e talvez roupas diferentes) quando está na segunda condição;


2 comentários:

Jairo disse...

Adorei este tragicômico dicionário.

Anônimo disse...

Spot on!