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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Plano Real, 20 anos: sendo paulatinamente desmantelado pelos companheiros - Editorial Estadao

A revolução do real

27 de fevereiro de 2014 | 2h 10
Editorial O Estado de S.Paulo
Há 20 anos uma revolução sem armas e sem passeatas começou a mudar a vida dos brasileiros, quando o presidente Itamar Franco assinou a Medida Provisória (MP) 434 e criou a Unidade Real de Valor (URV), embrião de uma nova moeda, o real. Naquele mês de fevereiro, os preços ao consumidor subiram 40,27% e a alta acumulada em 12 meses chegou a 757,29%. Em 2013, a inflação anual ficou em 5,91%. Há 20 anos, os preços de bens e serviços aumentavam muito mais que isso em apenas uma semana. Recebido o pagamento, os trabalhadores corriam ao supermercado para abastecer a casa. A corrosão do salário em poucos dias era muito maior do que foi em todo o ano passado.
Como o ar, a água, as praças e a ordem democrática, a moeda é um bem público e a sua preservação é uma das obrigações mais importantes do poder político.
Cumprir essa obrigação é também proteger os pobres, os mais indefesos diante da alta de preços. Em tempos de inflação elevada, o reajuste de seus ganhos é normalmente mais lento que a alta do custo de vida. Além disso, eles são menos capazes de poupar e de buscar proteção em aplicações financeiras. Políticas de transferência de renda teriam sido inúteis no Brasil da espiral inflacionária, porque os benefícios seriam rapidamente anulados pelos preços em disparada. Apesar disso, há quem defenda a tolerância à inflação como política progressista.
Assinada em 27 de fevereiro, a MP entrou em vigor no dia seguinte, com a publicação no Diário Oficial. Durante quatro meses o Brasil teria duas moedas. A URV serviria como referência de valor. O cruzeiro real, ainda em circulação, continuaria usado para os pagamentos e outras operações do dia a dia.
Lançada com o valor inicial de CR$ 647,50, a URV seria reajustada todos os dias até a emissão da nova moeda, em 1.º de julho. Nesse período, serviu de base para o reajuste de todos os preços, a atualização de contratos e a fixação da taxa de câmbio pelo Banco Central (BC).
Emitido o real, com valor correspondente a CR$ 2.750,00, houve de novo a unificação monetária, com um só instrumento servindo como unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor. Não seria apenas uma nova moeda, como aquelas criadas em planos anteriores de estabilização e logo erodidas e desmoralizadas por um novo surto inflacionário.
A atualização diária dos preços, com base na variação da URV, deveria servir para uma recomposição geral de valores e de suas proporções. Tudo se passaria como se a indexação fosse levada ao extremo para em seguida, de repente, ser interrompida. Autores de planos anteriores haviam tentado vencer a inflação inercial - a realimentação constante da alta de preços pelo prolongamento do impulso inflacionário. Mas essas tentativas haviam sempre envolvido congelamentos de preços e truques variados. Não haveria mágicas no real.
Proibir a indexação na maior parte dos contratos foi uma das primeiras medidas, a partir da reforma monetária. Mas essa iniciativa teria sido anulada pelo retorno da inflação, se faltassem esforços muito mais ambiciosos. Avançou-se na desestatização para aliviar o Estado e aumentar a eficiência do governo e de importantes indústrias de base e de infraestrutura. Ampliou-se a abertura comercial.
Iniciou-se, enfim, uma complexa renegociação das dívidas de Estados e municípios. Esse arranjo incluiu a extinção ou reforma de bancos estaduais. Essa manobra permitiu o ressurgimento de uma política monetária eficaz, algo impossível quando o BC era forçado a sancionar a desordem criada pelos governos de Estados e seus bancos.
Só um BC revigorado e com bons instrumentos poderia ter vencido com rapidez, como venceu, os surtos inflacionários de 2002-2003 e de 2009. Em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal completaria a reforma.
Com o real, o brasileiro passou a dispor de novo de uma moeda respeitável e adequada às funções clássicas de meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Como tantas outras conquistas, essa também é reversível. Nenhuma moeda é indestrutível quando se combinam por algum tempo a tolerância à inflação, a irresponsabilidade fiscal e o populismo.

3 comentários:

amauri disse...

Boa tarde Paulo!
Já viu isto?
http://blog.kanitz.com.br/a-origem-do-plano-real/?utm_source=feedblitz&utm_medium=FeedBlitzEmail&utm_campaign=0&utm_content=550671

Paulo Roberto de Almeida disse...

Grato Amauri,
Não conhecia esse Plano Luca Pacioli, e nunca tinha lido esse texto que voce me mandou, que de fato é instigante e por isso lhe agradeço muitíssimo o envio.
A vinculação teórica, e histórica, do Plano Real costuma ser usada pelo Gustava Franco como tendo sido inspirado no plano de estabilização do marco alemão em 1923, pelo então presidente do Reichs Bank, Haljmar Schacht, que criou uma moeda indexada, o renten Mark.
O fato de os bancos terem sido dispensados da URV no período, como se alega frequentemente, era de que necessitavam do floating inflacionário para se ajustarem, antes da total desindexação da economia (que não foi total, finalmente), Como eles transacionavam diariamente no overnight (alimentado pelo governo), a correção desses ativos iria priva-lo de recursos, e poderia paralisar o sistema.
Se evitaria assim a quebra dos bancos, o que de fato ocorreu com vários, depois do Real, quando perderam o floating inflacionário e ainda tinham buracos de operações mal conduzidas e de uso indevido do dinheiro dos correntistas. Alguns quebraram e precisaram ser socorridos pelo governo, que os encampou, saneou (isto é, assumiu os buracos) e depois vendeu para a iniciativa privada, ou simplesmente foram liquidados, como o Econômico.
Grato pelo envio, mais uma vez, o que nos mostra que o mundo nunca é tão redondo como se pensa...
Paulo Roberto de Almeida

amauri disse...

Voce publica textos ineditos para mim. Compartilhar conhecimento é algo a ser sempre incentivado.
Infelizmente a educacao deste país nao faz isto. A gratidao é reciproca.