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terça-feira, 1 de abril de 2014

Pequeno retrato das nossa deformacoes academicas: a Unasul e o caso da autonomia dificultada pelas elites

Que as nossas faculdades de ciências sociais sejam um perfeito retrato dos retrocessos mentais que vêem ocorrendo no âmbito universitário brasileiro disso ninguém mais duvida. Eu venho repetindo isso desde algum tempo, e as pessoas podem achar que se trata de simples arrogância intelectual (pecado que, confesso, devo cometer regularmente). Mas poucas vezes se pode trazer as provas desse tipo de involução intelectual.
Não neste caso.
O artigo abaixo, do qual retirei o nome do autor, condensa alguns dos defeitos mais evidentes do estado atual dos nossos estudiosos de relações internacionais (mas não restrito a esse campo).
O tema é canhestro, mas ao estilo companheiro: autonomia da Unasul.
Parece que é um problema, quando não é, nunca foi, e não deveria ser.
Mas, o autor se angustia com essa busca desesperada de autonomia (em relação ao império se entenda) de um organismo criado e alimentado pelos novos totalitários potenciais da região.
Parece que o império não gosta dessa autonomia, por isso é tão difícil e tão angustiante essa busca, que parece um exercício espiritual à la Wittgenstein.
E quem seria oposto a que isso ocorra?
Ora, leitores, as zelites, como sempre, essas criaturas malvadas, perversas, que estão sempre complotando com o império para impedir a liberdade, a autonomia, a soberania, o desenvolvimento, o progresso e o bem estar das nossas populações antes oprimidas e que agora estão buscando redenção com os tais representantes da Unasul.
Todo o artigo se concentra num editorial do Estadão, como se esse representante da imprensa golpista (sim, o famoso PIG) tivesse o poder de cercear a busca de autonomia por parte da pobrezinha da Unasul.
Eu fico pensando o seguinte: se artigos como esse encontram acolhimento em veículos das nossas academias, o que estará acontecendo com o resto, que não é publicado?
Confesso que ando pessimista com o andar da carruagem, ou com o desandar da academia...
Paulo Roberto de Almeida


1 Apr 2014

A recente crise na Venezuela, marcada pela polarização entre os setores da população, por protestos contra e a favor do governo de Nicolás Maduro e por repressão à oposição suscitou discussão em diferentes fóruns multilaterais. No dia 07 de março, foi abordado em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) o envio de uma missão de observadores ao país, mas os países da América do Sul votaram contra a iniciativa e definiram que o melhor órgão para discutir a questão seria a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a qual se organizou e enviou seu próprio grupo de observadores ao país.
Independentemente dos resultados da missão sul-americana, a busca de uma solução regional para a crise na Venezuela mostra uma mudança de comportamento. Ao contrário do que ocorria durante o período da Guerra Fria e nos anos 90, o órgão responsável por atuar na crise não será liderado pelos Estados Unidos, mas a condução das negociações será realizada pela América do Sul.
Ao buscar uma coordenação dos países sul-americanos em questões políticas e estratégicas e uma contraposição da região aos Estados Unidos e às organizações lideradas por este país, como a OEA, a Unasul reflete uma busca de autonomia por parte da América do Sul. Neste âmbito, a criação de um Conselho dedicado exclusivamente aos temas de Defesa mostra a determinação da região em resolver os problemas de maneira autônoma e de questionar a visão apresentada pelos EUA (SAINT-PIERRE, 2011, p. 418). De acordo com Maria Regina Soares de Lima, o Conselho de Defesa Sul-americano (CDS) representa um ineditismo, por se apresentar como a primeira configuração sul-americana, sem a presença dos EUA. Segundo a autora, a criação do CDS mostra tanto a busca de autonomia pela região como a incapacidade dos EUA de responder às demandas sul-americanas (2013, p. 169).
Neste sentido, a posição dos países sul-americanos de buscar que a crise venezuelana seja discutida no âmbito da Unasul e não a partir da OEA é coerente com a estratégia regional, pois tratar essa questão a partir da Unasul mostra a consolidação do bloco e apresenta-se como uma meio importante para tornar a região mais autônoma.
Além da busca pela autonomia, o processo de construção da Unasul ainda mostrou a disposição brasileira em construir um espaço geopolítico no qual sua influência pudesse ser exercida. O país foi um dos mais atuantes na construção do bloco, tendo convocado a primeira reunião de chefes-de-Estado da América do Sul, em 2000, ainda durante o período do governo de Fernando Henrique Cardoso, a qual teria como desdobramento o início do processo de construção da Casa, que em 2008 seria convertida na Unasul.
O Brasil ainda se engajou na construção do Conselho de Defesa Sul-Americano, tendo criado o projeto inicial e o apresentado aos países da região através de viagens realizadas pelo então Ministro da Defesa, Nelson Jobim. De acordo com Lima, a configuração do Conselho está conectada com a Estratégia Nacional de Defesa, que aponta a necessidade de criar um complexo científico-militar-empresarial sobre Defesa e de aumentar a produção nacional e internacional da indústria de Defesa (2013, p.185).
Assim, nota-se que o processo de construção da Unasul foi em parte decorrente de iniciativa brasileira e que a concretização do bloco vincula-se de maneira clara aos interesses nacionais, podendo aumentar o poder regional brasileiro e sua autonomia no plano global.
Entretanto, no Brasil, percebe-se que a valorização do bloco não é consensual, sendo que a mídia tem apresentado duras críticas a essa forma de cooperação regional. Em editorial publicado no dia 13 de março, o periódico O Estado de S. Paulo criticou veementemente a posição brasileira de se opor à atuação da OEA e defender que a situação deveria ser resolvida através da Unasul. Segundo o periódico, o Brasil teria tornado improdutiva a única iniciativa capaz de repreender o governo de Maduro, através da OEA, e teria agido contaminado por ares bolivarianos (O ESTADO DE S. PAULO, 13 /03/2014).
O jornal ainda criticou fortemente a convocação de uma reunião da Unasul, a qual classificou como um passo escandaloso e qualificou o bloco como um instrumento dos governos bolivarianos, desimportante e cuja a única utilidade seria dar respaldo a governos não democráticos. O periódico ainda defendeu que o envio de uma comissão da Unasul para a Venezuela tem como finalidade única ser conivente com o governo de Maduro e legitimá-lo. O Estado de S. Paulo concluiu afirmando que o Brasil está tratando a situação de maneira leviana e está tornando-se corresponsável pela consolidação de um regime delinquente (O ESTADO DE S. PAULO, 13 /03/2014).
A mesma posição foi apresentada pelo jornal o Globo, o qual em editorial publicado no dia 14 de março criticou a postura da Unasul frente à situação na Venezuela. De acordo com o jornal, a comissão criada pelo bloco seria apenas um jogo da cena diplomática para Maduro ter tempo de sufocar as manifestações que acometem o país. O Globo ainda argumentou que o grupo de países apoiadores do chavismo, dentre os quais o Brasil, havia impedido uma ação mais energética por parte da OEA. Para o periódico, a posição da Unasul seria de apoio a Maduro e não poderia ser diferente, pois o bloco teria sido criado com uma essência de chavismo. Para o Globo, a Unasul seria “fruto de uma fertilização in vitro do chavismo com o lulopetismo e teria sido criada para ser uma OEA sem a presença dos Estados Unidos” (O GLOBO, 14 /03/2014).
Em tais editoriais o bloco é criticado como ideológico, o que significaria que se oporia a políticas pragmáticas. Entretanto, como apontado, apesar de ter uma ideologia de valorização da América do Sul e de negar a hegemonia dos EUA, as políticas brasileiras a partir do mesmo possuem motivações pragmáticas, uma vez que o objetivo seria aumentar o poder de influência brasileiro e também diminuir a influência extra-regional na solução de problemas locais.
Ademais, em tais editoriais fica clara a percepção de que seria mais importante para o Brasil valorizar suas relações com os países do Norte do que promover a cooperação Sul-Sul. Esse contexto mostra que a ideia de cooperação regional e valorização da América do Sul não foram absorvidas pelas elites brasileiras. De acordo com Vigevani et al, o interesse reduzido da sociedade brasileira por integração regional é constante e foi um dos fatores que colocou importantes obstáculos ao aprofundamento das instituições do Mercosul (2008, p. 19). Assim, nota-se que um dos maiores empecilhos à consolidação e ao fortalecimento da Unasul pode vir não de fora, de condicionantes externas provocadas pelo poderio estadunidense, mas internamente, da percepção de parte da elite brasileira, que entende o relacionamento com a América do Sul como menos importante que as relações com os países do Norte.
Bibliografia
LIMA, M. R. S. (2013) Relações Interamericanas: A Nova Agenda Sul-Americana e o Brasil. In: Lua Nova, São Paulo, 90: p.167-201, 2013.
O ESTADO DE S. PAULO. Dilma degrada a diplomacia. São Paulo, 13 de março 2014. Notas e Informações. P. A3.
O GLOBO. Tibieza da Unasul na crise venezuelana. Rio de Janeiro, 14 de março de 2014. Opinião, p. 18.
PARAGUASSU, L. MORAES, M. Brasil barra ação da OEA na Venezuela. O ESTADO DE S. PAULO, 08 de março de 2014. Internacional, p. A16.
SAINT-PIERRE, H. L. (2011) Defesa ou Segurança? Reflexões em torno de conceitos e ideologias. In: Contexto Internacional, vol. 33, n. 2, julho/dezembro 2011. P. 407-433.
SENHORAS, E. M. (2009) O Conselho Sul-Americano de Defesa e as Percepções da Construção da Segurança Cooperativa no Complexo Regional da América do Sul. Centro de Estudios Hemisféricos de Defensa, Cartagena de Indias, Colombia, 2009.
VIGEVANI, T. FAVARON, G. M., RAMANZINI JÚNIOR, H. Correia, R. A. O papel da integração regional para o Brasil: universalismo, soberania e percepção das elites. In: Revista Brasileira de Política Internacional. vol. 51 no.2, p. 5 a 27. Brasília: Janeiro/Junho, 2008.

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