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sábado, 19 de julho de 2014

Joao Ubaldo Ribeiro: um escritor brasileiro universal

João Ubaldo era, sem dúvida alguma, o mais brasileiro dos "imortais", os acadêmicos da ABL. Mas ele era também um escritor universal, pois todos os seus textos, extremamente brasileiros, eram universais já que tinham a ver com a condição humana, simplesmente.
Minha homenagem a ele por meio desta postagem de meu amigo Orlando Tambosi, a quem agradeço pelos numerosos empréstimos que tenho feito de seu blog. 
Paulo Roberto de Almeida 
João Ubaldo Ribeiro no país dos corruptos
Em março de 2006, o blog fez uma chamada para a entrevista do escritor João Ubaldo Ribeiro à revista Veja. João Ubaldo disse, entre outras coisas, que o governo Lula era incompetente, que ricos e pobres são igualmente desonestos e que a ideia de implantar cotas - como fez o lulopetismo - é um esforço para dividir o Brasil em "raças". Reproduzo a entrevista na íntegra, em homenagem a essa figura rara de intelectual honesto num país em que abundam estúpidos intelectuais ideológicos:


O escritor João Ubaldo Ribeiro fustiga o presidente Lula com a mesma intensidade com que Luis Fernando Verissimo atormentava Fernando Henrique Cardoso. Nestes dois anos e meio de administração petista, Ubaldo se tornou um dos críticos mais ácidos do  (governo. "Não gosto dessa posição, não gosto de aparecer, mas fazer o quê? É inevitável se indignar com certas coisas", diz o autor. Seu motivo mais recente de irritação foi a cartilha com termos politicamente corretos elaborada pela Secretaria dos Direitos Humanos. Ubaldo escreveu um e-mail a dezenas de amigos, e isso desencadeou toda a polêmica a respeito do tema. Aos 64 anos, o escritor baiano é um dos maiores best-sellers brasileiros, com 3 milhões de exemplares vendidos ao longo da carreira. Em casa, quando não está escrevendo, Ubaldo se dedica a uma nova paixão: o computador. Ele é capaz de ficar um dia inteiro baixando programas e viajando na internet. Compartilha o hobby com o amigo e também autor Rubem Fonseca: "Ele é um expert e dizia que eu nunca seria como ele. Hoje me chama de mestre". Em seu apartamento no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, João Ubaldo Ribeiro recebeu VEJA para a seguinte entrevista. 

Veja – O senhor é um dos maiores críticos do governo. O que há de errado com a administração petista?

Ubaldo – O governo é de uma extraordinária incompetência. Não conseguiu formular nenhum projeto, nenhuma visão nacional. O presidente, na minha opinião, tem de ser respeitado, pela sua condição de incorporar e encarnar o cargo supremo do Executivo brasileiro. E eu jamais faltei com esse respeito. No entanto, o brasileiro é tão subserviente que, quando alguém critica Lula chamando-o, por exemplo, de ignorante – o que não é uma difamação, é uma verdade –, diz-se que o presidente está sendo desrespeitado.

V – A ignorância a que o senhor se refere não seria compensada por outras qualidades?

U – Lula é autor de uma obra monumental, o Partido dos Trabalhadores. É algo sem precedentes na história brasileira, e talvez na história latino-americana. Governar um país, no entanto, não é a dele. Lula não sabe administrar. Ele não senta para ler, para despachar, para trabalhar. Ele tem um ministério que dificilmente conseguirá reunir num mesmo dia porque é impossível, num time de quarenta integrantes, que pelo menos um não esteja gripado ou com algum impedimento.

V – O senhor votou em Lula?

U – Sim, na última eleição. Em 1994 e 1998, votei em Fernando Henrique. Eu não considerava Lula preparado. Hoje vejo que tinha razão. Na época da eleição de 2002, deixei-me convencer de que os quadros do PT seriam suficientes para manter a coisa sob controle e que o presidente não se deixaria seduzir de forma tão flagrante pelos atrativos do poder. Observando o comportamento de Lula, nota-se que o prazer dele não é administrar. São os discursos, são as aparições que eu classifiquei, e não me arrependo do adjetivo, de circenses. Vem sendo assim desde o primeiro dia. Ele foi a uma das cidades mais pobres, se não a mais pobre e faminta do Brasil, lá no Piauí. Muitas daquelas pessoas não sabiam exatamente o que significava um presidente da República, que para elas seria algo assim como um dono do mundo. Lá, ele disse ao povo que todos iriam comer no dia seguinte. E eu duvido que estejam comendo hoje. 

V – Por causa desse tom crítico ao governo, o senhor é acusado de estar a serviço do PSDB. Como reage a isso?

U – Eu sou uma pessoa totalmente destituída de rabo preso. Nunca roubei ninguém, não tenho antecedentes criminais, nunca fui dedo-duro, é difícil desencavar em meu passado algo mais grave do que ter enganado uma namorada, e assim mesmo muito eventualmente. Quando eu falo mal do governo, recebo cartas iradas dizendo: "Mas o que o PSDB faria neste caso?". Como se tudo o que eu escrevi contra o PSDB não valesse nada. No Brasil, sempre se acredita que a imprensa vive no bolso de alguém. Eu convivi com Roberto Marinho episodicamente por causa de nossa condição de integrantes da Academia Brasileira de Letras. Por ter comparecido a três ou quatro jantares na casa do dono da Globo, fui acusado de conspirar com ele. Você imagina que Roberto Marinho iria chamar um colunista de jornal para que ambos, juntos, manobrassem os cordões que gerem esta República? As pessoas têm essa convicção porque estão acostumadas ao ambiente de corrupção que reina no Brasil. 

V – Não é um exagero dizer que a corrupção reina no Brasil?

U – Nós vivemos num ambiente de lassitude moral que se estende a todas as camadas da sociedade. Esse negócio de dizer que as elites são corruptas mas o povo é honesto é conversa fiada. Nós somos um povo de comportamento desonesto de maneira geral, ou pelo menos um comportamento pouco recomendável. Se você me acompanhar à rua, a gente pode até fazer uma experiência. A população da Zona Sul do Rio de Janeiro é formada em grande parte de gente da terceira idade. Quando um idoso atravessa a rua, os motoristas de ônibus costumam acelerar em ponto morto, fazendo um barulhão. Eles querem dar um susto no velho, eles querem matar o velho. Já vi fazerem isso com crianças, que acabam saindo correndo. Eu mesmo, que tenho 64 anos, já tomei um susto assim. Os brasileiros estão convictos de que, se um pedestre atravessar fora da faixa, o motorista tem o direito de atropelá-lo e matá-lo. Outro exemplo. Eu ouço de várias empregadas domésticas que é comuníssimo aqui no Rio de Janeiro que responsáveis pela merenda escolar retirem substancial quantidade de víveres e alimentos das crianças para levar para casa, distribuir entre parentes e até montar quitandas. Isso é um evidente absurdo. 

V – O senhor falou em lassitude moral. Isso não ocorreria porque o país não tem instituições fortes, ao contrário de nações européias e dos Estados Unidos?

U – Nós somos de um país cuja colonização se deu em moldes muito diferentes dos da colonização dos Estados Unidos, nação à qual somos freqüentemente comparados. Os colonizadores ingleses, ao vir para a América, estavam dando as costas para a Europa. Eles vieram para nunca mais voltar. Sua intenção, ao chegar ao Novo Mundo, era conceber uma nação ou várias pequenas nações nas treze colônias. No Brasil isso não ocorreu. Não porque os portugueses sejam ordinários pela própria natureza, como freqüentemente se diz. A questão é que Portugal nos pegou num momento em que sua prosperidade dependia do fato de o país ser um grande entreposto da Europa, um grande fornecedor de mercadorias. Fizeram, assim, uma colonização predatória. Portugal enriqueceu à custa do açúcar brasileiro, e Lisboa foi reconstruída pelo marquês de Pombal com dinheiro brasileiro. Convinha manter aqui um controle rígido, diferentemente dos americanos, que de costas para a Europa criaram suas próprias leis. Os portugueses, no entanto, não tinham estrutura para isso. Com essa presença forte do governo necessariamente despoliciado pela metrópole, o domínio dos portugueses ocorreu de uma maneira desordenada, desregulada, importando caoticamente a burocracia lusitana, com a corrupção que essa burocracia gera. Construiu-se toda uma visão de mundo centrada na ação estatal. A origem de muitos dos nossos problemas pode ser essa. 

V – De acordo com Gilberto Freyre, no entanto, os portugueses contribuíram positivamente ao criar uma nação miscigenada.

U – É verdade, eles deram algumas contribuições positivas, e essa é uma delas. Com a qual, por falar nisso, o governo quer acabar, implantando o sistema de cotas nas universidades. Eu vejo essa idéia com profunda desconfiança e muito desagrado. Em minha opinião, ela representa um esforço para dividir este país, pela primeira vez, em linhas raciais. Tenho amigos diretores e donos de colégios que estão sendo obrigados a classificar os alunos por raça. Que retrocesso é esse? Já me chamaram e me chamam de vez em quando de negro. Eu me recuso a ser chamado de negro. Não porque tenha vergonha. Eu sou filho de uma família portuguesa pelo lado da mãe, neto de um português pelo lado do pai. A mulher do meu avô paterno era uma mulata acaboclada. O que significa que eu tenho sangue negro. Mas eu me recuso a usar o critério americano que diz que é negro todo mundo que tem uma gota de sangue negro. Ou seja, se o sujeito é filho de um zulu com uma sueca, por que a metade zulu tem de prevalecer? E aí vem o governo com essa bobagem de que não se pode usar a palavra "mulato" porque vem de mula. Vou dizer algo politicamente incorreto: Lula é mulato. Se bem me lembro, o cabelo dele era crespo, encarapinhado, no tempo em que era líder metalúrgico. Já hoje, presidente da República, ele tem cabelos sedosos. 

V – O senhor acha que o sistema de cotas é de difícil implantação?

U – Eu acho muito complicado classificar as pessoas por raças no Brasil. Eu não vejo TV, posso estar dizendo alguma bobagem, mas eu me lembro de que a Xuxa só aceitava loirinhas para paquitas. Suponhamos que baixassem no Brasil um decreto específico, dizendo: "Xuxa Meneghel é obrigada a reservar 50% das vagas de paquitas para afro-descendentes". Apareceriam no dia seguinte 20.000 loiras de olhos azuis mostrando o retrato de um vovô negão. Carla Perez, minha conterrânea, é uma loira artificial. Ela é mulata, filha de mulato, sem deixar de ser loira. Essa idéia das cotas embute, no fundo, uma visão equivocada: aquela que enxerga a questão da escravidão como um problema de origem racial. 

V – E não é?

U – Não existe nada mais falso do que isso. Ao longo da história, os escravos sempre foram os vencidos, e não necessariamente os negros. Na maior parte das civilizações, os escravos eram brancos. Os hebreus foram escravos dos egípcios, por exemplo. Não foram os portugueses que escravizaram os africanos. Eles trouxeram nos navios negreiros pessoas que já haviam sido escravizadas em sua nação de origem. Eram negros escravizando negros. As nações da África do início do ciclo das grandes navegações nunca tinham ouvido falar na existência dos brancos. Acreditavam que a humanidade era negra. Achavam-se, assim, tão diferentes dos vizinhos que falavam outra língua, cultuavam outros deuses e comiam outra comida quanto um inglês se acha diferente de um francês, de um alemão ou de um napolitano. A suposta irmandade entre os negros passou a existir quando eles foram unificados na categoria de escravos. 

V – O senhor sempre se autodefiniu como um autor que escreve por dinheiro. Alguém com essa postura sofre algum tipo de discriminação no Brasil?

U – Sem dúvida. Em parte por causa da inveja dos que não conseguem vender livros. Durante a maior parte da história a regra foi a encomenda. Quase toda a arte renascentista foi produzida assim, da Capela Sistina às fontes de Roma. Esse negócio de se sentar e se comunicar magicamente com as musas é conversa de rico que fica falando em arte. O artista de verdade quer ser pago. 

V – Por que se lê tão pouco no Brasil?

U – É um lugar-comum dizer que isso ocorre porque o livro é caro. Sem dúvida essa é uma das razões. Há, no entanto, uma cultura de que o livro é uma coisa chata, difícil. Eu sou adotado em escolas, e devo ser odiado por um número imenso de estudantes brasileiros. Os jovens lêem os livros preocupados em responder a perguntas incompreensíveis em provas. Um grande número de professores transmite aos alunos o ódio que eles mesmos têm dos clássicos. O próprio presidente vende a imagem da leitura como uma coisa difícil, comparável a andar em esteira. Uma das coisas graves que eu acho que Lula faz é se gabar, se vangloriar da própria ignorância, da própria falta de formação.

V – O senhor recentemente teve graves problemas de saúde por causa do alcoolismo. Poderia contar o que aconteceu?

U – Foi uma luta de oito anos, complicadíssima. Tudo começou com uma depressão, em 1994, quando voltei da Copa do Mundo dos Estados Unidos. Uma depressão sem motivo, mas eu caí de cama, só não quis me suicidar. Tomei todos os remédios possíveis. Eu, que já bebia bastante, tentei curar a depressão com álcool, que é a pior burrice que alguém pode fazer. Porque a depressão vai embora durante três horas, quatro horas, depois volta pior. Você entra numa espiral descendente da qual é difícil sair. Fiquei oito anos nesse inferno, inchado, tremendo. O auge, há quatro ou cinco anos, foi quando tive uma pancreatite que quase me levou à morte. Passei quinze dias na unidade semi-intensiva do hospital. Tive a sorte de ser um dos poucos casos de pancreatite que não deram dor nenhuma. Dizem que as dores associadas a essa doença estão entre as piores que se podem suportar. Hoje, felizmente, estou há três anos sem beber. 

V – Como o senhor superou o problema?

U – Pela via da religião. Eu não me submeto ao ministério de nenhuma crença, embora acredite em Deus, reze todas as noites e me considere cristão. Há algum tempo, por uma série incrível de coincidências que não vou relatar aqui, tornei-me devoto de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Eu dizia que quase morri de pancreatite. Depois que saí do hospital, voltei a meus velhos hábitos de beber. Acordava cedíssimo, por volta das 5 da manhã, ia comprar jornal e passava pelos bares que fecham tarde para comprar uísque. Às 10 da manhã já estava bêbado, e assim passava o dia inteiro. Logo tive o anúncio de que a pancreatite estava voltando: engulhos em seco. Eu acordava e ia direto para o vaso sanitário, para uma sessão de náuseas. Isso piorava a cada dia, e uma segunda pancreatite para mim seria a morte. Até que uma noite, na hora de dormir, eu rezei a Nossa Senhora: "Se amanhã eu amanhecer sem náuseas, eu paro de beber". Acordei e, pela primeira vez em muito tempo, não tive engulhos. Desde então, e isso foi há três anos, não bebi mais nada. Todos os fins de semana vou com meus amigos ao boteco e só tomo guaraná diet. O mais incrível é que não sinto a mínima vontade de beber. Eu poderia dizer que tenho uma imensa força de vontade, mas não seria verdade. Eu não faço esforço nenhum.

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