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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Os iguais e os mais iguais: Brics e políticas economicas do Brasil - Marcelo de Paiva Abreu

Uns mais iguais do que outros
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, quarta-feira, 23 de julho de 2014
A recente reunião do Brics realizada em Fortaleza mostrou que o bloco pode ir além das palavras, embora os resultados sejam bem mais modestos do que pretende o governo. Foram criados o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas (ACR). O banco, com capital de US$ 50 bilhões, financiará projetos de infraestrutura. O ACR, de US$ 100 bilhões, poderá ser usado pelos acionistas com saques baseados em diferentes múltiplos de seus aportes: US$ 41 bilhões para a China (limite de saque de 50%), US$ 5 bilhões para a África do Sul (200%) e US$ 18 bilhões para os demais (100%). Os saques estarão limitados a 30% do valor acordado, na dependência de acordo paralelo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). As limitadas possibilidades de saque só são relevantes no caso da África do Sul, cujas reservas internacionais são relativamente modestas.
A comparação de Fortaleza a Bretton Woods, quando foram criados o FMI e o Banco Mundial, é ridícula. Escala e abrangência são muito mais modestas. Tudo indica que o objetivo dos Brics seja explicitar sua insatisfação com a resposta dos países desenvolvidos à limitada redistribuição de poder no FMI. Mesmo a reforma já aprovada no âmbito do fundo está encalhada no Congresso norte-americano em meio ao tiroteio entre democratas e republicanos. Mas esse objetivo de sinalização dos Brics perde bastante eficácia com a restrição de saques do ACR dependendo em grande medida de programas com o próprio FMI.
Houve muita conversa sobre "poder igual" entre os acionistas do NBD, por causa da participação igual dos cinco países no seu capital. Mas a realidade é mais complicada. A dominância chinesa é clara e refletiu-se na escolha da sede em Xangai. A China é a maior economia entre os Brics e, de longe, o país com mais envolvimento comercial e financeiro com os outros integrantes do bloco. Para os russos foi importante mostrar que não estão isolados em meio à crise ucraniana, embora a queda do avião da Malaysia Airlines tenha cancelado boa parte desse efeito. A diplomacia indiana mais uma vez prevaleceu sobre a brasileira. Em 2008, em Genebra, a resistência protecionista indiana afundou um possível breakthrough na Rodada Doha relativo à agricultura no qual o Brasil tinha interesse. O Brasil teve agora de abrir mão de sua postulação à presidência do banco em benefício da Índia para evitar um impasse que impediria a boa foto de Dilma Rousseff no início da campanha eleitoral.
Mas, levando tudo em conta, diante dos inúmeros percalços diplomáticos brasileiros desde Lula, o resultado concreto de Fortaleza merece ser comemorado. Comedidamente.
Exatamente quando esse modesto sucesso foi alcançado, qualquer otimismo quanto aos rumos da política comercial foi posto em perspectiva pela aprovação pelo Senado, por iniciativa do governo, da prorrogação da Zona Franca de Manaus até 2073 (dez anos antes que expirasse o prazo) e da redução de pelo menos 70% do IPI sobre produtos de informática por 15 anos! Aécio Neves afirmou que há convergência clara entre governo e oposição sobre o assunto. Agripino Maia diz ter votado entusiasticamente a favor, pois a medida é importante para o Amazonas, o Brasil e o mundo. Nessa foto, ninguém saiu bem.
A sátira de George Orwell - "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros" - pode ser aplicada tanto à distribuição de poder entre os países integrantes do Brics quanto à capacidade de extração de benesses públicas por diferentes segmentos da sociedade brasileira. A diferença entre as duas situações é que há relativamente pouco que se possa fazer no curto prazo para melhorar de forma significativa o poder de barganha do Brasil entre os Brics, porém abandonar as formas mais grotescas de protecionismo é algo que depende somente de nós. Mas é preciso botar as cabeças no lugar.
*Marcelo de Paiva Abreu, doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio. 

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