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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Nos corredores da burocracia oficial: a vida como ela e'...

Um artigo recente e meus comentários, mais abaixo...
Talvez se devesse dizer: a vida como ela deveria ser...
Paulo Roberto de Almeida

Por que tanto descaso com o Itamaraty e a Abin?

Fábio Pereira Ribeiro
Revista Exame, 29/09/2014

Já não é de hoje que sabemos que o Itamaraty vem perdendo seu real valor e consistência. Considerado como um dos órgãos de elite do serviço público nacional, e também extremamente reconhecido nos círculos internacionais, o Itamaraty vive um momento de perda de “razão”, simplesmente por falta de um projeto consistente de administração e participação real do Brasil nas relações internacionais.

Na semana que passou, um grupo de mais de 300 Secretários do Itamaraty divulgou uma nota de reclamação e repúdio em relação ao descaso administrativo que o órgão vem sofrendo na gestão do Governo Dilma Rousseff. Os mesmos falam em “anomalias”. As reclamações vão desde o plano de carreira, atrasos nos repasses orçamentários da despesas correntes e ajudas de custos, sem contar a preocupação dos próprios profissionais sobre os rumos da política externa brasileira. É o “espírito de corpo” prevalecendo sobre os interesses da Nação, e não de um grupo político!

Para muitos diplomatas de outros países, o Itamaraty sempre foi um órgão de excelência, que sempre teve em seus quadros grandes nomes da inteligência brasileira, além de perfeitos profissionais na arte da diplomacia. Mas nos últimos anos os mesmos parecem desiludidos e perdidos na burocracia burra do governo brasileiro. Barão do Rio Branco deve estar revirando em 360 graus em seu túmulo.

A questão administrativa está muito mais complicada na estrutura do Itamaraty, principalmente nas questões orçamentárias. Por exemplo pequeno, existe uma reclamação sobre o fechamento das bibliotecas brasileiras nas diversas embaixadas do Brasil espalhadas pelo mundo. Se um estudante brasilianista quiser buscar conhecimentos sobre o Brasil é mais fácil ele comprar uma passagem para Guarulhos.

Conversei com um diplomata brasileiro aqui em Paris, e por questões óbvias não informarei a minha fonte (nem sob tortura, e eu sou preparado para isso). A situação é deprimente, tanto do ponto de vista administrativo como do ponto da própria diplomacia. Os diálogos com Brasília são complicados, a falta de perspectiva é intensa, e os últimos posicionamentos do governo federal sobre os acontecimentos internacionais atrapalham qualquer trabalho de um diplomata. Por exemplo, os serviços de inteligência franceses estão em alerta máximo em função das ameaças do Estado Islâmico que pretende realizar ataques terroristas no Metrô de Paris. E dias antes nossa Presidente Dilma Rousseff, a mesma que não consulta o nosso serviço de inteligência, faz um pronunciamento na ONU em Nova York pedindo diálogo para com um grupo de extremistas, que para eles o diálogo é a única coisa que não existe na face da Terra. Imagina o diplomata tentando explicar para os franceses o que ela tentou falar?

Tanto Itamaraty como a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência – o serviço secreto) sofrem pelas faltas de perspectivas. Vivem em ostracismo público e burocrático. Vivem nas mãos de meia dúzia de burocratas partidários que esquecem do real sentido da política externa e da inteligência de Estado para atender os anseios da Nação.

Estes dois órgãos têm os melhores quadros intelectuais e técnicos da estrutura pública brasileira. Mas infelizmente o ostracismo leva muitos profissionais para evasão. Muitos por sinal, com a grande capacidade intelectual, buscam outros concursos públicos e até mesmo cargos estratégicos em empresas privadas. E na boa, a questão não é financeira, é poder fazer o trabalho decentemente, e não sob óticas ideológicas e partidárias.

Dias atrás escrevi um texto sobre consulta ao serviço de inteligência. Conversei com um oficial de inteligência da França e o mesmo me fez a pergunta: “Fábio, por que a sua presidente não consultou a ABIN?”. A questão não é só consultar, é entender o quanto o trabalho de inteligência é importante para um líder de um país como o Brasil.

Somado a tudo isso me pergunto: por que o governo federal faz pouco caso com a diplomacia e inteligência brasileira? Será que o governo federal não percebe que a Nação só perde com isso? Chega de gafes internacionais e de insegurança instalada no Brasil. Chega de ser “anão”. Por sinal, só no governo atual que tal palavra ganhou tanto destaque para o Brasil. De “gigante pela própria natureza” para anão é um longo e triste caminho!

Me lembrei de Romeu Tuma Júnior e seu livro “Assassinato de Reputações – um crime de Estado”. Estão assassinando reputações das próprias instituições brasileiras. Funcionários públicos sérios estão a mercê de projetos de poder e sofrem do ostracismo público. Nós como brasileiros, enquanto Nação, não podemos deixar isto acontecer.

P.S.: Direto de Paris.

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Meus comentários (PRA):

    Acho que o artigo peca pela incomprensão de uma coisa muito simples: distinção entre o que corpo técnico dedicado à coleta e processamento de informações (ABIN, MRE) e ao uso dessas informações para negociações externas (MRE) pode fazer, de um lado, e de outro, o que faz, deixa de fazer, decide, ou não, o decisor último de como esses corpos profissionais vão, ou não trabalhar esse material, e atuar, ou não, em suas respectivas esferas de atuação.

    Dois exemplos, entre muitos:
1) a ABIN, tem agentes infiltrados no MST, que sabem que esse grupo planeja invadir fazendas ou algum órgão público, em tal data, em tal lugar. Ela repassa essas informações às instâncias apropriadas para que se faça alguma ação preventiva, pois, afinal de contas, se quer impedir destruição do patrimônio público, ou sua paralização momentânea. O que é feito depois disso?
    O que faz a ABIN, a ver que a ação que ela pretendia desarmar não foi obstada por falta de providências? Divulga isso pelos jornais?

2) o Itamaraty recebe ordens de negociar um acordo de cooperação econômica com Cuba, cujos padrões já chegam definidos em grande medida previamente. Ou ainda: a delegação na OEA recebe instruções para votar a favor da Venezuela, em tal ou qual questão, independente do mérito da resolução, do que se pretende, etc e tal; a instrução é muito clara: coordenar-se com a delegação venezuelana, e com tais e tais outras, para obstar, nos procedimentos, e votar contra, na substância, tal resolução apresentada pelos EUA e outros lacaios do império.
O que faz a delegação? Descumpre as instruções?

    A vida como ela é...
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Paulo Roberto de Almeida

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