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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Codex Diplomaticus Brasiliensis (3): Apresentacao - Paulo Roberto de Almeida

Hartford, Edição de Autor, 2 novembro 2014, 326 p. 

Livro digital, em edição de autor, composto de resenhas de livros de diplomatas, já publicadas no Prata da Casa
Disponível na plataforma Academia.edu:
Link:
https://www.academia.edu/9084111/24_Codex_Diplomaticus_Brasiliensis_livros_de_diplomatas_brasileiros_2014_

 
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Apresentação 

Codex Diplomaticus era o título em latim que muitas chancelarias de antiga tradição usavam para designar a sua coleção, ou códice, de atos internacionais: tratados solenes, acordos de cooperação, convenções setoriais ou simples memorandos de entendimentos, assinados com potências estrangeiras e, de modo geral, mais entre soberanos que trocavam embaixadas ad hoc, do que entre dois Estados nacionais. Esses grossos volumes, que na Idade Média tardia eram feitos em pergaminho, e muitos deles encadernados com madeira e couro, passaram também a conter, na era do papel, atos multilaterais assinados ao cabo de alguma conferência diplomática reunindo diversas dessas potências, geralmente na sequência de grandes conflitos militares, como foi o caso dos tratados de Westfália (1648). Foi a partir desse doloroso despertar da era moderna que se deu início ao costume de repertoriar os documentos que faziam parte dos tratados de aliança e de convivência entre Estados nacionais, quando o latim ainda era a língua por excelência das relações internacionais e consolidava, como tal, o registro dos atos mais importantes da política externa dos seus soberanos.
O Brasil, obviamente, não é parte original dessa tradição: não esteve na conferência que restabeleceu a paz europeia, depois da guerra de Trinta Anos, nem jamais usou o latim como sua língua diplomática. Na primeira grande conferência em que esteve representado – mas indiretamente, como Reino Unido, em Viena –, a língua usada já era o francês, que continuou muito em voga na diplomacia brasileira até depois do final da Segunda Guerra Mundial. Mas, à diferença do suporte dialetal e diplomático que presidiu ao final do último grande conflito militar da era napoleônica, a Primeira Guerra Mundial, e ao tratado de Versalhes, o inglês suplantou rapidamente o francês como a língua de trabalho e de referência das conferências multilaterais e dos grandes atos internacionais, provavelmente desde a primeira “declaração das nações unidas,” de 1942, ainda com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha unicamente. Nem se mencione o latim, que o próprio Vaticano pensa abandonar como língua oficial de seus documentos mais importantes; parece que nem nos seminários se estuda latim convenientemente.
  Pode parecer estranho, assim, alguém pretender apresentar um simulacro de Codex Diplomaticus Brasiliensis, que sequer é assemelhado a um repertório dos atos internacionais do país, que devem estar devidamente registrados na sua chancelaria diplomática. Não seja por isso: eu estava tentando achar um nome para esta minha segunda coleção especializada de resenhas de livros ligados às relações internacionais e à política externa do Brasil e como o nome me era simpático, e estava disponível, resolvi me apropriar dele, sem pedir licença a ninguém. Sem falsas analogias, portanto, segue aqui um dos derivativos do meu primeiro “códice” de leituras diplomáticas, que veio a lume com o título mais ou menos nobiliárquico de Prata da Casa. A despeito de ser enorme, esse livro ainda está disponível aos curiosos na plataforma Academia.edu, mas ele vem sendo esquartejado aos poucos em volumes mais modestos.
Separei, em primeiro lugar, a verdadeira “prata da casa”, que eram as centenas de mini-resenhas de livros de diplomatas que publiquei nos últimos dez anos no boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros, a ADB; ele já se encontra disponível na mesma plataforma (e vem sendo regularmente acessado, como posso constatar). Faço agora o mesmo com as resenhas mais longas dos livros escritos e publicados por colegas de carreira. Mas também pretendo fazer o mesmo com os de não diplomatas.
Comparecem, portanto, aqui mais de 40 autores identificados nominalmente, com a particularidade de que existem livros com mais de dois autores, mas também obras coletivas, com muitos autores, alguns deles diplomatas, São quase seis dezenas de livros, embora alguns títulos se repitam devido ao fato de terem sido objeto de novas edições, como é o caso de alguns do próprio autor desta coleção. Se ela é o equivalente de um Codex, ou códice, eu não sei, mas ela certamente comporta os mais importantes, ainda que não todos, os títulos produzidos dentro da carreira nas duas últimas décadas. Como se pode constatar, os diplomatas também escrevem e publicam, o que é um sinal de que a Casa não está fechada sobre si mesma, como muitos querem fazer acreditar.
Que os diplomatas escrevam, isso é um truísmo pleonástico, se me permitem a redundância. Entre telegramas e outros atos de ofício, os diplomatas passam a vida na palavra escrita, o que é complementado pela oralidade das conferências multilaterais e das muitas reuniões bilaterais ou regionais, sem mencionar os encontros informais, que constituem, provavelmente, o essencial da carreira: prepara-se tudo de antemão, se possível com entendimentos preliminares em torno de algum acordo geral ou setorial, e depois se passa à finalização, sob a forma de algum acordo ou tratado internacional. Tudo isso fazia – deve ainda fazer – objeto de notas detalhadas que vão parar nos arquivos da nossa diplomacia, embora eu mantenha fundadas suspeitas de que alguns episódios recentes não tenham recebido o mesmo tratamento meticuloso.
Mas eu não quero me referir aqui aos expedientes oficiais, geralmente redigidos num diplomatês insosso que nunca me agradou particularmente. Aliás, os poucos diplomatas que se distinguiram na vida pública do país, o fizeram como artistas ou intelectuais, não especificamente como diplomatas, e os que o fizeram possuíam uma escrita elegante e refinada, não necessariamente conforme aos cânones da diplomacia. Desafio qualquer um de meus colegas a me apontar um burocrata que tenha entrado para a história – do país ou mesmo de sua diplomacia – apenas porfiando o diplomatês que somos obrigados a usar na chancelaria: talvez o Visconde de Cabo Frio, mas ele não seria um candidato à Academia Brasileira de Letras, não é mesmo? Quem o fez, por exemplo, foram Oliveira Lima e o Barão do Rio Branco, nessa sequência, e não precisamente por seus escritos “diplomáticos”, e sim pela pesquisa histórica ou os artigos de atualidade internacional que produziram no contexto da atuação política do Brasil no cenário internacional. Todos os demais contemplados ao longo de mais de um século se distinguiram nas letras e no labor das diversas áreas das humanidades.
Mas, ainda que muitos não acreditem, diplomatas também escrevem coisas diferentes dos telegramas e ofícios de chancelaria, e isso merece registro e comentários. Pois foi exatamente essa virtude que me motivou a sempre buscar resenhar as obras de colegas contemporâneos – e alguns de tempos outros também – não apenas como mero registro burocrático, o que seria o dever e a obrigação de algum encarregado de códices de sua chancelaria, mas por simples empatia com essas obras, que me foram dadas conhecer através de uma leitura atenta, mas não por isso menos crítica. Não sou adepto do elogio hipócrita, nem dos adjetivos grandiloquentes: o que tenho a dizer, eu escrevo, tout simplement. Talvez seja por isso que algumas das minhas mini-resenhas ficaram naquele espaço que a própria Igreja extinguiu, e que antigamente se chamava limbo.
Estão aqui organizados, portanto, segundo uma estruturação temática mais conforme o caráter geral de cada obra, todos os livros que integravam a segunda parte do Prata da Casa, ou seja, as resenhas mais longas de livros de diplomatas. Ficaram ainda de fora todas as demais obras que também pertencem ao mesmo universo, ou seja, às relações internacionais, em geral, e à política externa do Brasil, em particular, mas que foram escritas por “paisanos”, ou autores não diplomatas, alguns até estrangeiros. A esses dedicarei um terceiro volume, provavelmente agregando à coleção alguns livros de caráter geral, mas que interessam à cultura diplomática em seu sentido amplo.
Como parece inevitável numa Casa que tem o seu “santo protetor”, o Barão comparece aqui diversas vezes e, como não poderia deixar de ser, na primeira parte da coletânea, voltada para o cenário histórico da diplomacia brasileira. Talvez seja uma deformação acadêmica desde resenhista, que sequer é historiador de formação, mas o fato é que quase a metade das obras resenhadas foram inseridas nessa categoria, embora muitas delas também o pudessem ser na de multilateralismo ou na de regionalismo. A decisão por dividir as resenhas nessas cinco grandes seções, me deixa na incômoda posição de exibir apenas duas humildes resenhas para obras puramente literárias, embora muitas outras tenham sido objeto de mini-resenhas no volume Polindo a Prata da Casa. Numa outra encarnação, quem sabe?, eu possa voltar como um grande leitor de novelas, romances e poesia, mas, nesta aqui, a deformação já parece incontornável: sou um incurável viciado em literatura especializada nas humanidades e nas ciências sociais aplicadas (e com incompetência manifesta em várias delas).
Como já disse em outra ocasião, artigos de resenhas, ou review-articles, ao estilo da New York Review of Books – e a maior parte dos textos aqui inseridos se enquadra nessa categoria –, têm mais a virtude de destacar mais as preferências e as inclinações intelectuais do próprio resenhista do que, talvez, o espírito da obra e as motivações de seus autores, mas não vejo nisso um problema maior na confecção e publicação destes textos de “bibliomania”. Afinal de contas, todos têm o direito de exibir, a qualquer título, suas afinidades eletivas e seus gostos pessoais em matéria de artes, culinária e intelecto. As minhas estão claramente expressas nas revisões críticas que elaborei a respeito das obras que busquei ler de forma atenta e anotada.
Desde já esclareço que estas resenhas não são, nem de longe, as de todas as obras de diplomatas que me chegaram às mãos e que integram a minha biblioteca. Como poderão constatar, poucas das obras que aqui comparecem foram publicadas pelo próprio Itamaraty, e as que o foram não fazem parte daquilo que se poderia chamar de “corveia diplomática”, ou seja, os trabalhos de final de curso, na etapa inicial do Rio Branco, ou naquela intermediária do Curso de Altos Estudos. Talvez apenas três ou quatro, dentre as quase 60 obras lidas e resenhadas, pertencem a essa categoria dos trabalhos “oficialmente encomendados”, mas as dessa vertente que eu escolhi resenhar se situavam, de certa forma, num outro terreno que não o do “longo memorando” interno à carreira, que geralmente são aqueles trabalhos que ficam marcados pela adesão à, e pelo conformismo com a doutrina do momento. Não que eu tenha qualquer hostilidade contra obras “de carreira” – tanto porque quase todas elas foram objeto de leitura e de uma mini-resenha de minha parte – mas é que elas não expressam, por assim dizer, aquela característica que é inerente ao artista ou ao  verdadeiro intelectual, que é a liberdade de pensamento.
Creio já ter dito que o Itamaraty é uma espécie de Vaticano da diplomacia, que tem a sua própria, por sinal uma das melhores do mundo; é que ele também cultiva esses valores essenciais ao seu funcionamento, que são a hierarquia, a disciplina e a adesão ao dogma do momento. Tudo isso combina mal com essa qualidade que eu tanto prezo, que é a capacidade de dizer o que se pensa, no mais puro exercício dessa faculdade humana que é o livre arbítrio, sem mestre, sem patrão, sem verdades reveladas. Nunca fui adepto do conformismo ambiente, e por isso mesmo preciso terminar e publicar o meu Dicionário dos Disparates Diplomáticos que pretende, à la Bouvard e Pécuchet, compilar as mais belas pérolas destes tempos não convencionais.
Enquanto ele não vem, permito-me oferecer aos curiosos, aos necessitados, aos que praticam o hábito saudável da leitura – sem contra indicações, a não ser a de despertar o ceticismo sadio em quem aprecia um mundo de certezas – esta coletânea de leituras já feitas, em torno de um pequeno universo que é tão diverso quanto o próprio, com a vantagem de não necessitar buscar em bibliotecas ou em sebos aquele livro de que se tinha ouvido falar mas não estava ao alcance da mão, ou da tela de e-reader ou de computador. Se eu reunisse todas as resenhas feitas ao longo de uma vida dedicada aos livros, construída por eles e na companhia desses singelos objetos de prazer intelectual, elas provavelmente ocupariam vários volumes, centenas de páginas e teriam aquele aspecto de gabinete de curiosidades que também caracteriza a busca incessante dos dois personagens de Flaubert.
Livros, pelo menos os impressos, apresentam esse incômodo de natureza material de ocuparem muito espaço e de demandarem certa organização, sob o risco de não encontrar algum específico, depois de certo tempo (o que já me levou, algumas vezes, a comprar duas vezes a mesma obra, ou ir buscar em bibliotecas o que eu já não mais encontrava no patrimônio privado), e de acabar descobrindo para sua surpresa que a biblioteca particular já se converteu num labirinto à la Borges, relido por Eco, ou num cemitério dos livros esquecidos, à la Carlos Ruiz Zafón. Depois das resenhas dos que estão aqui presentes, ainda penso reproduzir num volume adicional aqueles que integravam a Terceira Parte do Prata da Casa, com uma nova organização e, provavelmente, mais algumas adições.
Os leitores deste volume não precisam ser necessariamente os pesquisadores de temas da diplomacia brasileira ou jovens candidatos à carreira. Qualquer um que encontre prazer na leitura terá, nas páginas que se seguem, a curiosidade de consultar, ou até de comprar os próprios, pelo menos assim espero. Quanto aos diplomatas autores que ficaram “esquecidos” na minha seleção de leituras, apresento minhas humildes desculpas pela discriminação involuntária, que foi unicamente motivada por falta de oportunidade, ou, mais frequentemente, de tempo. Como também já disse em outras ocasiões, vou necessitar de mais ou menos 150 anos adicionais para conseguir ler os livros que me esperam em minha biblioteca, nas que frequento habitualmente, em todas as livrarias que percorro, e agora nas ofertas digitais que pululam todos os dias na minha tela ou se oferecem nos book-reviews que leio regularmente.
Na verdade, meu projeto secreto é o de ler e resenhar tudo o que de mais importante, na minha área, se publicou 150 anos para trás, aproximadamente, o que oferece, como se pode ver, um bom pedaço de história da cultura contemporânea, mas que seja intelectualmente relevante. Entre essas leituras, certamente aparecerão vários livros de colegas diplomatas, do Brasil atual e do passado, o que justificaria, talvez, o início de um outro projeto, um de “Leituras Diplomáticas”, se a nossa Casa fosse racional em suas loucuras. Mas isso é conversa para uma outra oportunidade. Por enquanto, fiquem com a meia centena de livros que se oferecem a todos os que aqui adentrarem.

Paulo Roberto de Almeida
(o mesmo bibliomaníaco incurável, sempre...)
Hartford, 2 de novembro de 2014

https://www.academia.edu/9084111/24_Codex_Diplomaticus_Brasiliensis_livros_de_diplomatas_brasileiros_2014_ 

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