O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Luis Cláudio Villafañe: A America do Sul no discurso diplomatico brasileiro (livro)

Uma tese, que eu já conhecia quando de sua apresentação no âmbito do Curso de Altos Estudos do Itamaraty, agora transformada em livro e publicada pela Funag, e que recomendo:

Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos:
A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro
(Brasíla: FUNAG, 2014; 248 p. – Coleção CAE; ISBN: 978-85-7631-525-4)




Disponível no site da Funag: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=589


Em A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos discute, com grande rigor analítico e solidez conceitual, a vertente sul-americana da identidade internacional do Brasil, um tema central da política externa brasileira do século XXI. A partir de uma densa discussão teórica, o autor resgata a história da ideia de América do Sul e discute sua ausência ou presença, e em que termos, no discurso diplomático brasileiro, desde o século XIX. Uma ênfase especial fica por conta da apropriação desse conceito nos governos dos Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Nas palavras do Embaixador Gelson Fonseca Jr., “a conclusão inevitável é a de que, hoje, conhecer a o obra de Luís Cláudio é fundamental para o estudioso da diplomacia brasileira”.

Sumário

Prefácio
Introdução.

1. Geografia e Identidade: América, América Latina, Terceiro Mundo, Ocidente ou América do Sul?
1.1 Identidades internacionais, identidades americanas  
1.2 Os conceitos e sua história
1.3 América Latina como contraconceito assimétrico

2. Identidades Cambiantes: uma revisão histórica
2.1 O Império brasileiro e o “outro” hispano­americano
2.2 A República e a opção pelo americanismo
2.3 O Barão, o ABC e a América do Sul
2.4 A Primeira Guerra Mundial e o alinhamento aos Estados Unidos
2.5 O Brasil e a Liga das Nações
2.6 A Era Vargas
2.7 Americanismo e Guerra Fria
2.8 A Operação Pan­Americana
2.9 A Política Externa Independente e a identidade internacional do Brasil
2.10 Governos Militares: dos círculos concêntricos ao pragmatismo responsável
2.11 A Nova República e a integração latino­americana.109

3. As Reuniões de Presidentes da América do Sul
3.1 Um novo cenário internacional
3.2 O Presidente Itamar Franco e a proposta de Alcsa
3.3 O Presidente Fernando Henrique Cardoso e o conceito de América do Sul
3.4 As Reuniões de Presidentes da América do Sul

4. Governo Luiz Inácio Lula da Silva e a Prioridade SulAmericana
4.1 Uma nova política externa
4.2 Identidade americana, latino­americana e sul­americana
4.3 Um balanço provisório ao fim dos dois primeiros anos do governo Lula
Conclusões
Referências 

APRESENTAÇÃO
GELSON FONSECA JÚNIOR

         Apesar de ter sido escrito em 2005 e com o objetivo específico de preencher um requisito para a promoção na carreira diplomática, o livro A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro, ganhou interesse e atualidade. O passar do tempo mostrou o acerto de Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos na escolha do tema que se tornou, como ele já vislumbrava, primeira prioridade na estratégia diplomática brasileira. O livro, ao mostrar as raízes de uma opção diplomática, permite compreendê-la melhor e ter instrumentos para avaliá-la. Os muitos méritos do livro e, portanto, as razões para lê-lo não surpreendem. Aliás, só confirmam, mais uma vez, o lugar de Luís Cláudio entre os mais rigorosos e criativos estudiosos da história da diplomacia brasileira.
         Para quem examina a obra de Luís Cláudio Villafañe, um dos traços que primeiro chama atenção é sua inteligência na escolha de seus “objetos de pesquisa”. Devemos a ele, em um dos seus primeiros trabalhos, a tese de mestrado, publicada em 2002, O Império e as Repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com o Chile, Bolívia, Peru e Equador e Colômbia (1822-1889), uma renovação dos estudos sobre a diplomacia brasileira no século XIX, quando “redescobre” uma área esquecida. De fato, a tradição historiográfica se centrava, naturalmente, no Prata, mas, ao mostrar o outro lado da presença latino-americana do Brasil, Luís Cláudio trouxe uma contribuição única e inédita para a reflexão sobre o Brasil no continente. O estudo da diplomacia brasileira no século XIX se completa com outro texto notável, O Brasil entre a América e a Europa, que lida, entre outros, com o tema da rejeição brasileira às tentativas, promovidas pelos vizinhos, de reuniões multilaterais, no plano regional. Para entender a posterior aceitação brasileira do multilateralismo, já sob a égide do pan-americanismo, o texto de Luís Cláudio é indispensável. Esses livros e textos articulam as sólidas bases para a reflexão de Villafañe sobre a diplomacia brasileira nas Américas.
         Em dois livros mais recentes, o mesmo sentido inovador se exprime com a madura reflexão que faz Luís Cláudio Villafañe para interpretar o papel da inserção internacional na configuração de uma identidade brasileira: O Dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil e O Evangelho do Barão. Não por acaso, Matias Spektor, sobre o último, disse, com razão, que o Evangelho “é um sopro de lucidez” e que corresponde, diante das biografias “tradicionais”, a um “corretivo necessário, põe em perspectiva o que houve de incoerente, inseguro e pretensioso na trajetória do Barão, sem reduzir a genialidade do homem e de seu projeto político”. Assim, ao lembrar esses textos, a conclusão inevitável é a de que, hoje, conhecer a obra de Luís Cláudio é fundamental para o estudioso da diplomacia brasileira.
         Neste livro, que agora apresento, os estudiosos em relações internacionais e, além deles, os que se interessam sobre a construção da identidade brasileira, têm muito a ganhar. A escolha do tema amplia e renova as formas tradicionais de pensar o Brasil nas Américas. Luís Cláudio Villafañe mostra, com clareza e competência, como se constrói um espaço de atuação diplomática. A geografia é um dado, fixo; assim, a questão é narrativa que dela se extrai. Neste sentido, mostra, como passo preliminar do seu estudo, como se desenvolve, no plano conceitual, a começar ainda no século XIX; a criação de uma determinada ideia de América Latina e como o conceito ganha autonomia. É notável a precisão e a concisão com que revê as origens e a formação do conceito: lembra Torres Caicedo, Sarmiento, Marti, Rodó, sublinha as diferenças entre as perspectivas autonomistas, que buscavam um espaço próprio para as nações latino-americanas, e as ocidentalistas, que incluíam a América Latina no espaço americano, com o referencial necessário dos Estados Unidos, lembrando que “dentro do espaço criado por elas, ocorreram os grandes debates sobre a construção de uma identidade latino-americana a partir da própria América Latina” (p. 40). Mostra que só se pode falar na consolidação do conceito de América Latina após a Segunda Guerra Mundial, em especial com a fundação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e indica que a consolidação define a América Latina como um “contraconceito assimétrico à leitura que os Estados Unidos fazem de sua própria sociedade”. Chegando ao presente, e voltando-se para o quadro das relações internacionais, mostra que a incorporação da América do Sul como eixo do discurso (e ação) da diplomacia brasileira nasce em parte como contraponto às propostas americanas de uma área de livre-comércio para o continente, a Alca. Aliás, as reuniões pan-americanas foram paradoxalmente uma plataforma para que a América Latina identificasse interesses próprios, como a própria defesa da norma da não intervenção, que, ao longo de “nossa história diplomática, a referência à nossa condição de nação americana e suas variações (latino-americana, sul-americana) sempre foi um dos elementos centrais da identidade internacional” do país, são circunstâncias históricas que explicam o resgate do conceito e a busca de meios para operacionalizá-lo.
         Como diz, em sua esclarecedora introdução teórica, “As identidades, em qualquer nível, são contingentes e históricas – produzidas por um sistema de relações sociais e não de condições naturais (biológicas, geográficas ou de qualquer outra natureza). As identidades (sejam elas pessoais, de grupos ou de nações) são construídas dentro desse espaço de relações e diferenças, sendo sua definição o resultado de um jogo entre as distintas identidades que configuram um determinado sistema social. Seus conteúdos e suas funções sociais têm um caráter essencialmente histórico, o que nos remete à tarefa de estudá-las desde uma perspectiva mais abrangente” (p. 48). Os fundamentos teóricos do trabalho de Luís Cláudio vão naturalmente além disto. Aliás, merecem uma leitura atenta as observações que faz sobre os modos de construção conceitual dos discriminados, dos que não têm poder, dos que estão, no caso da diplomacia, à margem das relações de poder. Na realidade, o livro é impecável metodologicamente. O objeto está bem delimitado, o discurso diplomático, as fontes, primárias e secundárias, são utilizadas com habilidade e sempre de forma a revelar e enriquecer o objeto.
         Assim, a vizinhança sul-americana é a circunstância necessária da atuação do Brasil. Mas, é o interesse político que cria a “identidade sul-americana” e consequentemente define o espaço para a atuação diplomática “positiva”. A diferença de perspectivas entre a atitude do Império de distância dos vizinhos, marcada por contrapontos, e a da República é notável e movida, afinal, por fatores políticos, especialmente nos momentos iniciais da República, e, depois, paulatinamente, por objetivos mais complexos, especialmente de ordem econômica. Na primeira reunião de Presidentes sul-americanos, em 2000, convocada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, a dimensão de integração física era nítida e ampliava o percurso iniciado com o Mercosul.
         Vale notar, ainda, se viermos para os tempos recentes, a partir da aceitação da América do Sul como espaço privilegiado de atuação, as formas de atuar podem ser substancialmente diferentes, como Luís Cláudio Villafañe mostra quando compara a diplomacia dos Presidentes Fernando Henrique e Lula.
         História conceitual corre ao lado da história diplomática, não a explica totalmente, mas é indispensável para entender as opções, alternativas e variantes dos atores, a começar pelos presidentes e chanceleres. Como o autor diz com razão, “A identidade internacional do Brasil, ainda que tenha fortes elementos de permanência, está continuamente sendo reconstruída e reinventada” (p. 179). Assim, ao leitor, se revela, com clareza, a maneira como surge, se desenvolve a ideia de América do Sul e as possibilidades de seu emprego político. Circunstâncias modelam a criação da ideia que, uma vez introduzida no discurso diplomático, passa a ser uma circunstância que passa a delimitar a própria atividade diplomática. Se somos sul-americanos, a que nos obriga essa condição? O que nos beneficia? Luís Cláudio Villafañe não responde a essas perguntas, que exigiriam ir além do que se propôs, mas, com a clara base em que formula a identidade sul-americana, as respostas ganham um apoio consistente.
         O trabalho de Luís Cláudio Villafañe traz interpretação, sempre criativa e segura, das fontes, virtude essencial para a consistência do estudo historiográfico. Chama atenção a maneira como recupera e revê fontes conhecidas. Os relatórios anuais da Secretaria de Negócios Estrangeiros e, depois, do Ministério das Relações Exteriores, sempre constituíram uma base necessária para quem estuda a diplomacia brasileira. Mas, Luís Cláudio Villafañe retoma os relatórios do século XIX e, depois de uma leitura minuciosa, encontra formulações claras e reveladoras sobre a atitude distante em relação aos vizinhos, o que constituía uma barreira difícil de transpor para incorporar a América Latina ou a América no espaço de formulação diplomática brasileira. Na mesma linha, retoma os discursos do Brasil nas Nações Unidas, na importante coleção organizada e comentada por Luiz Felipe de Seixas Corrêa. As fontes são conhecidas, quase familiares, mas a forma como interpreta o seu alcance e, sobretudo, as relaciona, tornam em novidade o conhecido. São valiosas também as entrevistas que faz o autor com diplomatas, como o Embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares e com o Embaixador Eduardo Santos.
         Outra qualidade do livro é constituir-se em texto íntegro. As partes, da teoria à interpretação dos desdobramentos do conceito de América do Sul, encaixam-se com perfeita coerência interna. Cada capítulo enriquece o anterior. Ainda assim, creio que, em alguns momentos, a abordagem mostra-se especialmente útil e valiosa para interpretar momentos da história diplomática. Assim se revela a análise das posições brasileiras diante da revolução cubana. Como lidar com a atitude norte-americana, e de alguns outros vizinhos, que defendiam que a “identidade continental americana” teria, como pilar o anticomunismo? (p. 100). Se aceitamos que a opção marxista-comunista de Fidel era incompatível, nas palavras de San Tiago Dantas, então Chanceler, com os “princípios democráticos, em que se baseia o sistema interamericano” (p. 102), uma segunda dimensão da condição americana repudiava formas de intervenção e de sanção para corrigir a incompatibilidade e, por isto, votamos contra a suspensão do regime na Reunião de Consulta, convocada para Punta del Este em 1962. De uma certa forma, a atitude brasileira, proclamando o princípio da não intervenção ecoava a longa história de defesa daquele princípio no âmbito do sistema interamericano, só aceito pelos americanos em 1933, depois de várias tentativas que começam praticamente com a inauguração das reuniões dos Estados Americanos. Lembre-se que o Brasil que, a princípio esteve perto dos EUA, transforma depois a não intervenção em um dos pilares de sua atitude diplomática. Porém, como sabemos, com o movimento de 1964, a política externa reforça o eixo ocidentalista, de que o anticomunismo é peça fundamental, e as relações com Cuba são cortadas.
         Há ainda dois aspectos do livro que chamam a atenção. O primeiro é a análise que faz do movimento que leva à adoção da América do Sul no repertório da diplomacia brasileira nos governos Fernando Henrique e Lula. Depois de lembrar a noção de Lafer de que a América do Sul corresponde a uma “força profunda de longa duração que vem norteando a ação diplomática brasileira” (p. 142), revê, com pertinência, o lançamento das reuniões de Presidentes sul-americanos, acompanha o seu desenvolvimento, e procura mostrar o reforço da ênfase sul-americana nos dois primeiros anos do mandato de Lula. O segundo aspecto que merece leitura cuidadosa são as conclusões. Luís Cláudio Villafañe não faz propostas de policies, mas, dentro do marco conceitual que discute, levanta questões absolutamente necessárias e que, ainda hoje, estão abertas. Uma das primeiras é mostrar que o conceito de América do Sul ainda está em construção e, pela abrangência do que propõe, enfrenta desafios maiores do que o de América Latina que tinha a vantagem de uma longa história e, a rigor, se fundar em “uma noção de similaridade antes de tudo cultural” (p. 189). Menciona a necessidade de superar os “muitos dos mitos de origem da nacionalidade de cada um dos países sul-americanos (que) incluem a ideia de usurpações e agravos históricos, reais ou imaginários, por parte de seus vizinhos”. E, sobriamente, acrescenta, “A superação desses mitos e ressentimentos é perfeitamente possível – como demonstra a integração europeia –, mas, representa um salto em direção ao futuro, que exigirá liderança, internamente em cada um dos doze países, e uma ação diplomática e firme” (p. 190).
         Para isto, lembra Luís Cláudio Villafañe a importância das trocas culturais, do aprofundamento dos estudos da história regional, que sustentariam, no longo prazo, as formas de aproximação política e econômica. Luís Cláudio lembra também que, “ao afirmar a vertente sul-americana da identidade brasileira não se está excluindo completamente as dimensões latino-americanas e continental” (p. 190). Os avanços institucionais da “comunidade sul-americana” são evidentes, com a criação da Unasul.
         Porém, mais América do Sul significa maior capacidade de vinculação com a América Latina e com os Estados Unidos e Canadá? Ou menos? E, voltamos aqui, a ligar a história do conceito aos desafios das melhores opções diplomáticas. Que regionalismo queremos? A América do Sul está incorporada ao discurso e é parcela fundamental da ação diplomática. Mas, qual o limite do discurso? Incorpora um projeto? É agregador dos vizinhos? É plataforma para uma abertura para o mundo? Luís Cláudio Villafañe não pretende oferecer respostas, mas, se não refletirmos, como sociedade, sobre as indagações que faz, as respostas diplomáticas correm o risco de serem incompletas.
Gelson Fonseca Jr.

Livro disponível no site da Funag:  
http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=589

http://funag.gov.br/loja/download/1099-a-america-do-sul-no-discurso-dimplomatico-brasileiro.pdf

=========
Complemento:
Um artigo de atualidade:

DOMINGUES, R.. Uma Potência Regional em Construção? O Brasil na América do Sul durante os anos Lula (2003 - 2010). Revista Política Hoje, América do Norte, 22, nov. 2014. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/politicahoje/index.php/politica/article/view/274/154. Acesso em: 24 Nov. 2014.

Nenhum comentário: