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domingo, 16 de novembro de 2014

Petrobras: quem e' o corruptor, as empresas ou os politicos?


Extorsão ou suborno? Quem é o ator?

Jorge Hori, 16/11/2014

Com a prisão de diversos executivos das construtoras que operam com a Petrobras, alardeada pela mídia como a prisão dos corruptores, pode-se esperar que a principal linha de defesa daqueles seja de se considerarem vítimas de extorsão.

Não seriam eles os autores ou iniciadores dos processos porém vítimas de extorsão por parte dos dirigentes da Petrobras para poderem trabalhar para ela. O papel ativo seria desses dirigentes que cobrariam uma comissão, uma propina sem a qual não seriam chamadas para participar das licitações e serem contratadas.

Mesmo deixando de lado, de momento, a eventual manipulação das licitações ou a formação de um cartel o fato real é que os contratos foram superfaturados, pagos pela empresa com o valor maior. A principal vítima teria sido a Petrobras e seus acionistas. E a operação configuraria um crime, uma apropriação indébita, ou em palavras simples, um furto, uma "roubalheira". Sendo a Petrobras uma estatal, e sempre defendida pela esquerda como patrimônio nacional, a sociedade toda e não apenas os acionistas sentem-se roubados. E exigem punição exemplar.

O fato do fornecedor não ter se apropriado desse adicional, tendo repassado inteiramente o valor para o dirigente ou o preposto deste não o exclui da participação do crime. Esse fornecedor ou contratado recebeu  um valor a mais e detectado o fato, deve ressarcir à empresa. Não importa se repassou para um dirigente. Poderia entrar com uma ação de ressarcimento por extorsão. 

Mas há uma diferença ética entre ser corruptor ou subornante e ser extorquido. De quem é a iniciativa? A empresa é a parte ativa ou passiva da lide? Popularmente isso pode dar margem a interpretações jocosas. Juridicamente fará muita diferença. Mas dependerá da interpretação dos magistrados. Dai os empresários contratarem os melhores e mais caros advogados. E muitos escaparão.

A sociedade se rejubilou com a prisão dos empresários. Na versão das polícia e justiça federais seria a prisão dos corruptores: os agentes do processo de corrupção. Os arautos já anunciam o fato como o dia histórico, um dia republicano, e o Brasil passado a limpo. O Brasil já foi passado a limpo várias vezes e voltou a ficar sujo. A capacidade de resiliência é alta, para o bem e para o mal.

Sem qualquer dúvida o dia é relevante e será um divisor de água. Mas o que acontecerá com o Brasil "passado a limpo"?

A Petrobras é a maior empresa brasileira, responsável pelo suprimento dos combustíveis que movimenta toda a frota de veículos, que - no momento - assegura a continuidade no fornecimento de energia elétrica e insumo de uma enorme diversidade de produtos consumidos pela população: os plásticos.

Os diretores diretamente envolvidos, um preso anteriormente e outro preso na operação de ontem, são da administração anterior, já não estavam no cargo e, portanto, não afetam diretamente a continuidade das atividades atuais da empresa nos seus respectivos setores. 

O problema contemporâneo da Petrobras é que a administração subsequente dos malfeitores já exonerados, não apurou devidamente os malfeitos e até procurou amenizar ou esconder, supostamente na defesa da empresa. Só que os seus acionistas privados não pensam assim.

O reflexo contemporâneo objetivo é que o auditor contratado pela empresa para dar credibilidade às suas contas, recusa-se a validá-las sem o conhecimento pleno dos resultados das investigações internas. O auditor não pode exigir as investigações externas, mas tem obrigação de verificar todos registros das operações internas. Para se livrar das responsabilidades o usual é fazer ressalvas às contas e às demonstrações contábeis divulgadas. As ressalvas podem ter um efeito danoso ao valor das ações e da empresa como um todo.

A  responsabilidade econômica do auditor é enorme e desproporcional. Ainda que restrita às contas e eventuais fraudes contábeis. O seu papel não é policial. Mas ela tem que atestar que os processos de licitação, contratação e pagamentos foram feitos segundo os procedimentos regulamentares, sem evidências de fraude. E tem que atestar que os pagamentos foram lícitos e estão devidamente contabilizados e documentados. 

Porque se ela deixar passar alguma fraude contábil que escondeu desvio de recursos que, prejudicam os seus resultados e, consequentemente, os seus acionistas, está sujeito a penalidades que podem levar à sua falência. Isso ocorreu nos EUA com o caso da Enron e a auditora, então a maior delas, a Arthur Andersen foi obrigada a fechar as portas e alguns dos seus dirigentes condenados. A Price Waterhouse, que agora incorpora também a Coopers não quer ter o mesmo destino inglório.

Essas circunstâncias fazem com que as tentativas nacionais de abafar os malfeitos sejam infrutíferas. A Petrobras é uma empresa globalizada, uma multinacional de origem brasileira, com acionistas em diversos países e as exigências externas impedirão que a sujeira seja colocada debaixo do tapete.

Não é de se esperar que emerjam fraudes contábeis. Um "malfeito" bem feito não deixa rastros contábeis dentro da empresa. Os registros contábeis são sempre cuidadosos, embora sempre possa escapar um problema menor. Mas são esses o fio da meada, um fio solto. Os dinheiros saem legalmente e devidamente contabilizados. A partir dai podem entrar em desvios e, na sequencia, pela lavanderia. Não fazem parte da contabilidade da empresa.

Enfim, a produção da Petrobras não vai parar. Mas ela vai enfrentar alguma dificuldade financeira. Terá dificuldades em renovar os contratos de financiamento. Poderá fazê-lo com custos mais elevados. Mas a vida continua, inclusive dentro da Petrobras. Apesar da gravidade o risco da Petrobras "quebrar" é remoto. 

O problema maior a curto prazo para ela e para o país será a paralisação ou arrefecimento das obras em andamento. As principais por estarem a cargo das construtoras diretamente envolvidas na operação Lava Jato e terem seus dirigentes presos.

As demais porque já sofrem e sofrerão atrasos de pagamentos. Sem o devido fôlego financeiro irão parar as obras e demitir os empregados. Dado o volume afetarão significativamente os índices de emprego e desemprego. Com agravamento imediato dos problemas sociais e da violência urbana.

Mais à frente as obras serão retomadas, os empregos restabelecidos, voltando-se à normalidade. A dificuldade maior é sobre quando isso irá ocorrer. Dependerá da ação do Governo Dilma, que tem vários dilemas a resolver no caso.

Por outro lado cabe refletir sobre o que irá acontecer com o setor da construção pesada que tem na Petrobras um dos seus principais clientes. 

Do ponto de vista estrutural a história do capitalismo demonstra uma enorme resiliência. O setor não vai acabar. Mas haverá uma grande mudança entre os protagonistas ou os atores. 

Algumas empresas vão quebrar. Outras vão sobreviver, mas vão sair do mercado. Darão lugar a terceiros. Dirigentes vão ser presos e serão substituídos por outros. 

No Brasil a prisão de empresários é novidade e o tamanho da operação é inusitado. Nos EUA e em outros países desenvolvidos não é novidade. Mas nem por isso eles deixaram de funcionar. Com a abertura das vagas outros sempre preenchem.

O Brasil vai passar por essa etapa, dolorida para os que perdem e comemorada pelos sucessores. A transição será penosa e pode ser demorada.

Dois efeitos importantes desse processo deverão ser considerados. O primeiro é o efeito político com dois cenários básicos: Dilma não conseguirá escapar do seu envolvimento nos processos, gerando uma crise institucional, que pode chegar aos extremos. Dilma, para escapar do seu envolvimento direto - porque não foi efetivamente protagonista, mas teria sido usada  (o que muito a incomoda pessoalmente) - faria uma barreira em torno de si o que deixaria toda a lama para o seu antecessor, embora fizesse parte relevante daquele governo, especificamente no campo da Petrobras. Isso gerará uma crise partidária e política, mas não institucional. Afetará profundamente as eleições de 2018.

Porém o efeito mais importante para o país será a consequência institucional-legal com a legislação anti-corrupção. 

Nos países onde ocorreram as crises ou quase crises, uma das principais consequências foram as leis de punição das suas empresas que subornassem funcionários públicos de terceiros países para conseguirem contratos. E por essas leis não interessava se a empresa estava sendo extorquida ou estivesse subornando. O fato real seria o pagamento da propina.

A emergência dos casos no Brasil são consequência dessa leis. O caso do cartel dos equipamentos elétricos pesados para o fornecimento aos metros e ferrovias urbanas decorre de acordos de leniência das multinacionais nos seus países de origem. O caso da empresa holandesa de locação da plataformas de petróleo, é fruto de acordo dela com as autoridades do seu país. Não é por acaso que o primeiro caso de leniência, no "petrolão" foi feito por uma empresa japonesa. 

As empresas e empresários genuinamente nacionais continuaram acreditando na impunidade e estão sendo humilhados com prisões e vilipendio pela mídia. Alguns vão apelar para os acordos de leniência, pagar as multas e devolver valores. 

A lei anticorrupção já existe, copiada da lei norte-americana. Com defeitos. E o Governo Dilma "engavetou" e não regulamentou.

Não pegou. Vai pegar. De início como está, porque o ambiente não permite grandes revisões. Fornecer para o Estado passará a ser um negócio de alto risco. 

Durante uma transição, que poderá ser longa, o Estado não poderá contar com muitos fornecedores, a menos de aventureiros que sempre surgem para aproveitar os espaços abertos.

Apesar das crises e das distorções, o jogo para trabalhar para o Estado será outro. O mais importante será a redução (porque a eliminação total é improvável) das propinas, seja por suborno, como por extorsão. Haverá sempre os que querem correr o risco. 

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