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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O livro em papel estaria condenado? -Janer Cristaldo (2011)

Blog do Janer Cristaldo, quarta-feira, agosto 24, 2011

DIAS CONTADOS PARA O LIVRO EM PAPEL

Carreguei muito livro em minha vida. E livros pesam. Quando voltei da Suécia, trouxe uma boa centena de quilos de literatura. Quando fui fazer doutorado em Paris, levei dezenas de quilos de bibliografia e, ao voltar, despachei pelos correios umas três centenas. O mesmo aconteceu comigo em Madri. 
A propósito, sou o feliz proprietário de um Diccionario Literário Bompiani. É obra hoje esgotada, a editora que o publicou na Espanha foi à falência. São quinze pesados volumes, com belíssima iconografia. Três tomos são dedicados a autores, um outro a personagens e dez a obras literárias. Um outro constitui o índice. É a glória de minha biblioteca. Encontrei-o em Buenos Aires, na casa da filha de Roberto Arlt, escritor de quem traduzi Os Sete Loucos. Apaixonei-me pela enciclopédia e fiz de sua busca um dos objetivos de minha vida. 
Procurei-a em Madri e Barcelona. Estava esgotada. Perguntei a um livreiro quanto custaria, se existisse. Não tem mais preço, respondeu-me. Se pedirem mil, dois mil dólares, nada de surpreender. Continuei minha busca, mais por teimosia que por desejo. Em Barcelona, na calle Aribau, no quarteirão universitário, perguntei a uma velhota em um antiquário: 
- A senhora tem a Bompiani? 
- Está ali – me respondeu – apontando para o alto. 
Senti um frio na espinha. Depois de tanto procurar, não podia voltar atrás. Seriam pelo menos mil dólares a menos em minha viagem. Com medo, perguntei: 
- E quanto custa? 
- 150 dólares – me respondeu a velhota. 
Mandei baixar. Suponho que aquela senhora fosse viúva do antiquário e desconhecesse o real valor da obra. A enciclopédia pesava cerca de trinta quilos. Levei-a no braço para o hotel e trouxe-a no braço no avião. Cheguei a ter pesadelos nos quais a extraviava. Hoje, ela repousa solene em minhas estantes.
Houve época em que namorei uma Espasa-Calpe. Aí a aposta é maior. São 72 volumes, exigem uma estante especial. Deixa pra lá. Nos anos 90, quando chegava a São Paulo, uma vendedora ofereceu-me uma Britânica. Seriam uns trinta volumes e custava algo em torno a cinco mil dólares. Recém estavam surgindo os CD-Roms. Perguntei à moça se não teria uma edição em CD-Rom. Ela nem sabia do que se tratava. A Britânica relutou muito em desistir do papel, mas acabou aderindo às novas tecnologias. Mesmo assim, muito cara. Custava mil dólares. 
Não sou de comprar produtos piratas, mas besoin oblige. Desaforo cobrar mil dólares por uma obra cuja reprodução custa centavos. Fui na Santa Ifigênia e comprei uma na calçada. Por “dez real”. Em vez de trinta volumes, três disquinhos. Os tempos mudaram. 
A respeito de recente crônica sobre a indústria livreira, me escreve uma leitora: “Para mim, ao menos, o livro de papel jamais será substituído. Se ganhasse um Kindle, o venderia no ato”. 
Devagar nas pedras, leitora. Ainda não comprei um Kindle, mas mais dia menos dia chego lá. Para começar, tenho dezenas de livros em meu computador. O ebook tem uma vantagem imbatível sobre o livro em papel, o search. Se quero uma palavra na Bíblia, por exemplo, a encontro em segundos. O que é inviável no livro-papel. Tenho todo o Renan em papel. Mas se preciso fazer uma pesquisa, procuro uma edição eletrônica. 
Isso sem falar no conforto do cut & paste. Se preciso fazer uma citação mais longa, não preciso digitar. Todo jornalista detesta digitar. Para isso existem nos jornais os digitadores. Hoje, se fosse fazer uma viagem prolongada, eu me muniria imediatamende de um Kindle. É a única maneira de carregar a biblioteca no bolso. Além do mais, é aparelho muito útil em pequenas cidades do interior, onde já não existem livrarias. 
Digamos que você viva em Dom Pedrito e, subitamente, à noite, sente o desejo irrefreável de ler O Banquete. Ora, em Dom Pedrito você não vai encontrar Platão, nem de dia nem de noite. Mas, se tiver um computador, poderá baixá-lo na hora e sem pagar um vintém. A distância entre seu desejo de ler Platão e a leitura de Platão é de apenas alguns segundos. 
O livro em papel – perdoem-me os saudosistas – está condenado. Sei, há quem goste do cheiro do papel, eu também gosto. Devo ter umas duas toneladas de papel em minhas estantes. Tenho centenas de quilos de literatura que pouco ou nada vale. É a literatura brasileira que comprei para lecionar literatura. Meu apego a livros é tal que não sei o que fazer com esse lixo. Queimar, não consigo. Doá-lo, muito menos. Não vou dar a alguém literatura que não presta. Ficam então entulhando minhas paredes. Passo então a jogá-los para o alto das estantes. Livro é como funcionário público. Quanto mais alto, mais inútil. 
Não há mais sentido em gastar milhões em papel, composição, encadernação, transporte, depósito, espaço em livrarias, quando se pode ter um livro em segundos no computador. Sempre há resistência a uma nova tecnologia. Quando Gutenberg inventou sua prensa, a grita dos copistas foi geral. Hoje, quem chora são os editores de livro-papel. 
Que chorem à vontade. Seus dias estão contados. 

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