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domingo, 10 de maio de 2015

Ah, como era duro chegar na minha legacao: memorias diplomaticas - CHDD


Ah, como era duro chegar no meu primeiro posto...

Desde quando comecei a pesquisar nos arquivos históricos do Itamaraty, tendo antes começado pelos velhos e excelentes relatórios dos Negócios Estrangeiros do Império, costumava ler, e anotar, com enorme prazer trechos desses despachos e ofícios de que se valia a nossa chancelaria para manter um serviço diplomático de alta qualidade, a despeito dos meios exíguos com que sempre contou em toda a sua história. Atualmente, quase não precisamos mais buscar nos maços matérias para esse tipo de reflexão: elas chegam até nós, literalmente, graças ao trabalho dedicado do Arquivo Histórico e Diplomático, ou  mais exatamente do Centro de História e Documentação Diplomática, que vem editando material de alta qualidade e divulgando esse material editado nos Cadernos, regularmente publicados.
Vejam, por exemplo, este despacho de instruções ao encarregado de negócios em uma primeira missão brasileira numa das repúblicas americanas, durante o período regencial:

O regente em nome do Imperador, confiando no seu zelo, dignou-se nomeá-lo encarregado de negócios do Brasil junto a esse governo, como verá da competente carta de crença e da de chancelaria, que o regente escreve ao presidente daquela república.
 O governo brasileiro deseja conservar perfeitas relações de amizade com os Estados conterrâneos e é para as estreitar ainda mais que há nomeado agentes diplomáticos que neles residam. Cumprirá, pois, que, apenas V.Mce. chegar à capital e depois de ter feito a entrega das cartas sobreditas, procure por todos os meios adequados de capacitar esse governo das puras intenções dos brasileiros, fazendo desvanecer quaisquer impressões sinistras – que ocorrências imprevistas ou calúnias de mal intencionados tenham, por acaso, originado – e pedindo-me logo informações quando fatos sobrevenham, de que não tenha conhecimento.
Convirá, indispensavelmente, que V.Mce., por todos os meios, indague dos sucessos políticos que possam, direta ou indiretamente, interessar o Brasil e que hajam lugar em qualquer das repúblicas americanas... Na correspondência com esta Secretaria de Estado, me participará tudo circunstanciadamente e, bem assim, aos nossos agentes [nas demais presidentes...]
O Governo Imperial está informado do grande consumo que esse Estado já faz dos nossos gêneros coloniais e este ramo de comércio – que convém ser animado por V.Me., quanto estiver a seu alcance – há toda probabilidade que, para o futuro, se torne mui considerável, porque nenhuma nação que os possui está em circunstâncias de os fornecer a [esse país], com mais brevidade e por preço mais cômodo [do que o Brasil]. Estas razões não podem ser desconhecidas naquele país e, por isso, é de toda a probabilidade que o governo proponha a V.Mce. a confecção de um tratado de comércio, a que o Governo Imperial se não oporá... Não deverá, porém, V.Mce. tomar a iniciativa de semelhante negociação; mas a acolherá, quando lhe seja feita, sem repugnância, referindo-se ao Governo Imperial para pedir instruções, insinuando logo que, achando-nos ligados a ajustes com algumas nações europeias, os quais devem durar até o ano de 1842 – os de mais longo prazo –, não poderão conceder-se [a esse país] favores especiais antes daquela época, porque as outras nações os gozariam, seja qual for a posição especial em que nos achemos para com as nações americanas e o interesse comercial que disso derivasse. (...)
E como por esta repartição se oficiará seguidamente a V.Me., em tempo adequado se lhe marcará o que convier acrescentar a estas instruções, e a concluirei asseverando a V.Me. que espero ter muitas ocasiões de poder louvar os seus bons serviços e que, pela cópia do decreto respectivo, vai V.Me vencendo o ordenado anual de 2:400$000 réis.

Paço, em 22 de julho de 1836
Antonio Paulino Limpo de Abreu,
Ministro dos Negócios Estrangeiros
 (AHI 317/04/11; in: Cadernos do CHDD, 13/24, 2014, p. 17-19)

Dois contos e quatrocentos mil réis, foi quanto recebeu o encarregado de negócios, junto com as instruções para trasladar-se a uma das repúblicas americanas, nos primórdios dos nossos serviços na região. Parece que a quantia lhe pareceu pouca, pois ele escreveu logo em seguida ao ministro para dizer-lhe que:

Nomeado pelo governo de S.M.I. encarregado de negócios... tendo de me retirar para o lugar de meu destino e fazer prolongada viagem por terra (extensão de quatrocentas léguas para mais) com todas as dificuldades de péssimas estradas, em que se não acha nem mesmo o necessário para as primeiras exigências da vida; tendo de levar em minha companhia minha esposa e meus três filhos em tenra idade, obrigado portanto a carregar comigo tudo quanto me for preciso mesmo os mais pequenos arranjos; tenho reconhecido que nem que empregue a maior economia, é de absoluta impossibilidade dar conta dessa viagem com a exígua ajuda de custo que se me concede; atendendo ainda a mesquinhez do ordenado que vou perceber. Por esses motivos venho perante V.Exa. pedir que se digne aumentar-me essa ajuda de custo, elevando-a à quantia [de] dois contos e quatrocentos mil réis, sem a qual não se pode efetuar tão longínqua viagem.
(Ofício, 26/07/1836; AHI 230/03/15; in: Cadernos do CHDD, 13/24, 2014, p. 20)

Aparentemente, ele recebeu o que pedia, pois seguiu sua longa viagem em direção ao seu destino. Não precisou fazer greve...

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 10 de maio de 2015.

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