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domingo, 28 de junho de 2015

Mais corrupcao companheira e o desespero dos pilantras do lulo-petismo - Revista Epoca

A ruína da Era Lula
Acossado pelas investigações da Lava Jato e cada vez mais impopular, o ex-presidente parte para o ataque - e expõe o ocaso do modo petista de fazer política
Flávia Tavares, Leandro Loyola e Diego Escosteguy
Revista Época, 27/06/2015

Num encontro recente com os principais chefes do PMDB, o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva, novo líder da oposição ao governo petista de Dilma Rousseff, comparou a presidente a uma adolescente mimada. Na analogia, Lula se apresenta no papel de pai preocupado. O petista, como é de seu hábito, sempre aparece nesse tipo de metáfora como figura sensata, arguta, sábia. Desempenha a função do pai - do bom pai. "Ela (Dilma) faz bobagem, você senta para conversar e dizer por que aquilo foi errado. Ela concorda, claro" disse Lula. Mas não demora, logo no dia seguinte, ela vem e faz tudo de novo. Te chamam na delegacia para buscar a filha pelo mesmo motivo." Todos eram homens, e riram. A culpa pelas desgraças do país não é da Geni. É de Dilma.

A historinha de Lula, compartilhada num momento de intimidade política, revela quanto Lula tem, de fato, de argúcia - e quanto Dilma tem de impopularidade. Conforme a aprovação da presidente aproxima-se do chão (10%), como mostrou o Datafolha na semana passada, mais à vontade ficam os políticos para fazer troça da petista. Até ministros próximos de Dilma, que conseguem trabalhar há anos com ela, apesar das broncas mal-educadas que recebem cotidianamente, não escondem mais o desapreço pela presidente. "A Dilma conseguiu implodir as relações com os movimentos sociais, com o Congresso e com o PIB", diz um desses ministros, que é do PT. "O segundo governo acabou antes de começar. Estamos administrando o fracasso e os problemas do primeiro mandato. Resta apenas o ajuste fiscal para o país não quebrar" Ninguém discorda que Dilma é uma presidente estranha. Num momento de crise profunda no país que ela governa, só aparece em público para pedalar pelas ruas de Brasília. Os políticos mais antigos lembram-se das corridas matinais de Collor nas proximidades da Casa da Dinda, quando o governo dele desmoronava. Transmite o mesmo tipo de alienação. Na semana passada, num discurso que entrará para os arquivos da Presidência da República, Dilma "saudou a mandioca, uma das maiores conquistas do Brasil". Estava no lançamento dos Jogos Indígenas. Falou de improviso. Inventou expressões como "mulheres sapiens" e pôs-se a elogiar a bola usada pelos índios. "É uma bola que eu acho um exemplo, é extremamente leve. Já testei e ela quica", disse Dilma. Um ministro que presenciou o discurso não acreditou no que via/"Dava vontade de sair correndo e tirar o microfone dela", diz ele, ainda rindo da cena.

O esporte do momento em Brasília, como fez Lula, é ridicularizar Dilma. Mas será ela a verdadeira responsável pela crise que acomete o Brasil em 2015? Ninguém discorda de que a presidente tem responsabilidade - e muita - pela crise econômica (leia a reportagem na página 46). Mas os fatos políticos dos últimos meses, e em especial das últimas semanas, demonstram que a crise prolongada — política, social, criminal e econômica -é sintoma da ruína de uma era, uma era definida não por Dilma, mas por quem a concebeu politicamente: Lula, o pai. Trata-se de uma era em que o PT exerceu o poder por meio do fisiologismo do mensalão e do petrolão, abandonando, a partir do governo Dilma, a razoabilidade econômica e a conciliação política.

O fim da era Lula se determina pelo avanço das investigações da Lava Jato, que chegam cada vez mais perto do ex-presidente, e pela defesa amalucada, pelo PT, de empreiteiros do petrolão, com aplausos até para um tesoureiro preso. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, seja no petrolão, seja no esquema do governador de Minas, o petista Fernando Pimentel, revelam que não há mais espaço fácil para a corrupção sem freios da era Lula. O desastre nas contas públicas revela que o programa econômico do PT deu errado. A crescente influência de Eduardo Cunha revela, por sua vez, que não há mais espaço para que Dilma negligencie os demais atores políticos. E, por fim, a impopularidade do PT, que quebra recordes após recordes, revela que os brasileiros, cada vez mais, e apesar da reeleição de Dilma, não querem esse jeito de fazer, e pensar, política.

Lula decidiu - pois, não tenha dúvida, é ele quem decide as coisas no PT - no começo de 2009 que Dilma seria a candidata do partido a sua sucessão. Àquela altura, Dilma não era bolada, fã de mandioca ou ciclista de contas públicas. Pilotava, como ministra-chefe da Casa Civil, uma locomotiva política que tirava milhões da pobreza enquanto puxava a economia velozmente para a frente - para um futuro de prosperidade que finalmente chegara. Lula resolvia a política e unia um país dividido pelo mensalão; Dilma resolvia o governo e unia uma burocracia hostil ao trabalho duro. A locomotiva petista parecia irrefreável.

Nesse ambiente de euforia e triunfalismo, poucos aliados se opuseram ao nome de Dilma. José Dirceu e Antonio Palocci, os dois homens fortes do PT, que poderiam suceder a Lula, haviam tombado, vítimas da própria empáfia e do cálculo equivocado de que poderiam participar impunemente de esquemas de corrupção. Dilma era desconhecida do público. Tinha apenas a fama, trabalhada no marketing de João Santana, de gerentona. Alguns políticos e assessores mais atentos, contudo, temiam pelo temperamento de Dilma, pela aparente falta de vocação dela para a articulação política e, finalmente, duvidavam da capacidade da então ministra de tocar o governo. Um deles era o ministro das Relações Institucionais, o experiente José Múcio, hoje ministro do Tribunal de Contas da União. Lula perguntou a ele o que achava da candidatura de Dilma. "Todos em Brasília conhecem a Dilma, menos você", disse Múcio. Lula, que já havia escolhido Dilma, fez cara feia.

Os anos mostrariam o que Múcio queria dizer. A locomotiva de Lula e Dilma rodava com uma mistura de diesel importado e diesel batizado. O importado vinha de uma economia mundial que precisava muito, naquele momento, de matérias-primas como minérios e soja, produtos abundantes no Brasil. Com um combustível dessa qualidade, a locomotiva nem precisava de piloto. As barbeiragens econômicas não diminuíam a velocidade dela. Cedo ou tarde, porém, as necessidades da economia mundial mudariam, Foi o que aconteceu: o dinheiro de fora secou. As barbeiragens de Dilma prosseguiram. Ainda no primeiro mandato da petista, o trem começava a descarrilhar.

O diesel batizado, que garantia a estabilidade política, vinha da distribuição de cargos endinheirados no governo para partidos aliados. Numa palavra, do fisiologismo. Após comprar os aliados diretamente com dinheiro do mensalão no primeiro mandato, Lula, no segundo, descentralizou a corrupção que financia os políticos, seja na pessoa física (grana no bolso ou na Suíça), seja na jurídica (grana nas campanhas dos partidos). É o modelo tradicional de corrupção política 110 Brasil. Existe há décadas. Existia também no primeiro mandato de Lula, mas em menor escala, precisamente pela prevalência do mensalão.

Na locomotiva petista, nenhum vagão rodava com tanto combustível batizado quanto a Petrobras. Foi Lula quem nomeou Paulo Roberto Costa (cota do PP), o companheiro Paulinho, nas palavras do presidente, para a Diretoria de Abastecimento. Foi Lula quem nomeou Renato Duque (cota do PT) para a Diretoria de Serviços, Foi Lula quem nomeou Nestor Cerveró para a Diretoria Internacional (cota do PT e do PMDB). Foi Lula quem nomeou, após a ida de Cerveró para a R Distribuidora, Jorge Zelada (cota do PMDB da Câmara) para a mesma Diretoria Internacional. Foi, enfim, Lula quem nomeou o ex-senador Sérgio Machado (cota do senador Renan Calheiros, do PMDB) para a Presidência da Transpetro. Algumas dessas nomeações aconteceram quando Dilma presidia o Conselho de Administração da Petrobrás – copilotava a locomotiva. Hoje, Paulinho, Duque e Cerveró estão presos; suas contas na Suíça, bloqueadas. Zelada, Renan e Sérgio Machado são acusados de receber propina no petrolão.

Ano passado, pouco antes da campanha que reelegeria Dilma, o mesmo José Múcio esteve no Instituto Lula. O ex-presidente perguntou-lhe o que achava do governo de Dilma, que já apresentava fissuras. "Agora todo o país conhece a Dilma, inclusive você", disse Múcio. Lula já estava acostumado a ouvir reclamações sobre Dilma. O que nenhum político ousava dizer a ele, mas Múcio deixara no ar, era a dura verdade: a responsabilidade pela escolha de Dilma recaía sobre Lula, Os erros dela eram, em certa medida, erros dele. Como os erros de um filho, muitas vezes, podem ser atribuídos a um pai -inclusive os erros de uma adolescente que, como na metáfora de Lula, são repetidos, apesar das censuras da figura paterna.

O Partido dos Trabalhadores vive, há pouco mais de dez dias, um destempero emocional Tentou pacificar os próprios militantes, que vinham se digladiando por causa do ajuste fiscal promovido pelo governo Dilma, num encontro em Salvador, entre os dias 11 e 13 de junho. O resultado da confraternização parecia promissor. Foi produzida a Carta de Salvador, que tem um tom ameno e conciliador. Típica e anacronicamente, no documento o partido culpa "a crise global do capitalismo" por seus problemas. Mas ainda sinaliza um apoio à cambaleante gestão de Dilma Rousseff. "Diante do cenário atual, em que o mundo sofre as consequências do terremoto da crise global do capitalismo, o PT vem a público apresentar propostas de superação das dificuldades do momento, ao tempo em que nos fiamos na determinação e competência do governo da presidenta Dilma para nos liderar nessa travessia", diz a carta. A palavra corrupção não foi citada uma vez sequer.

O desequilíbrio foi ficando latente conforme o cerco policial foi se fechando em tomo das empreiteiras que são alvo de investigação na Operação Lava Jato- Com a prisão de alguns dos maiores executivos do país, no dia 19 de junho, o discurso de "superação" do PT cedeu espaço a uma autocrítica agressiva. Quem a verbalizou foi justamente o petista-mor, o ex-presidente Lula. A Lava jato fora longe demais: prendera Marcelo Odebrecht, presidente da maior empreiteira do Brasil — e um dos empresários mais próximos de Lula. Ele disse em um encontro com líderes religiosos na sede de seu instituto, em São Paulo; "Dilma está 110 volume morto, o PT está abaixo do volume morto e eu estou no volume morto. Todos estão em uma situação muito ruim5"Ainda que usasse uma metáfora jocosa, referindo-se ao passivo tucano da crise hídrica em São Paulo, chocou seus correligionários.

Num surto de sinceridade Lula prosseguiu com a depreciação três dias depois. Desta vez, em público. Ao lado do ex-primeiro-ministro espanhol Felipe González, o ex-presidente desancou o partido que fundou. Disse que o PT está envelhecido e viciado em poder* Como no caso de Dilma, falava e se comportava como um observador distante, não como o político que criou e moldou o jeito petista de governar e se relacionar com o poder. "Não sei se o defeito é nosso, se o defeito é do governo. Mas eu acho que o PT perdeu um pouco a utopia. Hoje a gente só pensa em cargo, em emprego em ser eleito. Ninguém hoje trabalha mais de graça." Nunca antes na história deste país Lula falara algo tão duro contra seu partido e, assim, contra si mesmo.

A fala de Lula causou rebuliço. Na semana passada, petistas do governo e do Congresso se esforçavam para responder à questão: "O que Lula quer?" O ministro Edirtho Silva, da Secretaria de Comunicação Social, foi o escolhido para abdicar de seus afazeres em Brasília e dar um pulo até São Paulo para ouvir do próprio Lula a resposta. Na conversa, Lula disse ao ministro que quer ser mais ouvido pelo governo, quer que suas opiniões sejam levadas em conta e que precisa se aproximar mais para poder defender a gestão de Dilma. Ainda naquela noite de quarta-feira, Lula também se encontrou com o presidente do PT, Rui Falcão. Selaram a paz. O resultado foi uma nova "resolução política", publicada pela Executiva Nacional do partido depois de um encontro que tomou toda a quinta-feira, 11a sede nacional do PT, numa rua estreita do centro de São Paulo.

O descontrole emocional completa, nesse documento, seu ciclo. O PT decide fazer uma defesa escancarada das empreiteiras da Lava Jato. Associa as investigações do petrolão à redução da maioridade penal, num contorcionismo ideológico movido a ácido. "Tão grave quanto as tentativas de reduzir a maioridade penal, de realizar a contrarreforma do sistema político-eleitoral e de comprometer o sentido progressista do Plano Nacional de Educação é a ação ilegal, antidemocrática e seletiva dos setores do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal no âmbito da Operação Lava Jato" diz o documento. Mais adiante, a cúpula petista se diz preocupada com "as consequências para a economia nacional do prejulgamento11 das empreiteiras e pede pressa nos acordos de leniência,"que não paralisem obras ou se suspendam investimentos previstos, a fim de impedir a quebra de empresas e a continuidade de demissões daí resultantes".

A locomotiva petista descarrilhou de vez.

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Lula e seu companheiro de viagens

A Polícia Federal rastreia viagens de Lula ao exterior - entre elas as realizadas ao lado do lobista da Odebrecht Alexandrino Alencar, preso na Lava Jato

Thiago Bronzatto

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acomodava-se no Gulfstream G2QO, avião executivo com altura de cabine de quase 2 metros, naquele 21 de maio de 2011. O jatinho é um dos maiores de sua classe, a executiva. Tem mesa de reunião, acabamento em madeira de lei e pontos USB para laptops. A viagem de cerca de 5.000 quilômetros do Panamá a São Paulo aconteceu na aeronave prefixo PR-WTR. Lula não estava sozinho. Voava ao lado do lobista da Odebrecht Alexandrino Alencar, preso recentemente na Operação Lava Jato, acusado de ajudar a empreiteira a operar as propinas do petrolão no exterior. Alexandrino pediu demissão na semana passada de seu cargo na Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada pelo juiz Sergio Moro. Em seu despacho, Moro escreveu: "Além das provas em geral do envolvimento da Odebrecht no esquema criminoso de cartel, ajuste de licitações e de propina, há prova material de proximidade entre Alberto Youssef e Alexandrino Alencar" Naquele dia de maio de 2011, Lula passou pelo sistema de migração da Polícia Federal às 7h07; o lobista quatro minutos depois. Estavam juntos, como juntos estavam em mais aventuras do que admitem até hoje.

ÉPOCA obteve um relatório da PF com as entradas e as saídas do Brasil de Lula e do lobista Alexandrino entre 2011 e o início deste ano. Há a comprovação de duas viagens da dupla, que já haviam sido noticiadas (para Cuba e para Guiné Equatorial), e a revelação de que ambos estiveram juntos em mais quatro ocasiões (nessa viagem para o Panamá; numa outra para Colômbia, Peru e Equador; numa terceira para Portugal; e numa quarta para a África, passando por Angola e Gana). Além de atestar que a relação de Lula e Alexandrino era muito próxima, as planilhas da PF permitem, pela primeira vez, conhecer o sistema Uber particular de Lula - quem banca e como viaja o ex-presidente pelo mundo afora. São 78 trechos internacionais. As planilhas não identificam destino e origem das viagens. Mas apontam quem são os donos das aeronaves: em alguns casos, empreiteiras, bancos, importadores e companhias têxteis. Em outros, empresas alugando jatinhos de companhias de táxi-aéreo.

As viagens de Lula e Alexandrino não foram ocasionais. Os dois são amigos. Depois das viagens que faziam juntos, costumavam se cumprimentar com afetuosos beijos no rosto. Na sala de Alexandrino na sede da Odebrecht em São Paulo, uma foto com Lula dividia espaço com retratos de familiares do executivo. Quando se referia a Lula, Alexandrino o chamava de "presidente" ou de "chefe" - deferência não dispensada nem sequer ao próprio Marcelo Odebrecht.

Tamanha era a intimidade entre os dois que Alexandrino acompanhava Lula em reuniões e eventos restritos a autoridades de Estado, mesmo quando o tour não era bancado exclusivamente pela Odebrecht. Numa excursão pela América do Sul, Lula viajou com uma comitiva de executivos da OAS, da Camargo Corrêa, da Andrade Gutierrez e da onipresente Odebrecht - todas acusadas de participar do cartel do petrolão. A viagem começou pela Colômbia: Lula embarcou em 3 de junho de 2013, às 9h41, de São Paulo para Bogotá. Lula foi a bordo do mesmo jatinho que o levara ao Panamá, dois anos antes. O lobista da Odebrecht (Alexandrino, não Lula) havia embarcado horas antes, às 7h39, para a capital colombiana. Lá, eles se encontraram com o presidente do país, Juan Manuel Santos, e participaram de encontros com empresários. Lula e Alexandrino seguiram então para o Peru, onde foram recebidos pelo então chefe de Estado, Ollanta Humala. Em fotos oficiais, o lobista da Odebrecht aparece a um passo de Lula. Os dois não param de rir. O périplo político da dupla terminou no dia 8 de junho de 2013, data em que ambos regressaram ao Brasil, em voos diferentes.

Em encontros com autoridades estrangeiras, Lula sempre defendia o interesse das empresas brasileiras em fazer negócios com o país de destino. "Por isso, a gente fazia questão de bancar as viagens dele", disse um executivo de uma grande empreiteira antes de ser preso na última fase da Lava Jato. O investimento se mostrava certeiro. Em 13 de março de 2013, por volta das 8 horas, Lula e Alexandrino embarcaram no aeroporto de Guarulhos com destino a Nigéria, Benin, Gana e Guiné Equatorial. Quatro meses depois dessa passagem de Lula pela África, a Odebrecht ganhou um contrato de uma obra de transporte com o governo ganês, contando com US$ 200 milhões do BNDES. Em 17 de abril do mesmo ano, o presidente de Gana, John Mahama, visitou o Brasil para lançar o seu livro Meu primeiro golpe de Estado. Aproveitou para ter reuniões reservadas com Lula e representantes da Odebrecht, segundo telegramas do Itamaraty.

Em alguns casos, era o próprio Lula quem decidia quando e para onde queria viajar. Em mensagens de celular enviadas em 12 de novembro de 2013, Léo Pinheiro, presidente da construtora OAS, outro amigo de Lula preso na Lava Jato, e o diretor da área internacional da companhia, Augusto César Uzeda, acertavam detalhes dos preparativos para uma viagem do petista, a quem chamam de "Brahma". "O Brahma quer fazer a palestra dia 24/25 ou 26/11 em Santiago", diz Léo Pinheiro. "Amanhã começamos a organizar, o avião é por nossa conta", escreve Uzeda. No dia 26 de novembro, às 10h53, conforme o combinado, o ex-presidente passou pela imigração e, em seguida, embarcou no mesmo Gulfstream G200, alugado da Global Aviation. No Chile, ele participou do seminário Desenvolvimento e integração da América Latina. No dia 10 de dezembro de 2013, um consórcio integrado pela OAS, a sul-coreana Hyundai, a francesa Systra e a norueguesa Aasjakobsen venceu a licitação para a construção de uma ponte de 2.750 metros sobre o Canal de Chacao, considerado o mais longo da América Latina, depois de apresentar a única oferta. O valor estimado do investimento da obra é de US$ 680 milhões.

Numa viagem de Lula e Alexandrino para Cuba, República Dominicana e Estados Unidos, em janeiro de 2013, a Odebrecht pagou, por meio de sua parceira comercial D.A.G. Construtora, R$ 435 mil para fretar uma aeronave da Líder Táxi-Aéreo, segundo revelou o jornal O Globo em abril deste ano. Em 2011, Lula incluiu Alexandrino numa viagem à Guiné Equatorial em que ia como chefe da delegação brasileira participar da Assembleia da União Africana, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo.

Documentos obtidos por ÉPOCA revelam que empresas de diversos setores bancaram as viagens de Lula pelo mundo afora. Ainda no ramo das empreiteiras, no dia 5 de setembro de 2011, por volta das 11h30, o ex-presidente embarcou numa aeronave modelo Falcon 900EX Easy no aeroporto internacional do Recife. A operadora do jato é a Morro Vermelho Táxi-Aéreo, do grupo Camargo Corrêa - que, além de cobrir as despesas com o avião, doou R$ 3 milhões ao Instituto Lula e repassou R$ 1,5 milhão para a empresa do líder petista LILS Palestras Eventos e Publicidade entre 2011 e 2013. Meses antes, em fevereiro, Lula viajara a bordo de um Cessna C750, da companhia têxtil Coteminas, do empresário Josué Gomes da Silva, e embarcara num Bombardier BD-700 Global Express, pertencente à mineradora Vale, com destino a Guiné, onde participou de um evento de início das obras de reconstrução de uma ferrovia.

Outros aviões de grandes empresários brasileiros também já estiveram à disposição das viagens do ex-presidente petista entre 2011 e 2014: o de Sérgio Habib, da montadora JAC Motors; o de José Seripieri Junior, dono da operadora de saúde Qualicorp; de Jonas Barcellos, da empresa de máquinas Brasif e conhecido como o "rei dos free-shop"; Marcelo Henrique Limirio Gonçalves, fundador da Neo Química e sócio da Hypermarcas, Além deles, de Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, ex-ministro do Turismo no governo Lula e conselheiro de Administração da empresa de educação Kroton.

Procurada, a Odebrecht informou que pagou as despesas das viagens do ex-presidente para Angola, Gana, Panamá, Peru, Portugal e República Dominicana. A empresa ainda disse que o ex-diretor de relações institucionais, Alexandrino Alencar, acompanhou Lula a todos esses destinos — e que o executivo "não participava de reuniões do ex-presidente, além daquelas estritamente relacionadas às palestras que o ex-presidente faria" Além disso, a empresa confirma que fez doações ao Instituto Lula, mas não revela valores. A Camargo Corrêa, dona da Morro Vermelho Táxi-Aéreo, diz que patrocinou as palestras do ex-presidente Lula em Portugal, em setembro de 2011; em Moçambique e na África do Sul, em novembro de 2012; na Colômbia, em julho de 2013.

A Vale informou que Lula fez apenas uma viagem em aeronave da empresa. A Queiroz Galvao informa que contratou Lula para três palestras na América Latina e na África em 2011 e em 2013 como uma forma de patrocinar eventos promovidos por entidades de fomento ao desenvolvimento econômico e social. "Tais contratações se deram de forma legal e declarada aos órgãos competentes. Em nenhuma dessas situações houve utilização de aeronave de propriedade da empresa para transporte do palestrante", diz a companhia. A Brasif afirmou que cedeu ocasionalmente a aeronave para Lula, sendo algumas vezes a convite da própria empresa. O empresário Josué Gomes afirmou que, em 2011, o assunto já "foi o objeto de reportagens".

Sérgio Habib e Marcelo Henrique Limirio Gonçalves não responderam até o fechamento desta edição. Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, por meio de sua assessoria, disse que Lula realizou 14 viagens entre 2013 e 2015 em sua aeronave Cessna Citation CJ3. Já a OAS disse que não vai responder ás perguntas feitas por ÉPOCA. Procurado, o Instituto Lula informou por meio de sua assessoria de imprensa que tem como política divulgar as viagens do ex-presidente ao exterior. "As viagens do ex-presidente Lula ao exterior não foram de turismo ou passeio. Foram dando palestras, falando bem do Brasil no exterior para investidores e autoridades estrangeiras, estimulando a participação de jovens na política e divulgando políticas sociais de combate à fome em eventos na África, América Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia", diz o Instituto Lula. "No caso de atividades profissionais, palestras promovidas por empresas nacionais ou estrangeiras, o ex-presidente é remunerado, como outros ex-presidentes que fazem palestras. O ex-presidente já fez palestras para empresas nacionais e estrangeiras dos mais diversos setores - tecnologia, financeiro, autopeças, consumo, comunicações - e de diversos países como Estados Unidos, México, Suécia, Coreia do Sul, Argentina, Espanha e Itália, entre outros. Como é de praxe, as entidades promotoras se responsabilizam pelos custos de deslocamento e hospedagem", complementa. "A maioria das viagens do ex-presidente ao exterior não foram pagas pela Odebrecht, que contratou palestras para empresários e convidados em países onde a empresa já atua", reitera. Além disso, o Instituto diz que todas as doações recebidas são contabilizadas e foram pagos todos os impostos correspondentes.

Conforme ÉPOCA revelou em maio, o Núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria da República no Distrito Federal iniciou uma investigação para apurar se o ex-presidente praticou tráfico de influência internacional junto a chefes de Estado e autoridades em favor da Odebrecht, maior beneficiária dos financiamentos do BNDES no exterior. O MPF está analisando as relações entre O ex-presidente e a construtora baiana, sobretudo com o lobista Alexandrino Alencar. Lula está passando por uma turbulência sem fim.

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Direto nos mais pobres

Durante o governo Lula, os indicadores sociais melhoraram. Agora, essas conquistas estão ameaçadas

Marcos Coronato

Não foi por falta de aviso. O governo de Dilma Rousseff insistiu, até o fim de 2014, em um curso de ação que levava ao desastre inevitável. Os primeiros indícios apareceram há três anos. Havia sinais preocupantes nas contas públicas, na instalação, no investimento real e na disposição para investimentos futuros. Sempre que cobrada a respeito desses sinais evidentes de piora de cenário, até meses atrás, Dilma deu a mesma resposta, de novo e de novo, enquanto foi possível: o nível de desemprego, fator mais influente na satisfação popular, estava baixo. Neste ano, o desemprego, derradeiro argumento a embasar o discurso da presidente, voltou a crescer* Em maio, chegou a 6,7%, muito acima dos 4,9% no mesmo mês no ano passado. A renda média caiu também, 5% no mesmo período.

Junto com o desemprego, despertaram outros indicadores vergonhosos que o país vinha, nos últimos anos, subjugando, Entre eles estão o da população em pobreza extrema (que cresceu em 2013), o das famílias que não conseguem pagar suas dívidas (maior no início deste ano que nos anteriores), o dos trabalhadores na informalidade (que se estabilizou num nível ainda alto e começará a subir nos próximos meses) e o das mulheres que trabalham como empregadas domésticas (que voltou a crescer neste ano), Todas essas mudanças mostram que a vida piorou - principalmente a dos brasileiros mais pobres.

A melhoria desses indicadores ao longo da última década faz parte do legado com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostaria de entrar para a história e ao qual seu partido, o PT, gostaria de ser associado. As melhorias, na verdade, começaram a ser gesta das com a estabilização econômica do governo Fernando Henrique, e se beneficiaram de um cenário externo favorável - como decorrência da má gestão econômica a partir de 2009, problemas que estavam encolhendo, e que ainda exigiriam uma boa década de progresso para chegar a níveis civilizados, pararam de recuar ou voltaram a crescer. É natural que eles piorem numa crise. Mas é trágico que parem de melhorar, após um período tão curto de evolução. Como não se sabe quão prolongada e severa será a crise econômica, os avanços estão sob ameaça.

Os efeitos aguardados para os próximos meses entram no planejamento de gente como a administradora Maure Pessanha, diretora da ONG Artemísia. Maure trabalha há 11 anos no apoio a negócios sociais - organizações que combinam fins lucrativos e sociais ao mesmo tempo, em frentes como educação e saneamento. Maure calcula já ter trabalhado com mais de 100 iniciativas do tipo. No Brasil, o segmento floresceu no ambiente estimulante dos anos 2000 e é tão novo que nunca passou por uma crise."Nos próximos meses, acreditamos que haverá mais gente demitida e precisando de apoio para criar um negócio próprio. Deve voltar a aumentar o número dos que empreendem por questão de sobrevivência", afirma.

Economia não é a ciência exata que desejariam muitos de seus professores, mas alguns fenômenos se seguem em ordem bem conhecida. Pode-se observar primeiro o que dizem a confiança dos empresários no futuro e os indicadores que antecedem a produção (como a contratação de energia, transporte e embalagens). Eles informarão muito sobre a atividade econômica nos meses seguintes. Daí, a influência se espalha para a confiança do consumidor no futuro e seu consumo de fato. Como o mercado de trabalho no Brasil tem regras rígidas, o nível de emprego tende a ser o último indicador afetado. Desde 2011, as más notícias percorreram esse caminho, até despertar o desemprego. Agora, será preciso fazer com que boas notícias o percorram, até haver uma reação do emprego.

As melhorias foram resultado natural do bom cenário internacional dos anos 2000, mas não apenas disso. Foi um período de crescimento global e de valorização dos produtos que o Brasil exporta, como soja e minério de ferro. O cenário global benigno facilitou o crescimento brasileiro. Mas não se deve negar mérito a Lula e sua equipe. Mesmo com o mundo ajudando, o país poderia não ter crescido tanto, não ter conseguido inspirar boas expectativas, como inspirou, não ter controlado as contas públicas ou a inflação, como controlou, ou não ter reduzido a extrema desigualdade de renda. Lula aproveitou a herança bendita do governo Fernando Henrique, que domou a hiperinflação, deu novo status ao controle das contas públicas e da inflação e interrompeu o indecente processo de concentração de renda vigente no país desde os anos 1970. Fernando Henrique e seu partido, o PSDB, porém, embora tenham saído do governo em meio a uma crise nacional e internacional, em 2002, não trouxeram de volta monstros que haviam liquidado. A inflação alta daquele momento não se comparava à hiperinflação que Fernando Henrique encontrou quando chegou ao governo. Lula e o PT ainda não estão nessa zona de tranquilidade e precisam preservar o legado. Atualmente, duas correntes disputam como fazer isso. A solução não virá de forma simples de nenhum dos lados do debate, ao contrário do que os simplistas dos dois lados tentam fazer crer.

Baixar juros na marra e manter gastos públicos em alta, como quer parte do PT, de outros partidos e organizações de esquerda, poderia melhorar alguns indicadores sociais no curto prazo. Mas faria o país mergulhar rapidamente num fosso de incerteza, alta inflação, baixo crescimento e nenhuma expectativa.

A solução oposta, elevar juros e conter o gasto público, foi a adotada pelo governo. Há sentido em adotá-la, mas isso não basta para trazer o país de volta ao rumo do crescimento. O ajuste ideal deveria ser feito com o máximo de corte no gasto público e o mínimo de elevação de juros. Mas temos um governo perdulário e mau gestor e um orçamento engessado. Assim, o ajuste é feito com um mínimo de corte de gastos e o máximo de elevação de juros. O efeito sobre a atividade econômica e o emprego é devastador. O economista Paulo Feldman, professor na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, faz um alerta a respeito - o ajuste atual também pode empurrar o Brasil para uma espiral maligna, em que o governo corre atrás de um ajuste impossível nas contas públicas, atrapalhado por seus próprios juros altos (que elevam a dívida pública) e pela queda de arrecadação de tributos (por causa da baixa atividade econômica). "A tentativa da Dilma de baixar juros no primeiro mandato deu errado porque ela não cortou gastos públicos e conteve de forma artificial os preços de energia e gasolina", diz. "Como resultado, a inflação antes represada veio com tudo nos últimos meses."

Ajuste das contas públicas e estabilidade econômica são condições necessárias, mas não suficientes, para gerar o tipo de crescimento forte que o Brasil requer para superar suas chagas sociais, isso exigirá empenho em outras frentes. Dilma mostrou serviço em algumas delas - o programa de privatizações em infraestrutura, o apoio às exportações e o agendamento de uma viagem aos Estados Unidos (leia em Nossa Opinião, na página 30). É de lamentar que tenhamos esperado tanto por elas.

Não há motivo para catastrofismo. A Indonésia, uma grande economia subdesenvolvida como o Brasil, sofreu um baque com a crise financeira da Ásia no fim dos anos 1990, um episódio muito mais severo que o vivido atualmente por aqui. Depois de anos de melhora, a parcela de indonésios abaixo da linha da pobreza subiu de 17,7% em 1996 para 24,2% em 1998. Passada a fase aguda da crise, em 1999, a pobreza logo voltou a cair. Dilma persistiu por tempo demais em políticas ruins. Como todo governo populista, centralizador e procrastinador nas reformas necessárias, pagará um preço. Só teve o azar de a conta chegar para ela mesma. O segundo mandato de Dilma será marcado pela derrota para a crise, o que seria péssimo para ela* ou pela vitória sobre a crise, o que seria apenas razoável para a presidente, já que ela mesma fabricou o monstro. Lula, porém, tem a perder algo muito maior - a forma como entrará para os livros de história.

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